Betabloqueadores no pós IAM: O fim da abordagem “One-Size-Fits-All” no longo prazo Análise comparativa REDUCE-AMI vs. ABYSS trial

Dra. Luhanda Monti

 

Os recentes estudos REDUCE-AMI e ABYSS trial trouxeram à tona questões cruciais acerca do uso prolongado de beta-bloqueadores em pacientes pós-infarto agudo do miocárdio (IAM), já na fase crônica da doença, desafiando práticas estabelecidas e, ao mesmo tempo, reafirmando a complexidade doe tal decisão. 

Pontos de Convergência e Divergência:

    1. População de Estudo: A principal divergência entre os estudos reside na população alvo. O REDUCE-AMI focou em pacientes com fração de ejeção (FE) = ou > 50% preservada, ao passo que o ABYSS trial estudou aqueles com FE = ou > 40%,  levemente reduzida. Esta distinção é fundamental para interpretar os resultados aparentemente contraditórios.
    2. Desfechos: Ambos os estudos avaliaram desfechos cardiovasculares, mas com resultados distintos. O REDUCE-AMI não encontrou diferença significativa na mortalidade, enquanto o ABYSS trial identificou aumento nas taxas de internação por angina, insuficiência cardíaca e descontrole pressórico após a suspensão do beta-bloqueador.
    3. Tempo de Tratamento: O ABYSS trial avaliou especificamente a suspensão do beta-bloqueador após um ano do infarto, um ponto temporal importante. No REDUCE-AMI este ponto temporal não foi explicitamente abordado, mas de acordo com o desenho, os pacientes eram randomizados para receber ou não betabloqueador após a angiografia,  no cenário de IAM.
    4. Contexto Histórico:
      Grande parte dos estudos que sustentaram o benefício da manutenção dos betabloqueadores no longo prazo em pacientes pós-IAM, incluíram aqueles com infartos extensos, em sua maioria com disfunção ventricular.
      É crucial reconhecer que a prática de prescrever beta-bloqueadores universalmente para pacientes pós-IAM, precede a era da terapia de reperfusão precoce, seja com fibrinólise ou intervenção coronária percutânea (ICP), haja vista a revolução na história natural da doença que essas terapias trouxeram, melhorando sobremaneira o prognóstico dos pacientes. Além disso, não podemos deixar de citar os avanços medicamentosos, como o surgimento de novos agentes antitrombóticos, estatinas de alta potência e os antagonistas do sistema renina-angiotensina-aldosterona.

Essas observações levantam questões importantes:

  1. Evolução do Tratamento: Com o advento de terapias de reperfusão mais eficazes, o perfil do paciente pós-infarto mudou significativamente. Pacientes hoje muitas vezes apresentam menor dano miocárdico e melhor função ventricular em comparação com a era pré-reperfusão.
  2. Necessidade de Reavaliação: Estes estudos destacam a importância de reavaliar práticas estabelecidas à luz de avanços no tratamento do IAM. 

Interpretação e Implicações Clínicas:

  1. Individualização do Tratamento: Os resultados divergentes entre REDUCE-AMI e ABYSS trial sugerem que a abordagem “one-size-fits-all” não é a mais apropriada. A decisão de manter ou suspender beta-bloqueadores deve ser individualizada, considerando principalmente a FE do paciente.
  2. FE como Guia: Para pacientes com FE preservada, o REDUCE-AMI sugere que podemos considerar a descontinuação segura dos beta-bloqueadores ou mesmo nem introduzir em virgens de tratamento. No entanto, para aqueles com FE levemente reduzida, o ABYSS sugere benefícios na manutenção, haja vista o papel bem estabelecido naqueles com FE < 40%. 
  3. Monitoramento Contínuo: Independentemente da decisão inicial, é essencial um acompanhamento regular para reavaliar a necessidade de beta-bloqueadores, considerando mudanças na FE e outros fatores de risco.
  4. Consideração de Outros Benefícios: Mesmo em pacientes com FE  preservada, devemos considerar as outras indicações dos beta-bloqueadores, como no manejo de arritmias e seu papel como antianginoso de primeira linha.

