Betabloqueadores no pós IAM: O fim da abordagem “One-Size-Fits-All” no longo prazo Análise comparativa REDUCE-AMI vs. ABYSS trial
Dra. Luhanda Monti
Os recentes estudos REDUCE-AMI e ABYSS trial trouxeram à tona questões cruciais acerca do uso prolongado de beta-bloqueadores em pacientes pós-infarto agudo do miocárdio (IAM), já na fase crônica da doença, desafiando práticas estabelecidas e, ao mesmo tempo, reafirmando a complexidade doe tal decisão.
Pontos de Convergência e Divergência:
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- População de Estudo: A principal divergência entre os estudos reside na população alvo. O REDUCE-AMI focou em pacientes com fração de ejeção (FE) = ou > 50% preservada, ao passo que o ABYSS trial estudou aqueles com FE = ou > 40%, levemente reduzida. Esta distinção é fundamental para interpretar os resultados aparentemente contraditórios.
- Desfechos: Ambos os estudos avaliaram desfechos cardiovasculares, mas com resultados distintos. O REDUCE-AMI não encontrou diferença significativa na mortalidade, enquanto o ABYSS trial identificou aumento nas taxas de internação por angina, insuficiência cardíaca e descontrole pressórico após a suspensão do beta-bloqueador.
- Tempo de Tratamento: O ABYSS trial avaliou especificamente a suspensão do beta-bloqueador após um ano do infarto, um ponto temporal importante. No REDUCE-AMI este ponto temporal não foi explicitamente abordado, mas de acordo com o desenho, os pacientes eram randomizados para receber ou não betabloqueador após a angiografia, no cenário de IAM.
- Contexto Histórico:
Grande parte dos estudos que sustentaram o benefício da manutenção dos betabloqueadores no longo prazo em pacientes pós-IAM, incluíram aqueles com infartos extensos, em sua maioria com disfunção ventricular.
É crucial reconhecer que a prática de prescrever beta-bloqueadores universalmente para pacientes pós-IAM, precede a era da terapia de reperfusão precoce, seja com fibrinólise ou intervenção coronária percutânea (ICP), haja vista a revolução na história natural da doença que essas terapias trouxeram, melhorando sobremaneira o prognóstico dos pacientes. Além disso, não podemos deixar de citar os avanços medicamentosos, como o surgimento de novos agentes antitrombóticos, estatinas de alta potência e os antagonistas do sistema renina-angiotensina-aldosterona.
Essas observações levantam questões importantes:
- Evolução do Tratamento: Com o advento de terapias de reperfusão mais eficazes, o perfil do paciente pós-infarto mudou significativamente. Pacientes hoje muitas vezes apresentam menor dano miocárdico e melhor função ventricular em comparação com a era pré-reperfusão.
- Necessidade de Reavaliação: Estes estudos destacam a importância de reavaliar práticas estabelecidas à luz de avanços no tratamento do IAM.
Interpretação e Implicações Clínicas:
- Individualização do Tratamento: Os resultados divergentes entre REDUCE-AMI e ABYSS trial sugerem que a abordagem “one-size-fits-all” não é a mais apropriada. A decisão de manter ou suspender beta-bloqueadores deve ser individualizada, considerando principalmente a FE do paciente.
- FE como Guia: Para pacientes com FE preservada, o REDUCE-AMI sugere que podemos considerar a descontinuação segura dos beta-bloqueadores ou mesmo nem introduzir em virgens de tratamento. No entanto, para aqueles com FE levemente reduzida, o ABYSS sugere benefícios na manutenção, haja vista o papel bem estabelecido naqueles com FE < 40%.
- Monitoramento Contínuo: Independentemente da decisão inicial, é essencial um acompanhamento regular para reavaliar a necessidade de beta-bloqueadores, considerando mudanças na FE e outros fatores de risco.
- Consideração de Outros Benefícios: Mesmo em pacientes com FE preservada, devemos considerar as outras indicações dos beta-bloqueadores, como no manejo de arritmias e seu papel como antianginoso de primeira linha.
Conclusão:
Os estudos REDUCE-AMI e ABYSS trial, representam um avanço significativo em nossa compreensão quanto ao uso dos beta-bloqueadores no pós-IAM e sua manutenção no longo prazo, em pacientes com doença coronária crônica. Eles nos lembram da importância de adaptar nossas práticas à medida que evoluem as terapias de fase aguda e crônica, bem como a nossa compreensão acerca da fisiopatologia coronária no longo prazo.
Como cardiologistas, devemos abraçar esta nova era de tratamento personalizado. Isso implica em uma avaliação cuidadosa da função ventricular, consideração do tempo decorrido desde o IAM, bem como outras indicações para o uso da medicação, fazendo uma ponderação equilibrada dos riscos e benefícios de forma individualizada. Estes estudos abrem caminho para futuras pesquisas. Precisamos de mais dados sobre subgrupos específicos e os efeitos de longo prazo da descontinuação de beta-bloqueadores.
Referências:
- Yndigegn T, Lindahl B, Mars K, Alfredsson J, Benatar J, Brandin L, Erlinge D, Hallen O, Held C, Hjalmarsson P, Johansson P, Karlström P, Kellerth T, Marandi T, Ravn-Fischer A, Sundström J, Östlund O, Hofmann R, Jernberg T; REDUCE-AMI Investigators. Beta-Blockers after Myocardial Infarction and Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med. 2024 Apr 18;390(15):1372-1381. doi: 10.1056/NEJMoa2401479. Epub 2024 Apr 7.
- Referência: J. Silvain, G. Cayla, E. Ferrari, et al. Beta-Blocker Interruption or Continuation after Myocardial Infarction. This article was published on August 30, 2024. The New England Journal of Medicine. DOI: 10.1056/NEJMoa2404204