Diretriz da ESC 2024 para o manejo das síndromes coronárias crônicas: o que mudou?
Dra. Luhanda Monti
Diagnóstico
A abordagem inicial para investigação e tratamento de um paciente com dor torácica e suspeita de síndrome coronária crônica (SCC) ficou subdividida em 4 STEPS. O método empregado para determinar a probabilidade pré-teste de doença arterial coronária (DAC) aterosclerótica obstrutiva, usualmente feito pela classificação de Diamond forrester, sofreu modificações. A explicação foi de que a terapia médica contemporânea modificou a prevalência de DAC obstrutiva por idade, fazendo com que o antigo escore estivesse superestimando a probabilidade pré-teste de obstrução. O atual modelo utiliza além da idade, sexo e tipo de dor, um escore ponderado por fatores de risco, tornando o mesmo mais acurado.
O STEP 1 é uma abordagem clínica geral, visando diferenciar causas cardíacas vs. não cardíacas para dor torácica e descartar síndrome coronariana aguda (SCA). O STEP 2 é onde atua o especialista cardíaco, contempla avaliação de ecocardiograma transtorácico (EcoTT) de repouso e estimativa da probabilidade pré-teste de doença arterial coronária (DAC) obstrutiva epicárdica. Nesse momento, ainda orienta que o escore de cálcio coronário (IIa-B) ou o teste ergométrico (IIb-C) podem ser utilizados para reclassificar pacientes de baixa probabilidade de DAC (>5-15%) para muito baixa ( <5%), categoria na qual os exames podem ser postergados.
O STEP 3 envolve a indicação de exames para diagnóstico e predição de risco para eventos futuros. Nesse cenário, a diretriz endossa que a angiografia por tomografia computadorizada (angioTC) coronária seja usada para diagnosticar DAC obstrutiva e estimar o risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em indivíduos com suspeita de SCC e probabilidade pré-teste baixa ou moderada (>5%–50%) de DAC obstrutiva. Ao passo que naqueles com probabilidade pré-teste moderada ou alta (>15%–85%), há novas recomendações, Classe I sobre o uso de testes funcionais não invasivos, de acordo com a disponibilidade. Dessa forma, temos que, resumidamente de acordo com cada estrato de probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva, temos: Na baixa probabilidade há forte recomendação de angioTC de coronárias (I-A) na moderada probabilidade, pode-se escolher entre um método funcional ou anatômico não invasivo (classe I para os dois), muito embora a diretriz afirme que frequentemente, haverá necessidade de realizar exames funcionais e anatômicos de forma sequencial nessa categoria. Já na alta probabilidade, preferência foi para os testes funcionais (classe I) dado o seu maior valor preditivo positivo, além do objetivo em avaliar o impacto funcional da DAC, quando se trata de alta probabilidade, o que muito se pauta no conceito de “ischemia drive” que os europeus vem trazendo desde a diretriz passada. A cinecoronariografia invasiva (CINE) possui recomendação classe I para indivíduos com alta probabilidade pré (> 85%) ou pós-teste de DAC obstrutiva, sintomas limitantes ou refratários à terapia médica otimizada (TMO), angina em baixo nível de exercício e/ou alto risco de evento. É recomendado que estenoses ‘intermediárias’ tenham sua gravidade funcional avaliada por testes funcionais invasivos, como a reserva de fluxo fracionada (FFR) e razão livre de onda instantânea (iFR) ou quantitative low ratio (QFR) antes de uma possível revascularização.
A diretriz dedicou uma sessão especial à SCC não obstrutiva, Angina na ausência de DAC obstrutiva (ANOCA) e Isquemia na ausência de DAC obstrutiva (INOCA) e, incluiu a INOCA dentro do espectro da ANOCA pois cerca de 75% dos pacientes com ANOCA não terão isquemia documentada e, consequentemente, serão subdiagnosticados e subtratados. Nesses pacientes a diretriz traz opções de exames não invasivos, mas endossa e realização de teste funcional invasivos (I-B) para o seu diagnóstico, na ausência de DAC obstrutiva.
Tratamento da SCC obstrutiva
O STEP 4 é marcado pela instituição do tratamento propriamente dito, e inclui modificação do estilo de vida e dos fatores de risco, juntamente com medicações modificadores da doença, bem como a indicação de revascularização do miocárdio na vigência de DAC de alto risco ou sintomas forem refratários ao TMO.