Conclusão:

Os estudos REDUCE-AMI e ABYSS trial, representam um avanço significativo em nossa compreensão quanto ao uso dos beta-bloqueadores no pós-IAM e sua manutenção no longo prazo, em pacientes com doença coronária crônica. Eles nos lembram da importância de adaptar nossas práticas à medida que evoluem as terapias de fase aguda e crônica, bem como a nossa compreensão acerca da fisiopatologia coronária no longo prazo. 

Como cardiologistas, devemos abraçar esta nova era de tratamento personalizado. Isso implica em uma avaliação cuidadosa da função ventricular, consideração do tempo decorrido desde o IAM, bem como outras indicações para o uso da medicação, fazendo uma ponderação equilibrada dos riscos e benefícios de forma individualizada. Estes estudos abrem caminho para futuras pesquisas. Precisamos de mais dados sobre subgrupos específicos e os efeitos de longo prazo da descontinuação de beta-bloqueadores.

Referências: 

 

  1. Yndigegn T, Lindahl B, Mars K, Alfredsson J, Benatar J, Brandin L, Erlinge D, Hallen O, Held C, Hjalmarsson P, Johansson P, Karlström P, Kellerth T, Marandi T, Ravn-Fischer A, Sundström J, Östlund O, Hofmann R, Jernberg T; REDUCE-AMI Investigators. Beta-Blockers after Myocardial Infarction and Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med. 2024 Apr 18;390(15):1372-1381. doi: 10.1056/NEJMoa2401479. Epub 2024 Apr 7. 
  1. Referência: J. Silvain, G. Cayla, E. Ferrari, et al. Beta-Blocker Interruption or Continuation after Myocardial Infarction. This article was published on August 30, 2024. The New England Journal of Medicine. DOI: 10.1056/NEJMoa2404204

Diretriz da ESC 2024 para o manejo das síndromes coronárias crônicas: o que mudou?

Dra. Luhanda Monti

 

Diagnóstico

A abordagem inicial para investigação e tratamento de um paciente com dor torácica e suspeita de síndrome coronária crônica (SCC) ficou subdividida em 4 STEPS. O método empregado para determinar a probabilidade pré-teste de doença arterial coronária (DAC) aterosclerótica obstrutiva, usualmente feito pela classificação de Diamond forrester, sofreu modificações. A explicação foi de que a terapia médica contemporânea modificou a prevalência de DAC obstrutiva por idade, fazendo com que o antigo escore estivesse superestimando a probabilidade pré-teste de obstrução. O atual modelo utiliza além da idade, sexo e tipo de dor, um escore ponderado por fatores de risco, tornando o mesmo mais acurado.

O STEP 1 é uma abordagem clínica geral, visando diferenciar causas cardíacas vs. não cardíacas para dor torácica e descartar síndrome coronariana aguda (SCA). O STEP 2 é onde atua o especialista cardíaco, contempla avaliação de ecocardiograma transtorácico (EcoTT) de repouso e estimativa da probabilidade pré-teste de doença arterial coronária (DAC) obstrutiva epicárdica. Nesse momento, ainda orienta que o escore de cálcio coronário (IIa-B) ou o teste ergométrico (IIb-C)  podem ser utilizados para reclassificar pacientes de baixa probabilidade de DAC (>5-15%) para muito baixa ( <5%), categoria na qual os exames podem ser postergados.

O STEP 3 envolve a indicação de exames para diagnóstico e predição de risco para eventos futuros. Nesse cenário, a diretriz endossa que a angiografia por tomografia computadorizada (angioTC) coronária seja usada para diagnosticar DAC obstrutiva e estimar o risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (MACE) em indivíduos com suspeita de SCC e probabilidade pré-teste baixa ou moderada (>5%–50%) de DAC obstrutiva. Ao passo que naqueles com probabilidade pré-teste moderada ou alta (>15%–85%), há novas recomendações, Classe I sobre o uso de testes funcionais não invasivos, de acordo com a disponibilidade. Dessa forma, temos que, resumidamente de acordo com cada estrato de probabilidade pré-teste de DAC obstrutiva, temos: Na baixa probabilidade há forte recomendação de angioTC de coronárias (I-A)  na moderada probabilidade, pode-se escolher entre um método funcional ou anatômico não invasivo (classe I para os dois), muito embora a diretriz afirme que frequentemente, haverá necessidade de realizar exames funcionais e anatômicos de forma sequencial nessa categoria. Já na alta probabilidade, preferência foi para os testes funcionais (classe I) dado o seu maior valor preditivo positivo, além do objetivo em avaliar o impacto funcional da DAC, quando se trata de alta probabilidade, o que muito se pauta no conceito de “ischemia drive” que os europeus vem trazendo desde a diretriz passada. A cinecoronariografia invasiva (CINE) possui recomendação classe I para indivíduos com alta probabilidade pré (> 85%) ou pós-teste de DAC obstrutiva, sintomas limitantes ou refratários à terapia médica otimizada (TMO), angina em baixo nível de exercício e/ou alto risco de evento. É recomendado que estenoses ‘intermediárias’ tenham sua gravidade funcional avaliada por testes funcionais invasivos, como a reserva de fluxo fracionada (FFR) e razão livre de onda instantânea (iFR) ou quantitative low ratio (QFR) antes de uma possível revascularização.

