Fundamentos em Doenças Valvares – Tomografia computadorizada

Dr. Bruno Maeda Fuzissima

Tudo o que você precisa saber sobre Valvopatia Mitral

Tomografia Computadorizada Cardíaca

A Tomografia Computadorizada Cardíaca é um método diagnóstico não invasivo, baseado em Raio X e acoplado ao ciclo cardíaco pelo eletrocardiograma. Permite a avaliação das estruturas cardíacas em fases de aquisição sem e/ou com contraste, em sístole e/ou diástole, dependendo da indicação clínica do exame. Tem como limitações a necessidade de tomógrafo com pelo menos 64 canais de detectores, uso de contraste iodado, radiação ionizante, necessidade de decúbito e manutenção de apneia (10-15s), além da necessidade de tolerância ao ambiente parcialmente fechado da tomografia.

Pela complexidade anatômica da valva mitral, a tomografia cardíaca, por sua alta resolução espacial, é voltada predominantemente para o planejamento do implante de próteses e/ou reparo valvar via transcateter, avaliando medidas que auxiliam no entendimento da viabilidade anatômica do procedimento, na escolha da endoprótese e na avaliação do risco de complicações perioperatórias. Por outro lado, a ressonância magnética cardíaca, devido à sua menor resolução espacial, ainda tem aplicação limitada na avaliação do aparato valvar mitral.

Resumidamente, destacam-se as indicações da tomografia cardíaca na valvopatia mitral em:

  • Avaliação pré-procedimento transcateter de valva nativa

○ Estenose mitral calcífica (Valve in MAC)

○ Insuficiência mitral (MitraClip e TMVR)

  • Disfunção de prótese valvar mitral

○ Valve in Valve Mitral

○ Valve in Ring

  • Avaliação de complicações valvares

○ Trombo, Pannus, endocardite infecciosa, embolização de prótese, entre outros.

Valve in Valve Mitral

A tomografia computadorizada auxilia na avaliação da viabilidade do procedimento ao analisar marcadores de risco para complicações, sendo as mais temidas a embolização de prótese, a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e a compressão do seio venoso e da artéria circunflexa. Realiza-se um protocolo de aquisição do campo cardíaco, com cortes finos, envolvendo todo o ciclo cardíaco e posteriores reconstruções de 10 em 10%, afim de encontrar a fase sistólica e diastólica com o menor número possível de artefatos. Exige o uso de contraste iodado puro e diluído (~100-150 mL, 350 mg/mL), e não é mandatório o controle da frequência cardíaca. No entanto, para melhor qualidade de imagem, é interessante uma frequência cardíaca inferior a 70 bpm e, se possível, o uso de vasodilatação oral para avaliação da artéria circunflexa. O protocolo inicialmente analisa a morfologia da prótese mitral previamente implantada, avaliando espessamentos, calcificações, trombos e folhetos. São feitas medidas para a escolha da endoprótese, incluindo diâmetros, área e perímetro. Tais medidas podem ser menores que os dados de fábrica em casos de degeneração interna do anel por pannus, trombo ou em modelos com folhetos com sutura interna. 

Em seguida, projeta-se uma prótese virtual na posição mitral, durante a fase sistólica, com uma relação de 20% do seu comprimento em posição atrial e 80% ventricular. São extraídas medidas da relação da prótese virtual com as estruturas adjacentes e medidas da morfologia da VSVE prevista. Alguns preditores de obstrução da VSVE são a área da neo VSVE inferior a 170-200 mm² e a distância do ânulo mitral ao septo basal inferior a 17,8 mm.

Depois, são realizadas medidas da VSVE durante a diástole ventricular. Marcadores complementares de risco de obstrução incluem um ângulo paralelo aos planos da valva mitral e aórtica inferior a 115°, espessura do septo basal acima de 14 mm, diâmetro diastólico final do VE inferior a 48 mm e comprimento do folheto anterior da valva mitral, que será rebatido para a via de saída do ventrículo esquerdo, maior que 30 mm. Quando presentes, esses marcadores não contraindicam o procedimento, mas podem sugerir a necessidade de procedimentos adicionais, como a realização de alcoolização septal para redução septal ou o uso de técnicas para lacerar o folheto anterior que seria rebatido para a neo VSVE.