Na seara dos medicamentos, tivemos um upgrade para o uso de clopidogrel (I-A) como opção ao AAS. O uso da colchicina foi recomendado para melhora de prognóstico (IIa). O ácido bempedóico em pacientes intolerantes à estatina e que não atingem meta de LDL-c (55mg/dl) com ezetimibe recebe recomendação I-B e II-A para aqueles que não atingem meta de LDL-c com dose máxima tolerada de estatina +ezetimibe. Os agonistas de GLP-1 entraram com recomendação I-A em pacientes com DAC e diabetes e II-A se DAC com sobrepeso ou obesidade e sem diabetes. Medicações anti-anginosas devem ser utilizadas de acordo com o perfil de cada paciente, priorizando betabloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio.
Revascularização do Miocárdio
Na contramão da diretriz americana de revascularização do miocárdio e surpreendendo muitos cardiologistas, a ESC 2024 mostrou que o ISCHEMIA não veio para manter os pacientes com DAC crônica em tratamento clínico.
Dessa forma, os europeus deram um upgrade nas recomendações por prognóstico com base numa série de evidências científicas contemporâneas. Começou comentando sobre a subanálise do ISCHEMIA que já mostrava redução significante de IAM espontâneo no grupo intervenção, cujo resultado foi corroborado por meta-análises consistentes. Na sequência, enfatizou os resultados do ISCHEMIA-EXTEND, considerando a redução de morte cardiovascular no grupo intervenção, mesmo com o aumento de morte não cardíaca e cita a melhora. Por fim, considerou uma meta-análise mais recente de RCTs que incluiu o maior acompanhamento disponível, demonstrando que a revascularização adicionada à TMO reduziu a morte cardíaca em comparação com TMO isoladamente, o que foi linearmente relacionado a uma menor taxa de IAM espontâneo.
Dessa forma, as indicações prognósticas para revascularização em pacientes com FE> 35%:
-Lesão funcionalmente significante em tronco de coronária esquerda (TCE), para aumento de sobrevida global, redução de morte CV e IAM espontâneo
– Lesão funcionalmente significante triarterial, para reduzir morte CV e IAM espontâneo
– Lesão funcionalmente significante uni ou biarterial com acometimento da artéria descendente anterior proximal, para reduzir morte CV e IAM espontâneo
Mediante a FE ≤ 35%
A escolha entre revascularizar vs. TMO isolado, deve ser feita de acordo com o Heart Team de forma individualizada (I-C).
Quanto a modalidade de revascularização mais apropriada: intervenção coronária percutânea vs. Cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM), deve ser selecionada com base no perfil do paciente, anatomia coronária, fatores do procedimento, risco cirúrgico, preferência do paciente, expectativas de resultados e de acordo com o Heart Team em casos complexos.
A diretriz foi categórica em recomendar avaliação funcional FFR, iFR ou QFR, para guiar a revascularização de lesões intermediárias em multiarteriais (I-A) e o uso de imagem intravascular como IVUS ou OCT para guiar ICP complexas, com destaque a lesão em TCE (I-A). Reconhece a superioridade da CRM em determinados subgrupos, tais como na lesão grave de TCE ou triarteriais com elevado SYNTAX principalmente na vigência de diabetes e/ou disfunção ventricular. Não obstante, ressalta os avanços da cardiologia intervencionista e sua aplicabilidade também em casos de maior complexidade, sobretudo na vigência de risco cirúrgico elevado. Dessa forma os europeus deram um upgrade com relação a diretriz passada para ICP, quando comparada à CRM, na lesão de TCE com SYNTAX > 33 (IIb) e na DAC multiarterial com diabetes e SYNTAX > 22 para IIa. Já quando a FE é ≤ 35% a ICP fica como II-B, muito pautado nos resultados do REVIVED-PCI.
A esse respeito, a diretriz enfatiza a tomada de decisão compartilhada e centrada no paciente. Endossa com upgrade de recomendação (I-C), a tomada de decisão em Heart Team para indicação e escolha da modalidade de revascularização, em casos clinicamente ou anatomicamente complexos, principalmente quando a FE for ≤ 35%.
Referências:
- Vrints C, et al. 2024 ESC Guidelines on the management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2024. doi:10.1093/eurheartj/ehae177.
- Navarese EP, Lansky AJ, Kereiakes DJ, Kubica J, Gurbel PA, GorogDA, et al. Cardiac mortality in patients randomised to elective coronary revascularisation plus medical therapy or medical therapy alone: a systematic review and meta-analysis. Eur Heart J 2021;42:463–51.
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