A diretriz dedicou uma sessão especial à SCC não obstrutiva, Angina na ausência de DAC obstrutiva (ANOCA) e Isquemia na ausência de DAC obstrutiva (INOCA) e, incluiu a INOCA dentro do espectro da ANOCA pois cerca de 75% dos pacientes com ANOCA não terão isquemia documentada e, consequentemente, serão subdiagnosticados e subtratados. Nesses pacientes a diretriz traz opções de exames não invasivos, mas endossa e realização de teste funcional invasivos (I-B) para o seu diagnóstico, na ausência de DAC obstrutiva.

Tratamento da SCC obstrutiva

 O STEP 4 é marcado pela instituição do tratamento propriamente dito, e inclui modificação do estilo de vida e dos fatores de risco, juntamente com medicações modificadores da doença, bem como a indicação de revascularização do miocárdio na vigência de DAC de alto risco ou sintomas forem refratários ao TMO.

Na seara dos medicamentos, tivemos um upgrade para o uso de clopidogrel (I-A) como opção ao AAS. O uso da colchicina foi recomendado para melhora de prognóstico (IIa). O ácido bempedóico em pacientes intolerantes à estatina e que não atingem meta de LDL-c (55mg/dl) com ezetimibe recebe recomendação I-B e II-A para aqueles que não atingem meta de LDL-c com dose máxima tolerada de estatina +ezetimibe. Os agonistas de GLP-1 entraram com recomendação I-A em pacientes com DAC e diabetes e II-A se DAC com sobrepeso ou obesidade e sem diabetes.  Medicações anti-anginosas devem ser utilizadas de acordo com o perfil de cada paciente, priorizando betabloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio.

Revascularização do Miocárdio

Na contramão da diretriz americana de revascularização do miocárdio e surpreendendo muitos cardiologistas, a ESC 2024 mostrou que o ISCHEMIA não veio para manter os pacientes com DAC crônica em tratamento clínico.

Dessa forma, os europeus deram um upgrade nas recomendações por prognóstico  com base numa série de evidências científicas contemporâneas. Começou comentando sobre a subanálise do ISCHEMIA que já mostrava redução significante de IAM espontâneo no grupo intervenção, cujo resultado foi corroborado por meta-análises consistentes. Na sequência, enfatizou os resultados do ISCHEMIA-EXTEND, considerando a redução de morte cardiovascular no grupo intervenção, mesmo com o aumento de morte não cardíaca e cita a melhora. Por fim, considerou uma meta-análise mais recente de RCTs que incluiu o maior acompanhamento disponível, demonstrando que a revascularização adicionada à TMO reduziu a morte cardíaca em comparação com TMO isoladamente, o que foi linearmente relacionado a uma menor taxa de IAM espontâneo.

Dessa forma, as indicações prognósticas para revascularização em pacientes com FE> 35%:

-Lesão funcionalmente significante em tronco de coronária esquerda (TCE), para aumento de sobrevida global, redução de morte CV e IAM espontâneo

– Lesão funcionalmente significante triarterial, para reduzir morte CV e IAM espontâneo

– Lesão funcionalmente significante uni ou biarterial com acometimento da artéria descendente anterior proximal, para reduzir morte CV e IAM espontâneo

Mediante a FE ≤ 35%

A escolha entre revascularizar vs. TMO isolado, deve ser feita de acordo com o Heart Team de forma individualizada (I-C). 