Por fim, avalia-se também o septo interatrial, tendo em vista que frequentemente a via de acesso para o procedimento é transeptal. Descrevem-se, quando presentes, fatores associados a maior dificuldade técnica, como espessamento, calcificação, infiltração lipomatosa, patches cirúrgicos, trombos, aneurismas e defeitos do septo interatrial. Algumas contraindicações ao procedimento que podem ser visualizadas pela tomografia são a presença de endocardite infecciosa, deiscência de prótese, trombose extensa de prótese, trombo no septo interatrial e interrupção de veia cava inferior. Contraindicações relativas são leak paravalvar, trombo no apêndice atrial e abordagem prévia do septo ou via transeptal.

Valve in MAC

Pacientes com calcificação importante da valva mitral apresentam elevada dificuldade técnica para a troca valvar cirúrgica convencional e geralmente são idosos, de alto risco cirúrgico e com valvopatias associadas. Além disso, a calcificação exuberante dificulta a análise morfológica pelo ecocardiograma. Nestes casos, a tomografia computadorizada e o implante transcateter são alternativas viáveis, utilizando a calcificação do anel mitral como ponto de apoio para a endoprótese, procedimento denominado valve-in-MAC (mitral annulus calcification). Este procedimento é frequentemente realizado por via transeptal ou transapical, mas apresenta altos índices de complicações, incluindo leak paravalvar, obstrução da via de saída do VE e embolização da prótese. Mesmo nos casos bem-sucedidos, a taxa de mortalidade é significativa, variando de 6% a 25% em 30 dias e podendo alcançar 54% em 12 meses.

O protocolo de aquisição e o pós-processamento são similares aos do Valve in Valve Mitral, incluindo a projeção de uma prótese virtual e a avaliação da neo VSVE conforme já mencionado. Adicionalmente, na fase diastólica, é avaliado o escore de gravidade do MAC, pontuado de 0 a 10 com base na espessura da calcificação, sua extensão circunferencial, envolvimento dos trígonos medial e lateral, e acometimento dos folhetos anterior e posterior. Escores igual ou acima de 7 indicam calcificação acentuada, permitem fixação da endoprótese e estão associados a menor incidência de deslocamento e/ou embolização da prótese. Já escores menores ou iguais a 6 cursam em até 60% dos casos com essa complicação. Por outro lado, área do ânulo valvar mitral acima de 680mm² está associada a uma maior incidência de regurgitação paravalvar pós-procedimento. Para a escolha da endoprótese, cada modelo baseia-se em parâmetros específicos do ânulo valvar. São medidas a área, perímetro, diâmetros mínimo, máximo e médio, distância trígono-trígono, distância intercomissural e anteroposterior do ânulo valvar mitral em sua forma de D-shape. Os passos para a projeção virtual da endoprótese e avaliação da neo VSVE são semelhantes aos do Valve in Valve Mitral, com a consideração adicional de que a redução percentual da área da neo VSVE em relação ao prévio em mais de 50% é um fator de risco para obstrução.

Mitral Transcatheter Edge-to-Edge Repair (MitraClip) e Transcatheter Mitral Valve Replacement (TMVR)

O procedimento de reparo transcateter da valva mitral nativa com MitraClip para os casos de insuficiência mitral primária e secundária utiliza o ecocardiograma transesofágico 3D como método padrão-ouro para o planejamento pré-operatório e o posicionamento intraoperatório. Estudos recentes sugerem boa correlação entre os parâmetros anatômicos observados na tomografia cardíaca e no ecocardiograma transesofágico, incluindo a área anular mitral, distância intercomissural, distância anteroposterior e área do orifício valvar mitral. Além disso, a tomografia é superior ao ecocardiograma e à ressonância cardíaca na avaliação de calcificação, que, quando moderada ou acentuada, está relacionada a piores resultados. Essas medidas permitem a estratificação dos pacientes em maior ou menor risco de complicações pós-procedimento, como insuficiência residual e/ou gradiente transprotético.

