Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 8: quando indicar cirurgia?
Dr Renato Nemoto
A despeito do tratamento clínico, fundamental no tratamento de endocardite, existem situações nas quais o tratamento cirúrgico é necessário para resolução do quadro, redução de morbidade e mortalidade.
As indicações são divididas em 3 pilares:
– Insuficiência cardíaca
– Infecção não controlada
– Prevenção de embolização
Além disso, devemos decidir em qual momento o procedimento cirúrgico deve ser realizado. A última diretriz europeia divide em:
– Cirurgia de emergência – realizada em até 24h
– Cirurgia urgente – dentro de 3 a 5 dias (pode ser estendida de acordo com o caso)
– Cirurgia não urgente – durante a mesma internação hospitalar
Devido potencial gravidade dos quadros de endocardite infecciosa, não infrequente o risco cirúrgico é desafiador. Além disso, a abordagem cirúrgica precoce possui maior risco de complicações periprocedimento e infecção da prótese valvar, sendo preferível, quando possível, aguardar o tratamento com antibióticos para estabilização da infecção. Dessa forma, para definição da indicação, momento ideal e quais medidas devem ser realizadas no periprocedimento, sempre que possível, o caso deve ser discutido com o time de endocardite (Endocarditis Team).
Insuficiência Cardíaca (IC):
A insuficiência cardíaca é a principal causa de necessidade de abordagem cirúrgica. A perfuração e ruptura dos folhetos e ruptura da corda mitral causam regurgitação valvar potencialmente grave ou agravamento da lesão pré-existente e subsequente IC aguda. Outras causas menos comuns de IC incluem fístulas intracardíacas, interferência da vegetação na mobilidade dos folhetos ou infarto do miocárdio devido à embolização para as artérias coronárias.
Nos casos de choque cardiogênico e edema agudo pulmonar, a cirurgia deve ser de emergência (Classe I). Nos casos de IC classe II-III da NYHA e valvopatia anatomicamente importante ou sinais de comprometimento hemodinâmico (pressão diastólica final ventricular esquerda elevada, pressão atrial esquerda elevada ou hipertensão pulmonar moderada ou grave), a cirurgia deve ser de urgência. Em pacientes sem comprometimento hemodinâmico, a cirurgia pode ser considerada como não urgente.
Infecção não controlada:
Segundo as diretrizes europeia, infecção não controlada ocorre quando:
– Há infecção persistente ou sepse apesar da terapia antibiótica: arbitrariamente definida se febre e culturas positivas após 7 dias de tratamento apropriado (Classe IIa). Foi demonstrado que culturas persistentes por mais de 48-72 horas são um fator de risco independente para mortalidade hospitalar
– Sinais de infecção local que não respondem à antibioticoterapia: aumento do tamanho da vegetação, formação de abscessos, pseudoaneurismas e/ou fístulas, novo bloqueio atrioventricular. Sinais clínicos que podem auxiliar na suspeita incluem febre persistente, dor torácica, novo sopro cardíaco, embolia recorrente ou sinais de IC. O diagnóstico deve ser confirmado por exame de imagem (Classe I).
– Infecção por organismos resistentes ou muito virulentos: fungos, bactérias multirresistentes (por exemplo, MRSA ou enterococos resistentes à vancomicina) e, em casos raros, bactérias Gram-negativas não HACEK, de acordo com a condição hemodinâmica (Classe I). O Staphylococcus aureus também é motivo de preocupação devido à sua rápida progressão e morbidade principalmente em pacientes com prótese valvar (Classe IIa). A identificação desses microorganismos, junto com o risco cirúrgico, deve ser discutida com a equipe para avaliar necessidade de abordagem.
Todas essas indicações devem resultar em cirurgia de urgência, sendo a indicação isoladamente por germe multirresistente ou fungo, passível de abordagem não urgente.
Prevenção de eventos embólicos:
Os eventos embólicos podem ser clinicamente silenciosos em até 50% dos pacientes com EI, sendo o risco maior no dia seguinte ao início da antibioticoterapia (embora seja 10 a 20 vezes maior sem tratamento), em comparação com 2 semanas após. Dessa forma, os benefícios da cirurgia para prevenir a embolia são maiores durante as fases iniciais da terapia.
O tamanho e a mobilidade das vegetações são os preditores independentes mais importantes. O tamanho da vegetação foi um marcador de piores resultados apenas quando associado a outras indicações cirúrgicas (IC ou infecção não controlada). Um ponto de atenção é a endocardite estafilocócica, que apresenta maior risco de evoluir com embolizações.
Assim, as indicações das últimas diretrizes europeia são (todas com recomendação de urgência):
– Vegetação ≥ 10mm após evento(s) embólico(s) a despeito de antibioticoterapia adequada (Classe I)
– Vegetação ≥ 10mm quando outras indicações para cirurgia também presentes (Classe I)
– Vegetação ≥ 10mm sem lesão valvar importante ou embolização, mas baixo risco cirúrgico (Classe IIb)
Referências bibliográficas:
Delgado V, Ajmone Marsan N, de Waha S, Bonaros N, Brida M, Burri H, Caselli S, Doenst T, Ederhy S, Erba PA, Foldager D, Fosbøl EL, Kovac J, Mestres CA, Miller OI, Miro JM, Pazdernik M, Pizzi MN, Quintana E, Rasmussen TB, Ristić AD, Rodés-Cabau J, Sionis A, Zühlke LJ, Borger MA; ESC Scientific Document Group. 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis. in: Eur Heart J. 2024 Jan 1;45(1):56. doi: 10.1093/eurheartj/ehad776. PMID: 37622656.
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Quando devemos indicar a cirurgia para o tratamento da endocardite infecciosa? No 8º episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa, Dr. Renato Nemoto esclarece essa dúvida e explica quais são as diretrizes para essa tomada de decisão.
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