Aula 7: quando indicar revascularização ou troca valvar concomitante
Dra Pâmela Cavalcante
Sabemos que os fatores de risco associados ao desenvolvimento de estenose aórtica também são comuns ao desenvolvimento de doença arterial coronária (DAC). A prevalência de DAC em pacientes portadores de estenose aórtica ultrapassa 50% em alguns registros. Na população idosa e de alto risco cirúrgico, esta proporção tende a ser ainda mais significativa. Na amostra de pacientes incluídas nos grandes estudos de TAVI, observamos uma elevada prevalência de DAC nos pacientes de maior risco para intervenção (PARTNER 1), reduzindo de 81 % para 15 % nos estudos com pacientes de baixo risco (PARTNER 3).
Quando consideramos a avaliação da presença de DAC e sua quantificação para indicação de abordagem concomitante, alguns aspectos devem ser ressaltados. De acordo com a diretriz brasileira, devemos investigar DAC em pacientes acima de 40 anos, com fatores de risco para aterosclerose, na presença de angina, disfunção ventricular esquerda ou para avaliação de etiologia de IM secundária. As estratégias de avaliação anatômicas, seja cinecoronarioangiografia ou angiotomografia de coronárias, são preferíveis às provas funcionais, como cintilografia de perfusão miocárdica. Isso porque a hipertrofia miocárdica secundária à estenose aórtica pode alterar a reserva de fluxo coronariano, levando a um padrão balanceado e dificultando a avaliação de lesões com repercussão hemodinâmica significativa. Para pacientes com elevada probabilidade pré-teste de DAC, a cinecoronariografia segue sendo o padrão ouro para o diagnóstico de DAC importante neste grupo. Já para aqueles com probabilidade pré-teste baixa ou intermediária, a realização de angiotomografia de coronárias é razoável, sobretudo na era transcateter, em que é possível realizar também o planejamento tomográfico pré-intervenção, incluindo avaliação de acessos vasculares para o procedimento. Em relação a avaliação funcional com FFR ou iFR para lesões moderadas a importantes, pacientes com estenose aórtica importante não foram incluídos nos estudos com FFR. Contudo, o iFR parece não ser influenciado pela presença de estenose aórtica, talvez por não haver necessidade de uso de vasodilatador.
De uma forma geral, a indicação de abordagem concomitante visa reduzir os riscos periprocedimentos e otimizar os resultados a longo prazo. Portanto, é razoável indicar revascularização pré-procedimento para pacientes com lesões importantes proximais ou de tronco de coronária esquerda, sobretudo em pacientes mais jovens, em que se espera uma maior expectativa de vida e com maior probabilidade de novas abordagens no futuro. Isto é particularmente importante, em pacientes com fatores de risco para oclusão coronária pós-TAVI, em que um novo acesso das coronárias pode ser bastante desafiador.
Contudo, existe uma grande controvérsia em relação ao impacto prognóstico da DAC nos pacientes com estenose aórtica importante submetidos à intervenção valvar percutânea. Não existem estudos randomizados até o momento e os principais estudos observacionais e meta-análises têm resultados conflitantes. Se por um lado, a presença de lesões proximais, DAC multiarterial e SYNTAX score elevado estão associados a um pior prognóstico, por outro lado, quando realizada a análise estatística ajustada para DAC, esta não revelou ter associação com aumento de mortalidade após procedimento.
No cenário da TAVI, a revascularização está indicada antes do procedimento quando:
- Pacientes que serão submetidos ao TAVI, com lesões obstrutivas importantes proximais ou de tronco de coronária esquerda (>70%), com ou sem angina, é recomendado realizar angioplastia antes da TAVI (Nível de indicação 2a), pelo risco de isquemia durante o pace rápido para liberação da prótese;
- Quando consideramos troca valvar e revascularização miocárdica cirúrgicas, o cenário é mais claro. Pelas diretrizes atuais, as recomendações consideram para tratamento concomitante, pacientes com lesões importantes > 70% ou lesão de tronco > 50%. Portanto, pacientes com DAC estável moderada, poderiam ser conduzidos clinicamente, enquanto aqueles com DAC importante, multiarterial ou complexa com SYNTAX score >33 ainda podem se beneficiar da abordagem cirúrgica simultânea.
Em relação a outra troca valvar concomitante ao tratamento da estenose aórtica importante, alguns aspectos devem ser considerados na avaliação da gravidade das lesões valvares, sobretudo nas insuficiências, que podem ser superestimadas em razão da sobrecarga pressórica gerada pela estenose aórtica importante. Nos casos em que a troca valvar aórtica cirúrgica está indicada, é recomendável intervir simultaneamente em pacientes portadores de insuficiência mitral primária importante. Já os pacientes com insuficiência mitral secundária importante, pode se considerar intervenção concomitante a depender da dilatação do anel e do remodelamento ventricular, desde que o risco cirúrgico seja aceitável. Em relação a tricúspide, a grande maioria dos casos são insuficiências secundárias e a indicação de intervenção deve ser individualizada para pacientes muito bem selecionados, como aqueles com dilatação importante do anel, devido a escassez de evidências que corroborem para intervenção concomitante neste grupo. Pacientes com IT moderada a importante, sintomáticos ou com complicadores devem ser considerados para abordagem também. Vale ressaltar ainda, que quando não são abordados conjuntamente, esses pacientes podem evoluir com insuficiências valvares isoladas, necessitando de novas intervenções futuras. Pacientes com indicação de intervenção por outra valvopatia, devem considerar abordagem concomitante de troca valvar aórtica, se estenose moderada, por oportunidade.
Na era transcateter, observamos que após a TAVI, as regurgitações mitrais e tricúspides tendem a involuir, já que a sobrecarga de pressão gerada pela estenose aórtica foi corrigida. Dessa forma, podemos ser mais permissivos na indicação de abordagem percutânea concomitante destas patologias.
Pelas diretrizes atuais, é recomendável considerar, após a TAVI, abordagem percutânea mitral (edge-to-edge) para pacientes que se mantém sintomáticos, em terapia clínica otimizada, com insuficiência mitral primária importante, anatomia favorável e risco cirúrgico proibitivo. Já para aqueles com insuficiência mitral secundária, podemos também considerar intervenção, a depender das características anatômicas e clínicas destes pacientes. Para aqueles que se mantêm sintomáticos, com tratamento medicamentoso otimizado, sem remodelamento ventricular significativo, a intervenção percutânea (edge-to-edge) pode ser considerada.
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Nessa nova aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, a Dra Pâmela Cavalcante explica quando indicar a revascularização ou a troca valvar concomitante, de acordo com a avaliação individual de cada paciente.
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