Pacientes com área do orifício valvar mitral menor que 4cm² apresentam teoricamente menor propensão ao sucesso do procedimento, devido ao risco aumentado de estenose residual, sendo isso ainda mais evidente em casos inferiores a 2,4cm² e associados à área do ânulo mitral menor que 900mm². A tomografia cardíaca oferece a vantagem de ser mais acessível, menos invasiva e não exigir sedação em comparação ao ecocardiograma transesofágico 3D. 

Cada modelo de endoprótese de TMVR baseia-se em parâmetros distintos do ânulo valvar para determinar o material necessário e a viabilidade do procedimento. Tais próteses específicas para a mitral ainda não estão amplamente disponíveis na prática clínica.

Complicações Pós-Operatórias

As principais complicações incluem obstrução da neo VSVE, embolização de prótese, e compressão da artéria circunflexa e do seio coronariano. A tomografia também é útil na disfunção de próteses com suspeita de trombose e na restrição de mobilidade dos folhetos valvares. Nestes casos, o espessamento dos folhetos e a presença de imagens hipodensas podem indicar pannus, trombo ou vegetação, dependendo das características radiológicas e do contexto clínico. Esses achados auxiliam o cardiologista no diagnóstico de disfunção da prótese, possibilitando considerar o controle evolutivo/comparativo após a anticoagulação, se necessário.

Endocardite Infecciosa

Na suspeita de endocardite infecciosa, a tomografia cardíaca atua como método complementar para o diagnóstico de vegetações e, principalmente, para a avaliação de complicações que possam indicar intervenção cirúrgica. Protocolos específicos de aquisição são necessários, envolvendo fases sistólicas e diastólicas, câmaras cardíacas direitas e/ou esquerdas, e o uso de contraste. Não requer preparo como sedação ou controle rigoroso da frequência cardíaca. Atualmente, seu uso complementa o fluxo de investigação habitual da endocardite infecciosa, sendo especialmente útil na avaliação de complicações paravalvares, como abscessos e pseudoaneurismas, e na identificação de vegetações volumosas. 

 

Bibliografia

  1. RANGANATH, Praveen et al. CT for pre-and postprocedural evaluation of transcatheter mitral valve replacement. Radiographics, v. 40, n. 6, p. 1528-1553, 2020.
  2. Yoon SH, Bleiziffer S, Latib A, Eschenbach L, Ancona M, Vincent F, et al. Predictors of Left Ventricular Outflow Tract Obstruction After Transcatheter Mitral Valve Replacement. JACC Cardiovasc Interv. 2019;12(2):182-193.
  3. Vilela et al. My Approach to Transseptal Mitral Valve-In-Valve. Arq Bras Cardiol: Imagem cardiovasc. 2022;35(2):ecom24.
  4. Delgado and van Rosendael. Computed Tomography to Select Patients for Transcatheter Mitral Valve Replacement. JACC: CARDIOVASCULAR IMAGING, VOL. 14, NO. 8, 2021.
  5. Harloff MT, Chowdhury M, Hirji SA, Percy ED, Yazdchi F, Shim H, et al. A step-by-step guide to transseptal valve-in-valve transcatheter mitral valve replacement. Ann Cardiothorac Surg. 2021;10(1):113-121.
  6. Tarasoutchi et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(4):720-775.
  7. GUERRERO, Mayra et al. A cardiac computed tomography–based score to categorize mitral annular calcification severity and predict valve embolization. Cardiovascular Imaging, v. 13, n. 9, p. 1945-1957, 2020.
  8. Praz F, Khalique OK, Lee R, et al. Imaging in patients with severe mitral annular calcification: insights from a multicentre experience using transatrial balloon-expand- able valve replacement. Eur Heart J Cardiovasc Imaging 2019;20(12):1395–1406.
  9. D. Kaewkes, S. Kagawa, V. Patel et al. Multidetector Computed Tomography in Patients Who Underwent Transcatheter Mitral Edge-to-Edge Repair. Am J Cardiol 2023;208:101−110
  10. D. Kaewkes, V. Patel, T. Ochiai et al. Usefulness of computed tomography to predict residual mitral regurgitation after transcatheter mitral valve edge-to-edge repair. Journal of Cardiology 80 (2022) 563–572
  11. D. Kaewkes, V. Patel, T. Ochiai et al. Usefulness of Computed Tomography to Predict Mitral Stenosis After Transcatheter Mitral Valve Edge-to-Edge Repair. Am J Cardiol 2021;153:109−118.
  12. Chang, S., Suh, Y. J., Han, K., Kim, J. Y., Kim, Y. J., Chang, B.-C., & Choi, B. W. (2017). The clinical significance of perivalvular pannus in prosthetic mitral valves: Can cardiac CT be helpful? International Journal of Cardiology, 25463, 1-5.
  13. Bin Saeedan et al. Role of Cardiac CT in Infective Endocarditis: Current Evidence, Opportunities, and Challenges. Radiology: Cardiothoracic Imaging 2021; 3(1):e200378.


