FIRE Trial: e nos idosos, devemos tratar somente o vaso culpado ou revascularização completa após coronariopatia aguda?
Luciano Moreira Baracioli
Evidências científicas surgiram avaliando se o tratamento completo (revascularização do vaso culpado e de obstruções residuais) seria superior ao tratamento isolado do vaso culpado e qual seria o melhor momento para realizá-lo, nos pacientes após infarto agudo do miocárdio. O estudo mais recente sobre o assunto é o COMPLETE (1), que randomizou 4041 pacientes, com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMcomESST) tratados por intervenção coronária percutânea (ICP) primária, para uma abordagem apenas do vaso culpado versus revascularização completa. O grupo de revascularização completa, que realizava a ICP de forma estadiada (durante internação – tempo médio de 1 dia, ou após a alta hospitalar – tempo médio de 23 dias – com no máximo 45 dias da randomização), demonstrou redução significativa do desfecho primário de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio (7,8% vs 10,5%, HR=0,74; IC 95% = 0,60-0,91; p = 0,004). Porém salienta-se que a idade média desta população foi de 62 anos. Uma meta-análise (10 ensaios clínicos randomizados, totalizando 7.030 pacientes) demonstrou redução de óbito cardiovascular 2,5% vs 3,1% (OR=0,69; IC 95% = 0,48-0,99; p = 0,04) também a favor do tratamento completo nesta população com IAMCESST sem choque cardiogênico(2).
E como seria o comportamento dessa estratégia em pacientes idosos?
Estudo multicêntrico (FIRE Trial)(3), publicado em 2023, randomizou 1445 pacientes com ao menos 75 anos, admitidos com coronariopatia aguda (IAMcomESST ou IAMsemESST), que tenha sido feito ICP do vaso culpado com sucesso, e tenha doença multivascular, para tratamento isolado do vaso culpado versus tratamento completo guiado por fisiologia; randomização ocorreu no momento do procedimento índice em 877 pacientes (60,7%), e dentro das 48 horas após o procedimento nos 568 pacientes restantes (39,3%). Ressalta-se que a mediana da idade foi de 80 anos, 528 pacientes (36,5%) eram do sexo feminino, 509 (35,2%) apresentaram com IAMcomESST (64,8% de IAMsemESST), o intervalo entre o tratamento do vaso culpado e o tratamento do(s) vaso(s) não culpado(s) teve mediana de 3 dias, e o acesso radial foi realizado em cerca de 93,5%. O desfecho primário composto de morte, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, ou necessidade de revascularização em 1 ano, ocorreu em 113 pacientes (15,7%) no grupo revascularização completa e em 152 pacientes (21,0%) no grupo revascularização isolada do vaso culpado (OR 0,73; 95% IC 0,57 – 0,93; P=0,01). Esse benefício foi devido à redução de cada componente individualmente, exceto a ocorrência de acidente vascular cerebral. Na tabela abaixo demonstramos os principais desfechos de eficácia e segurança.
Desfecho | Revascularização Vaso Culpado (N=725) | Revascularização Completa (N=113) | OR (95% CI) | P |
Desfecho Primário | ||||
Morte, Infarto do Miocárdio, Acidente Vascular Cerebral, ou Revascularização Guiada por Isquemia | 152 (21%) | 113 (15,7%) | 0.73 (0.57–0.93) | 0.01 |
Desfecho Secundário Principal | ||||
Morte Cardiovascular ou Infarto do Miocárdio | 13,5% | 8,9% | 0.64 (0.47–0.88) | |
Outros Desfechos Secundários | ||||
Morte (qualquer causa) | 12,8% | 9,2% | 0.70 (0.51–0.96) | |
Morte Cardiovascular | 7,7% | 5,0% | 0.64 (0.42–0.97) | |
Infarto do Miocárdio | 7,0% | 4,4% | 0.62 (0.40–0.97) | |
Morte ou Infarto do Miocárdio | 18,3% | 12,9% | 0.68 (0.52–0.88) | |
Acidente Vascular Cerebral | 1,0 | 1,7% | 1.73 (0.68–4.40) | |
Revascularização Guiada por Isquemia | 6,8% | 4,3% | 0.63 (0.40–0.98) | |
Desfecho de Segurança | ||||
Composto Injuria Renal Aguda Induzida pelo Contraste, AVC, ou Sangramento BARC 3,4, ou 5 | 20,4% | 22,5% | 1.11 (0.89–1.37) | 0,37 |
Injuria Renal Aguda Induzida pelo Contraste | 16% | 17,9% | 1.11 (0.87–1.42) | |
Sangramento BARC 3,4, ou 5 | 5,0% | 4,7% | 0.95 (0.59–1.53) |
Sabemos que, em especial nesta população mais idosa, o objetivo do tratamento deve ser a manutenção da “qualidade de vida”, muito mais do que a extensão da mesma sem a devida qualidade.
Portanto, conclui-se que essa população idosa, com maior número de comorbidades, mais frágil, e com maior frequência de eventos adversos, também apresentou benefícios quando submetido à revascularização completa, isto é, quando foram tratados o vaso culpado pela coronariopatia aguda (com ou sem elevação do segmento ST) e as lesões residuais guiadas por estudo fisiológico (reserva de fluxo coronariano).
Referências:
1 – Mehta SR, Wood DA, Storey RF, et al, for the COMPLETE Trial Investigators. Complete Revascularization with Multivessel PCI for Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2019;381(15):1411–21.
2 – Bainey KR, Engstrøm T, Smits PC, et al. Complete vs Culprit-Lesion-Only Revascularization for ST-Segment Elevation Myocardial Infarction: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Cardiol. 2020;5(8):881–8.
3 – S. Biscaglia, V. Guiducci, J. Escaned, et al, for the FIRE Trial Investigators. Complete or Culprit-Only PCI in Older Patients with Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2023;389:889-98.
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