Quanto a modalidade de revascularização mais apropriada: intervenção coronária percutânea vs. Cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM), deve ser selecionada com base no perfil do paciente, anatomia coronária, fatores do procedimento, risco cirúrgico, preferência do paciente, expectativas de resultados e de acordo com o Heart Team em casos complexos.

A diretriz foi categórica em recomendar avaliação funcional FFR, iFR ou QFR, para guiar a revascularização de lesões intermediárias em multiarteriais (I-A) e o uso de imagem intravascular como IVUS ou OCT para guiar ICP complexas, com destaque a lesão em TCE (I-A).  Reconhece a superioridade da CRM em determinados subgrupos, tais como na lesão grave de TCE ou triarteriais com elevado SYNTAX principalmente na vigência de diabetes e/ou disfunção ventricular. Não obstante, ressalta os avanços da cardiologia intervencionista e sua aplicabilidade também em casos de maior complexidade, sobretudo na vigência de risco cirúrgico elevado. Dessa forma os europeus deram um upgrade com relação a diretriz passada para ICP, quando comparada à CRM, na lesão de TCE com SYNTAX > 33 (IIb) e na DAC multiarterial com diabetes e SYNTAX > 22 para IIa. Já quando a FE é ≤ 35% a ICP fica como II-B, muito pautado nos resultados do REVIVED-PCI.  

A esse respeito, a diretriz enfatiza a tomada de decisão compartilhada e centrada no paciente. Endossa com upgrade de recomendação (I-C), a tomada de decisão em Heart Team para indicação e escolha da modalidade de revascularização, em casos clinicamente ou anatomicamente complexos, principalmente quando a FE for ≤ 35%.

Referências:

  1. Vrints C, et al. 2024 ESC Guidelines on the management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2024. doi:10.1093/eurheartj/ehae177. 
  1. Navarese EP, Lansky AJ, Kereiakes DJ, Kubica J, Gurbel PA, GorogDA, et al.   Cardiac mortality in patients randomised to elective coronary revascularisation plus medical therapy or medical therapy alone: a systematic review and meta-analysis. Eur Heart J 2021;42:463–51.

 

Devemos utilizar betabloqueadores nos pacientes com infarto agudo do miocárdio e com fração de ejeção normal?

Drs. Luciano Moreira Baracioli e Wendelly Beserra Silva

Benefícios dos betabloqueadores no tratamento do infarto agudo do miocárdio. Conheça os estudos e o uso racional do metoprolol.

 

O uso de betabloqueador (BB) vem desde o início da década 70, quando da publicação do professor Eugene Braunwald et al, que demonstraram o racional fisiopatológico do uso dos BB nos pacientes acometidos por infarto agudo do miocárdio (IAM), com a notória redução da área de necrose e diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio, ainda na era pré-reperfusão1.

Posteriormente, novos estudos se fizeram necessários para avaliar o papel dos BB frente à terapia de reperfusão; sendo o estudo COMMIT um dos principais. Neste estudo foram avaliados cerca de 45.000 pacientes com IAM com até 24 horas de evolução (maioria submetida à terapia fibrinolítica) e randomizados para uso de metoprolol IV seguido de VO “versus” placebo. Nenhum dos dois desfechos primários apresentou diferença significativa até a alta hospitalar ou até 4 semanas: 1- morte, reinfarto ou para cardiorrespiratória (9,4% no grupo metoprolol versus 9,9% no placebo, p=0,1); 2- mortalidade por qualquer causa (7,7% versus 7,8%, p=0,69)2

No contexto dos pacientes pós-IAM com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida é bem sabido a importância do uso dos BB na redução de “desfechos duros”, incluindo mortalidade; e as diretrizes (nacional e internacionais) recomendam o seu uso como classe I e nível de recomendação A. 

Contudo, e nos pacientes infartados com FEVE normal? Como seguem essas evidências?

Estudo nacional publicado em 2018 analisou a mortalidade a curto e longo prazos (até 17 anos) em 2921 pacientes com síndrome coronária aguda sem elevação do segmento ST quanto ao uso ou não de BB nas primeiras 24 horas e na alta hospitalar. E o uso de BB na alta foi significativamente eficaz somente para os pacientes com FEVE < 55%, não havendo diferença de mortalidade no longo prazo naqueles pacientes com FEVE > 55%3.  