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Nesta aula do nosso curso “Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral”, o Dr. Bruno Maeda aborda o uso da tomografia computadorizada cardíaca no diagnóstico, detecção de complicações e programação do tratamento de pacientes com insuficiência mitral, com destaque para a avaliação pré-procedimentos transcateter da valva mitral.

 

 

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral: insuficiência mitral aguda

Fernanda Castiglioni Tessari

A insuficiência mitral (IM) aguda trata-se de uma entidade a parte, com etiologias, fisiopatologia e abordagem terapêutica distintas da insuficiência mitral crônica.
As principais etiologia são:
Rotura de cordoalha tendínea
Endocardite infecciosa
Ruptura de musculo papilar complicando o infarto agudo do miocárdio, especialmente no acometimento de coronária direita e isquemia de músculo papilar posteromedial
Trauma
Para compreender a fisiopatologia da IM aguda, devemos ter em mente que estaremos lidando com câmaras esquerdas não remodeladas, de forma diferente do que ocorre na IM crônica, em que o refluxo mitral leva, a longo prazo, à dilatação de câmaras para comportar a sobrecarga de volume. Assim, o volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VE) é mantido e ocorre um refluxo súbito de sangue para o átrio esquerdo (AE), com consequente sobrecarga de pressão abrupta no AE, aumento da pressão capilar pulmonar e congestão pulmonar. Além disso, como a pressão no AE é menor que a pressão sistêmica, o volume do VE é preferencialmente ejetado retrogradamente, com consequente redução do débito cardíaco.
O principal sintoma decorrente da IM aguda é a dispneia, podendo ocorrer aos esforços ou mesmo em repouso, além de ortopneia e dispneia paroxística noturna. A principal complicação é o edema agudo de pulmão e casos mais graves podem evoluir com hipotensão, arritmias e choque cardiogênico.
Ao exame físico, normalmente encontramos um sopro protossistólico, e não holossistólico como visto na IM importante crônica. Isso ocorre pois a pressão no AE sobe rapidamente e logo se iguala à pressão do VE no final da sístole. Também podem estar presentes sinais de congestão pulmonar, com estertores crepitantes bilaterais, podendo evoluir com insuficiência respiratória aguda no edema agudo de pulmão. Turgência jugular patológica e sinais de baixo débito cardíaco podem ocorrer, com taquicardia reflexa e hipotensão arterial.
Quanto aos exames complementares, as alterações não são tão expressivas. O eletrocardiograma irá mostrar alterações associadas a causa de base, como alterações isquêmicas no caso da ruptura de músculo papilar após IAM, por exemplo. A radiografia de tórax apresenta área cardíaca normal, podendo haver sinais de congestão pulmonar. O Ultrassom Point-of-Care apresenta linhas B pulmonares, inferindo congestão, e pode auxiliar na avaliação da função ventricular e débito cardíaco, quando há suspeita de choque cardiogênico.
O ecocardiograma mostra câmaras esquerdas de dimensões normais ou discretamente dilatadas, e evidencia o refluxo mitral importante, podendo também mostrar suspeitas da etiologia, como uma vegetação ou perfuração de cúspide na endocardite, ou disfunção segmentar no IAM, por exemplo. O ecocardiograma transesofágico pode ser útil para auxiliar na definição etiológica, caso o paciente apresente condições hemodinâmicas para a realização. Vale ainda notar que pode ocorrer um aumento da fração de ejeção do VE (FEVE), uma vez que este consegue se esvaziar tanto para o AE quanto para a aorta, gerando redução do volume sistólico final e, portanto, superestimando a FEVE.
O tratamento engloba duas fases: 1) a fase de compensação clínica e hemodinâmica visa reduzir a pós-carga do VE, favorecendo o esvaziamento do VE para a aorta em detrimento do AE (redução da fração regurgitante), e redução das pressões de enchimento. Assim, são utilizados vasodilatadores endovenosos (nitratos) e diuréticos. Em casos mais graves, que evoluem com choque cardiogênico, podemos lançar mão de inotrópicos e dispositivos de assistência ventricular, como balão intra-aórtico; 2) o tratamento definitivo compreende a cirurgia de troca ou plástica mitral, sendo, de maneira geral, indicada a cirurgia precoce, que associa-se a melhores desfechos e menores taxas de mortalidade. Em pacientes com risco cirúrgico proibitivo, a abordagem percutânea (MitraClip) pode ser considerada. Além disso, deve ser realizado o tratamento da causa de base, como a revascularização miocárdica no caso da IM secundária a um IAM, ou antibioticoterapia na endocardite infecciosa, por exemplo.

