Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 12: endocardite em câmaras direitas
Flávia Potsch Câmara Mattos Girard
A endocardite infecciosa (EI) de valvas direitas representa aproximadamente 5 a 10% dos pacientes com endocardite infecciosa, sendo que os principais fatores de risco incluem a presença de cardiopatias congênitas cianogênicas, cateteres permanentes, dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis, imunossupressão e uso de drogas injetáveis.
O microrganismo mais prevalente na EI do lado direito é o Staphylococcus aureus e a valva tricúspide é muito mais frequentemente envolvida do que a valva pulmonar.
O quadro clínico envolve febre, bacteremia e sintomas pulmonares como tosse, dor torácica e hemoptise, estes últimos relacionados à embolização séptica pulmonar. A EI do lado direito raramente se espalha para as câmaras esquerdas, porém o contrário não é incomum. Quando presente, a insuficiência cardíaca decorre da insuficiência da valva tricúspide e/ou pulmonar ou pela hipertensão pulmonar induzida pelas embolizações sépticas.
Dentre os critérios de Duke, o critério de imagem frequentemente se limita à adequada avaliação proporcionada pela ecocardiografia transtorácica, em vista da localização anterioriozada da valva tricúspide e do tamanho geralmente grande das vegetações na EI do lado direito. A ecocardiografia transesofágica, entretanto, é recomendada em todos os pacientes com suspeita de endocardite relacionada a dispositivos cardíacos, com ou sem hemoculturas positivas, independentemente dos resultados da ecocardiografia transtorácica, para avaliar a presença de infecção nos cabos e nas valvas cardíacas (I/C). A tomografia computadorizada é útil para identificar doenças pulmonares concomitantes, incluindo infartos e abscessos, embora estes sejam raros na EI do lado direito. A Tomografia por Emissão de Pósitrons com 18F-Fluorodesoxiglicose (FDG-PET) e a ecocardiografia intracardíaca têm sido empregados para avaliação da valva pulmonar, uma vez que mesmo a ecocardiografia transesofágica pode ter dificuldade na avaliação de vegetações nesta topografia.
A EI do lado direito geralmente apresenta um quadro clínico mais benigno do que a EI do lado esquerdo, podendo ser tratada com antibioticoterapia em cerca de 90% dos pacientes. As taxas de mortalidade em pacientes usuários de drogas injetáveis e EI de câmaras direitas são relativamente mais baixas, provavelmente devido à idade jovem desses pacientes, embora as taxas de recidiva sejam maiores neste perfil. Assim como os pacientes com EI de câmaras direitas relacionadas a dispositivos eletrônicos cardíacos implantáveis têm pior prognóstico, pacientes imunocomprometidos, especialmente afetados por infecções fúngicas, tem prognóstico muito ruim.
Os Staphylococcus aureus e cocos coagulase-negativos são responsáveis pela maioria dos casos de EI do lado direito, com S. aureus predominando em pacientes usuários de drogas injetáveis e cocos coagulase negativos em portadores de dispositivos implantados. As taxas de MRSA (Staphylococcus aureus resistente à meticilina) são crescentes e o agente Streptococcus spp. é incomum, podendo ser encontrado em diabéticos e alcoolistas. Pseudomonas aeruginosa e outros Gram-negativos raramente estão empregados, enquanto a Candida albicans aparece principalmente em pacientes imunocomprometidos, lhes conferindo pior prognóstico.
O tratamento com antibióticos empírico deve ser realizado com vancomicina devido risco de infecção por bactérias MRSA. Após isolamento do agente, a terapia deve ser ajustada e o tempo estimado padrão é de 4-6 semanas.
Em aproximadamente 10% dos casos de EI do lado direito será indicada a intervenção cirúrgica e deve-se dar preferência pelo reparo da valva tricúspide ao invés da substituição valvar (IIa/B) em vista de melhores resultados a curto e longo prazo, tanto em relação à recorrência de endocardite quanto à necessidade de nova cirurgia. Quando a extensão da destruição valvar impede o reparo e a substituição valvar é necessária, a preferência é por próteses biológicas devido aos riscos do uso de anticoagulação vitalícia em próteses mecânicas e do tromboembolismo no coração direito.
O tratamento cirúrgico deve ser considerado nos seguintes cenários nos casos de endocardite direita:
– Insuficiência cardíaca direita secundária a regurgitação tricúspide severa não responsiva a diuréticos (I/B)
– Vegetação persistente com insuficiência respiratória necessitando de suporte ventilatório após embolias pulmonares recorrentes (I/B)
– Vegetações persistentes na valva tricúspide >20 mm após episódios recorrentes de embolia pulmonar (I/C)
– Pacientes com envolvimento simultâneo de estruturas cardíacas esquerdas (I/C)
– Pacientes que estejam recebendo terapia antibiótica adequada e apresentem bacteremia persistente após pelo menos uma semana de antibioticoterapia adequada (IIa/C)
A remoção da carga séptica (debulking) de massas sépticas intra-auriculares direitas por aspiração em pacientes com alto risco cirúrgico tem sido discutida (IIb/C). Quando a EI de câmaras direitas está associada a dispositivos eletrônicos cardíacos implantáveis, a extração completa do dispositivo deve ser considerada mesmo sem envolvimento definitivo dos cabos, levando em conta o patógeno identificado e a necessidade de cirurgia valvar. (IIa). Quando indicado, a reimplantação definitiva deve ser realizada em um local distante do gerador anterior, o mais tardar possível, após a resolução dos sinais e sintomas de infecção, e com hemoculturas negativas por pelo menos 72 horas na ausência de vegetações, ou negativas por pelo menos 2 semanas se vegetações forem visualizadas(I/C).
Literatura sugerida: 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis
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A endocardite infecciosa de câmaras direitas e esquerdas são diferentes – você sabe diferenciar, diagnosticar e tratar?
Dr. Vitor Rosa explica o assunto no último episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.
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