Mais recentemente, tivemos a publicação do estudo REDUCE-AMI, realizado na Nova Zelândia, Estônia e majoritariamente na Suécia (95% da amostra). Estudo prospectivo, aberto e que randomizou, entre 2017 e 2023, um total de 5020 pacientes com IAM, que foram submetidos à cineangiocoronariografia e apresentavam FEVE >50%, para uso a longo prazo de Metoprolol (ao menos 100 mg 1 vez ao dia) ou Bisoprolol (ao menos 5mg 1 vez ao dia) versus “não BB” (distribuição 1:1). A mediana da idade foi de 65 anos, 22,5% do sexo feminino, 35% tiveram IAM com elevação do segmento ST e intervenção coronária percutânea foi realizado em 95,5% dos pacientes. A mediana de seguimento foi de 3,5 anos e o desfecho primário (composto de morte por todas as causas e reinfarto) não apresentou diferença estatística (7,9% no grupo BB e 8,3% no grupo “não BB”, HR=0,96; IC 95%=0,79-1,16; P=0,64). Também não houve diferença entre os grupos em relação aos desfechos secundários (morte de qualquer causa ou cardiovascular, infarto do miocárdio, hospitalização por fibrilação atrial ou por insuficiência cardíaca) e desfechos de segurança (hospitalização por bradicardia, bloqueio AV de segundo ou terceiro grau, hipotensão, síncope ou asma).

Benefícios dos betabloqueadores no tratamento do infarto agudo do miocárdio. Conheça os estudos e o uso racional do metoprolol.

Portanto, evidências importantes vêm surgindo para o não uso rotineiro de BB a longo prazo (ou mesmo após alta hospitalar) no pacientes pós-IAM e com FEVE preservada. 

Referências: 

  1. Maroko PR, Kjekshus JK, Sobel BE, et al. Factors influencing infarct size following experimental coronary artery occlusions. Circulation. 1971 Jan;43(1):67-82. 
  2. Chen ZM, Pan HC, Chen YP, et al; COMMIT (ClOpidogrel and Metoprolol in Myocardial Infarction Trial) collaborative group. Early intravenous then oral metoprolol in 45,852 patients with acute myocardial infarction: randomised placebo-controlled trial. Lancet. 2005 Nov 5;366(9497):1622-32.
  3. Nicolau, J.C., Furtado, R.H.M., Baracioli, L.M. et al. The Use of Oral Beta-Blockers and Clinical Outcomes in Patients with Non-ST-Segment Elevation Acute Coronary Syndromes: a Long-Term Follow-Up Study. Cardiovasc Drugs Ther 201;32:435–442.
  4. Yndigegn T, Lindahl B, Mars K, et al. Beta-Blockers after Myocardial Infarction and Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med 2024 Apr 7;390. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38587241/

Lesão de Tronco de coronária esquerda: ICP vs. CRM Análise crítica dos principais estudos

Dra. Luhanda Leonora Cardoso Monti Sousa

Mantenha seu coração forte e saudável com a revascularização. Descubra como esse procedimento pode melhorar a circulação e prevenir complicações.

 

A presença de lesão em TCE ≥ 50% desprotegido, constitui uma das principais indicações prognósticas de revascularização do miocárdio, dada extensa área de miocárdio em risco e alto risco de morte súbita. Portanto, recebe recomendação classe 1 pelas principais diretrizes mundiais. 

Por muito tempo, a cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM), era o único método de revascularização possível. No entanto, com o avanço das novas plataformas de stents e o uso de imagem intravascular, como o ultrassom intravascular (IVUS), a intervenção coronária percutânea (ICP) contemporânea passou a fazer parte do arsenal terapêutico da lesão de TCE. 