Referências bibliográficas

Hennessey B, Sabatovicz N Jr, Del Trigo M. Acute Ischaemic Mitral Valve Regurgitation. J Clin Med. 2022 Sep 21;11(19):5526. doi: 10.3390/jcm11195526. PMID: 36233410; PMCID: PMC9571705.
Writing Committee Members; Otto CM, Nishimura RA, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Gentile F, Jneid H, Krieger EV, Mack M, McLeod C, O’Gara PT, Rigolin VH, Sundt TM 3rd, Thompson A, Toly C. 2020 ACC/AHA Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2021 Feb 2;77(4):e25-e197. doi: 10.1016/j.jacc.2020.11.018. Epub 2020 Dec 17. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2021 Feb 2;77(4):509. doi: 10.1016/j.jacc.2020.12.040. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2021 Mar 9;77(9):1275. doi: 10.1016/j.jacc.2021.02.007. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2023 Aug 29;82(9):969. doi: 10.1016/j.jacc.2023.07.010. PMID: 33342586.

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Você sabia que a insuficiência mitral (IM) aguda é considerada uma entidade à parte, com etiologias, fisiopatologia e abordagem terapêutica distintas da insuficiência mitral crônica? ▶️ Entenda mais sobre as questões da IM aguda na aula apresentada pela Dra. Fernanda Tessari para o curso “Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral”.

 

 

Fundamentos em Síndrome Coronária: tratamento medicamentoso da Síndrome Coronária

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Na 4ª e última aula do Curso Fundamentos em Síndrome Coronária Crônica, o Dr. Nilson Poppi fala do tratamento medicamentoso para a Síndrome Coronária Crônica, um tema que está cada vez mais em alta entre os cardiologistas clínicos, que buscam melhorar a qualidade e vida e prevenir episódios da condição no paciente.

 

 

Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência Mitral Aula 9: Early Surgery e Watchful Waiting

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Na aula 9 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral, o Dr. Vitor Rosa explica as evidências científicas sobre Early Surgery e Watchful Waiting na condução do paciente com prolapso da válvula mitral.

 

 

FUNDAMENTOS EM SÍNDROME CORONÁRIA CRÔNICA:fisiopatologia da aterosclerose coronária

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Na terceira aula do curso Fundamentos em Síndrome Coronária Crônica, Dra. Luhanda Monti explica a fisiopatologia da aterosclerose coronária, além dos conceitos e as fases da condição.

 

 

Insights sobre o presente e o futuro das terapias transcateter

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Você sabe o que é o minimalismo em procedimentos transcateter?

Essa prática vem ganhando destaque na cardiologia intervencionista, especialmente em países da Europa, devido aos inúmeros benefícios que oferece — para o paciente, para o especialista e para as rotinas hospitalares. Os Drs. Ole De Backer, Alexandre Abizaid e Fábio Sandoli discutem este tema em um bate-papo imperdível.