A primeira evidência de que a revascularização poderia aumentar a sobrevida desses pacientes veio de uma sub análise dos 91 pacientes (dos 686 total do estudo), do ECR The Veterans Administration Coronary Artery Bypass Surgery Cooperative, na década de 1970, a qual evidenciou maior sobrevida nos pacientes submetidos à CRM vs. tratamento clínico (TC) da época.  A análise do registro CASS clínico (dos pacientes que não entraram no estudo randomizado) mostrou que a presença de estenose ≥ 50% em TCE (excluíram TCE ≥ 70%) é um forte preditor de mortalidade em pacientes que ficam em TC exclusivo. Posteriormente, uma metanálise de subestudos nessa população, corroborou o benefício da CRM. Desde então, nunca mais ninguém se atreveu a randomizar esses pacientes para TC, muito embora, nessa época, a CRM ainda se valesse de enxertos venosos e o TC de betabloqueador e nitrato, estando ambos aquém do ideal. Dessa forma, com o advento dos enxertos arteriais e stents farmacológicos de última geração, a comparação entre intervenção coronária percutânea (ICP) e CRM se fez necessária. 

Nos anos 2000, a análise dos  705 pacientes com lesão de TCE do estudo SYNTAX, um ECR de não inferioridade, que randomizou pacientes com DAC triarterial ou lesão de TCE ≥ 50% para ICP vs. CRM, mostrou que na avaliação pro tercis de Syntax dos pacientes com lesão de TCE, quando o Syntax Score foi baixo (0-22) ou intermediário (23-32), a ICP foi não inferior à CRM aos 5 anos de seguimento para o desfecho composto de (morte por todas as causas, infarto, acidente vascular encefálico (AVE) ou revascularização adicional (MACCE). Contudo, no tercil de maior complexidade anatômica (Syntax Score >32), a ICP cursou com maiores taxas de MACCE, porém sem diferença em mortalidade. A justificativa se insere no fato de que o TCE grave com Syntax Score > 32 denota acometimento multiarterial concomitante, condição na qual a CRM já se mostrou soberana. Outrossim, a natureza das duas intervenções é distinta, a CRM possui maior capacidade em alcançar a revascularização completa por “by passar” todo o território pós estenose, protegendo o indivíduo de eventos isquêmicos futuros causados por lesões que venham a se desenvolver e instabilizar, ao passo que a ICP trata apenas lesões focais. De fato, o estudo mostrou maiores taxas de revascularização completa (63,2 %) com a CRM, do que com a ICP (56,7%) p=0,005. O estudo de sobrevida de 10 anos não mostrou diferença em mortalidade. Em 2011, o estudo PRECOMBAT (Premier of Randomized Comparison of Bypass Surgery versus Angioplasty Using Sirolimus-Eluting Stent in Patients with Left Main Coronary Disease), mostrou que a ICP com sirolimus foi não inferior à CRM em termos de MACCE.

Já na seara dos estudos contemporâneos designados à comparar ICP vs. CRM na lesão grave em TCE, foram desenhados o NOBLE (Nordic-Baltic-British Left Main Revascularization) e o EXCEL (The randomized clinical trials of left main coronary artery revascularization). 

O estudo NOBLE foi um ECR que avaliou a não inferioridade da ICP com SF revestido por biolimus com polímero biodegradável vs. CRM, apenas em pacientes com acometimento de TCE≥ 50% ou com FFR <0,8 e no máximo 3 lesões adicionais não complexas, cuja mediana do Syntax Score foi de 22,5. No primeiro ano de seguimento as taxas de MACCE foram semelhantes entre os grupos, ao passo que no seguimento de 5 anos, a ICP cursou com maiores taxas de MACCE, sendo esta diferença impulsionada por IAM espontâneo e revascularização adicional, sem haver, no entanto, diferenças significativas em mortalidade geral e cardiovascular ou AVC.

O polêmico estudo EXCEL, também de não-inferioridade, se propôs a avaliar pacientes com lesão de TCE de baixa ou moderada complexidade (Syntax Score < 33) para ICP com SF revestido de everolimus com polímero durável Xience vs. CRM. Diferentemente do NOBLE, o EXCEL conseguiu demonstrar a não inferioridade da ICP frente à CRM para o desfecho primário composto de morte por todas as causas, IAM (embora tenha incluído IAM peri-procedimento e espontâneo) ou AVC (ICP 22% vs. CRM 19%). Os autores concluíram que as duas intervenções são equivalentes. No entanto, algumas observações foram feitas por parte da comunidade médica na época da publicação, e que de fato devem ser levadas em consideração na tomada de decisão.  A primeira foi o aumento significativo de morte geral do desfecho secundário (com todas as considerações de ser desfecho secundário) justificada pelos autores como sendo ao acaso e sem diferença para morte de causa cardíaca. A inclusão de AVE nos desfechos, claramente desfavorece a CRM, e, de fato, houve mais AVE  0-30 dias, embora a maioria fosse acidente vascular transitório (AIT) e sem diferença no longo prazo. A inclusão de IAM peri-procedimento foi inadequada, primeiro porque não tem o mesmo impacto que IAM espontâneo, depois que a definição de IAM, nesse estudo, não seguiu a classificação universal, considerando apenas o valor enzimático como critério. Além disso, foi utilizado o mesmo ponto de corte de CKMB para IAM peri-procedimento entre ICP e CRM, o que claramente desfavorece a CRM, na qual a injúria é sabidamente maior. Outro ponto é que, em estudos de não inferioridade, admite-se uma margem na qual o procedimento pode ser inferior ao padrão e mesmo assim é considerado não inferior, o que não é o mesmo que equivalentes. Além disso, a análise intention-to-treat em estudos de não-inferioridade pode favorecer a hipótese do autor, funcionado como viés. 

Apesar dessas observações, o EXCEL foi um estudo bem desenhado e que, juntamente com o NOBLE, fomentou evidências robustas acerca da ICP vs. CRM em pacientes com lesão grave em TCE. 

Mas como fica na prática: ICP vs. CRM? 

A última diretriz de revascularização do miocárdio da AHA/ACC 2021 mantém a CRM como tratamento padrão na lesão grave em TCE, com recomendação classe 1 NE. A ICP ficou como opção com classe 2a, independente do valor do Syntax, o que configurou um upgrade quando comparado a diretriz europeia, na qual a ICP com syntax ≥ 33 era classe III, pois ainda não tínhamos os resultados do EXCEL e NOBLE.    

De fato, a recomendação 2a quando baixa ou intermediária complexidade anatômica parece bem apropriada, principalmente em pacientes cujo risco cirúrgico é alto ou quando há fragilidade. Contudo, a grande questão recai no  gerenciamento dos pacientes com lesão de TCE≥ 50% multiarteriais e Syntax Score > 33, já que esse foi o subgrupo que pior se saiu com a ICP do estudo SYNTAX, e, a esse respeito, nem o EXCEL e nem o NOBLE, possuem robustez suficiente, visto que nos dois estudos o Syntax score era < 33. Diferenciar lesão de TCE isolada de TCE + 2 ou 3 vasos é de suma importância para uma decisão assertiva, que deve ser individualizada e considerar outras características para a tomada de decisão, como fragilidade, factibilidade técnica e risco cirúrgico.

Considerando o EXCEL e o NOBLE, as taxas de eventos foram extremamente baixas quando comparadas aos mais antigos, provavelmente devido à utilização de novas tecnologias, como IVUS e stents de última geração. Deve-se considerar que esta não é a realidade da maioria dos centros brasileiros, logo ao pensar em indicar ICP na lesão de TCE, certifique se o hospital possui o arsenal tecnológico utilizado por esses estudos, bem como hemodinamicistas experientes. Nesse cenário, a tomada de decisão em conjunto com um Heart Team, torna-se de suma importância.

Referências: 

  1. Veterans Administration Coronary Artery Bypass Surgery Cooperative Study Group. Eleven-year survival in the Veterans Administration randomized trial of coronary bypass surgery for stable angina. N Engl J Med. 1984 Nov 22;311(21):1333-9.

 