 

 

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 8: quais os tratamentos disponíveis

Mariana Pezzute Lopes

No momento de indicar o tratamento da insuficiência mitral, é preciso definir o mecanismo da regurgitação mitral, sobretudo se estamos diante de uma insuficiência mitral primária ou secundária, tendo em vista que o tratamento dessa valvopatia está intimamente atrelado à sua etiologia. 

A classificação de Carpentier, na qual dividimos o mecanismo da insuficiência mitral nos tipos 1,2 e 3 é essencial no manejo do paciente valvopata. Carpentier tipo 1 (na qual os folhetos têm movimentação e posicionamento normais), é encontrado nos pacientes com endocardite com perfuração do folheto gerando a regurgitação valvar; ou naqueles pacientes com fibrilação atrial (FA) crônica e dilatação do anel mitral levando à insuficiência mitral funcional atrial; ou ainda, nos casos de miocardiopatia dilatada gerando tracionamento apical (tethering) e falha de coaptação.  No Carpentier tipo 2, basicamente estamos falando da insuficiência mitral por prolapso, na qual temos hipermobilidade dos folhetos como determinante da regurgitação. E por fim, no Carpentier tipo 3A encontramos restrição da movimentação dos folhetos, seja por comprometimento reumático ou calcificação do anel mitral, além de outras causas mais raras; no Carpentier tipo 3B, a restrição de movimentação ocorre apenas durante a sístole, como no caso da miocardiopatia isquêmica.

De acordo com o fluxograma da diretriz brasileira de valvopatias, após definirmos a gravidade anatômica da insuficiência mitral e identificarmos a sua etiologia, caso o paciente apresente sintomas ou complicadores (disfunção e/ou dilatação ventricular, hipertensão pulmonar ou FA início recente) vamos indicar o tratamento intervencionista. Lembrando que o tratamento clínico não muda a evolução da doença, não previne progressão e nem reduz mortalidade, permite apenas o controle sintomático. 

Tendo sido indicado a intervenção valvar, sempre que possível vamos tentar preservar a valva nativa, sobretudo quando estamos diante do prolapso mitral. A indicação de plástica com anel é indicação classe I no prolapso da cúspide posterior, segmento P2, e a cirurgia de troca valvar só deve ser considerada nos casos de anatomia desfavorável à plástica.  Vale a pena ressaltar que nos pacientes com anatomia favorável à plástica, de baixo risco cirúrgico, e que se encontram em grandes centros com taxa de sucesso com plástica acima de 95%, podemos inclusive considerar a cirurgia valvar mais precocemente (early surgery), mesmo nos pacientes assintomáticos e sem complicadores, considerando a grande chance de preservação da valva, a boa durabilidade das plásticas e visando evitar o remodelamento cardíaco ao longo da evolução da valvopatia. Nos pacientes reumáticos, um mundo à parte, a plástica valvar tem resultados menos favoráveis, não sendo indicada de rotina. Nesses casos a cirurgia de troca valvar é indicada. 

Mais recentemente, desde o EVEREST II em 2011, sabemos que para os pacientes com insuficiência mitral primária degenerativa por prolapso, de alto risco cirúrgico e refratários ao tratamento clínico, se condições anatômicas favoráveis, podemos considerar a clipagem mitral, visando sobretudo melhora de qualidade de vida e capacidade funcional. 

Por fim, no caso de insuficiência mitral secundária, o foco é na doença de base. Quando estamos diante da insuficiência mitral funcional atrial o objetivo é controle da frequência cardíaca e avaliar restabelecer o ritmo sinusal.  Naqueles pacientes com miocardiopatia dilatada, o tratamento otimizado para a insuficiência cardíaca gera remodelamento ventricular e muitas vezes reduz o grau de regurgitação mitral, levando à melhora sintomática e da sobrevida. Pacientes que permanecem sintomáticos, mantendo CF III da NYHA, apesar de toda a terapia otimizada podemos considerar a clipagem mitral, sobretudo visando reduzir sintomas e hospitalização.  É importante frisar que o maior benefício da clipagem percutânea da valva mitral ocorre nos pacientes com a chamada “insuficiência mitral desproporcionada”, perfil típico do estudo COAPT, aqueles pacientes com insuficiência mitral significativa, porém com ventrículo esquerdo não tão remodelado.