  1. Myers WO, Davis K, Foster ED, Maynard C, Kaiser GC. Surgical survival in the Coronary Artery Surgery Study (CASS) registry. Ann Thorac Surg. 1985 Sep;40(3):245-60. 
  2. Neumann FJ, Sousa-Uva M, Ahlsson A, et al.; ESC Scientific Document Group. 2018 ESC/EACTS Guidelines on myocardial revascularization. Eur Heart J. 2019 Jan 7;40(2):87-165. 
  3. Lawton JS, Tamis-Holland JE, Bangalore S et al.; 2021 ACC/AHA/SCAI Guideline for Coronary Artery Revascularization: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2022 Jan 18;145(3): e18-e114. 
  4. Mohr FW, Morice MC, Kappetein AP et al.; Coronary artery bypass graft surgery versus percutaneous coronary intervention in patients with three-vessel disease and left main coronary disease: 5-year follow-up of the randomised, clinical SYNTAX trial. Lancet. 2013 Feb 23;381(9867):629-38. 
  5. Park DW, Ahn JM, Park H etal.; Ten-Year Outcomes After Drug-Eluting Stents Versus Coronary Artery Bypass Grafting for Left Main Coronary Disease: Extended Follow-Up of the PRECOMBAT Trial. Circulation. 2020 May 5;141(18):1437-1446. 
  6. Holm NR, Mäkikallio T, Lindsay MM et al.; Percutaneous coronary angioplasty versus coronary artery bypass grafting in the treatment of unprotected left main stenosis: updated 5-year outcomes from the randomised, non-inferiority NOBLE trial. Lancet. 2020 Jan 18;395(10219):191-199. 
  7. Azzalini L, Stone GW. Percutaneous Coronary Intervention or Surgery for Unprotected Left Main Disease: EXCEL Trial at 5 Years. Interv Cardiol Clin. 2020 Oct;9(4):419-432.

 

Estetoscópio digital + Inteligência artificial = maior detecção de sopros?

Dr. Renato Nemoto

Com o desenvolvimento da tecnologia no campo da medicina, diariamente surgem equipamentos que possibilitam maior acurácia no diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares.

Com o desenvolvimento da tecnologia no campo da medicina, diariamente surgem equipamentos que possibilitam maior acurácia no diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares. O mais “básico” instrumento de trabalho do cardiologista, o estetoscópio, também recebeu inovações.

Os estetoscópios digitais, que possibilitam aumento de volume, gravação de sons, transmissão em tempo real, estão cada vez mais difundidos entre estudantes, residentes e cardiologistas. Contudo, é possível dizer que eles detectam mais sopros em relação aos estetoscópios tradicionais?

Em novembro de 2023, foi apresentada na AHA Scientific Sessions a prévia de um estudo que avaliou a capacidade de profissionais de saúde detectarem alterações valvares por meio da ausculta com um estetoscópio tradicional e um digital com a capacidade de gerar um fonograma analisado por meio de inteligência artificial. 369 pacientes acima de 50 anos sem diagnóstico prévio de valvopatia foram avaliados. 

Após a ausculta, um ecocardiograma foi realizado para avaliar e quantificar possíveis valvopatias. A inteligência artificial mostrou uma maior sensibilidade, detectando 94% das valvopatias, enquanto a avaliação por meio de estetoscópio tradicional detectou 41%. Contudo, foi menos específica (84% vs 95% da avaliação tradicional). O estudo completo ainda será publicado com as demais informações.

O que outros estudos mostram?

Silverman e Balk em 2018 publicaram um estudo com a impressão subjetiva, por um profissional da saúde, da comparação da qualidade de som (volume, nitidez, tonalidade) de um estetoscópio digital comparado com estetoscópio tradicional. Dos 952 exames realizados, a impressão de superioridade do equipamento digital ocorreu em 95% dos casos. 

Outro estudo de 2018 avaliou esse cenário no ensino da semiologia. Oito estudantes de medicina foram avaliados em relação à sua capacidade de detecção de alterações de sons cardíacos e pulmonares utilizando os dois tipos de estetoscópio. Como resultado, houve um aumento na correta detecção de sopros de 10% em favor dos estetoscópios digitais.

É um tema polêmico, difícil de ser estudado, uma vez que diversas variáveis estão envolvidas, não só em relação às variações de qualidade dentre os diversos estetoscópios digitais e tradicionais, mas também devido às próprias diferenças naturais na qualificação da ausculta cardíaca entre os profissionais de saúde. 

Como visto, esse tema ainda não possui uma conclusão e será cada vez mais explorado. A tendência é de que a tecnologia possa potencializar tanto a prática diária quanto o ensino médico. 

Uma atenção necessária para além da capacidade de detecção de valvopatias vai para a correta graduação da gravidade da doença. A potencial maior detecção de sopros deve vir acompanhada da correta correlação com sua importância anatômica, para dessa forma evitar exames e procedimentos desnecessários.

 

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