 

Referências:

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(4):720-775

Feldman T, et al. EVEREST II Investigators. Percutaneous repair or surgery for mitral regurgitation. N Engl J Med. 2011 Apr 14;364(15):1395-406.

Pibarot P, Delgado V, Bax JJ. MITRA-FR vs. COAPT: lessons from two trials with diametrically opposed results. Eur Heart J Cardiovasc Imaging. 2019 Jun 1;20(6):620-624. 

Obadia JF, et al MITRA-FR Investigators. Percutaneous Repair or Medical Treatment for Secondary Mitral Regurgitation. N Engl J Med. 2018 Dec 13;379(24):2297-2306. 

Stone GW, et al COAPT Investigators. Transcatheter Mitral-Valve Repair in Patients with Heart Failure. N Engl J Med. 2018 Dec 13;379(24):2307-2318.

Grayburn PA, Sannino A, Packer M. Proportionate and Disproportionate Functional Mitral Regurgitation: A New Conceptual Framework That Reconciles the Results of the MITRA-FR and COAPT Trials. JACC Cardiovasc Imaging. 2019 Feb;12(2):353-362. 

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Quais são os tratamentos disponíveis para insuficiência mitral? Este é o tema da aula 8 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral, ministrada pela Dra. Mariana Pezzute Lopes, que explica quais tratamentos são indicados para casos primários e secundários.

Aula 7 – Tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral: outros métodos diagnósticos

Dra. Daniella Nazzetta

Embora o ecocardiograma continue sendo o método de escolha inicial para definição de importância anatômica e avaliação etiológica nos pacientes portadores de insuficiência mitral, em alguns casos específicos podemos lançar mão de outros exames de imagem. A ressonância magnética cardíaca, a ventriculografia durante o exame hemodinâmico e a angiotomografia cardíaca são exames que trazem informações mais precisas e estão indicadas principalmente quando há uma discrepância entre os sintomas do paciente e os achados ecocardiográficos, ou quando a ecocardiografia é inconclusiva. Além disso, podem ser úteis no planejamento de intervenções fornecendo informações anatômicas e funcionais mais detalhadas.

A ressonância magnética é uma ferramenta diagnóstica avançada e valiosa na cardiologia, especialmente no diagnóstico e avaliação da insuficiência mitral. Ela nos fornece imagens detalhadas da anatomia cardíaca, permitindo uma avaliação precisa da morfologia da valva mitral, incluindo as cúspides, cordas tendíneas e músculos papilares. Uma das suas principais aplicabilidades seria na quantificação precisa do volume e da fração regurgitante, permitindo uma classificação da insuficiência em leve, moderada ou importante. Além disso, a quantificação do fluxo pode ser usada no monitoramento da progressão da doença, avaliação do impacto hemodinâmico na função ventricular, estratificação de risco e no planejamento de intervenções. Também é possível realizar avaliação da função ventricular esquerda e direita, o que é crucial na avaliação do impacto hemodinâmico da insuficiência mitral. A ressonância pode também detectar a presença de fibrose miocárdica, que pode ocorrer como consequência da valvopatia crônica, ou como substrato para arritmias ventriculares, como no prolapso arritmogênico. Além disso, por ser um método tridimensional, pode avaliar com melhor acurácia a presença de disjunção mitral, uma inserção anormal da linha de flexão do anel mitral na parede atrial, também substrato para o prolapso arritmogênico.

O cateterismo cardíaco é um exame fundamental avaliação pré-operatória dos pacientes com insuficiência mitral importante, quando há suspeita de coronariopatia associada à doença valvar. Durante o exame pode ser realizada a ventriculografia através da injeção de contraste no ventrículo esquerdo, para avaliar a função ventricular esquerda. No contexto da insuficiência mitral, o procedimento também permite a visualização direta do refluxo de sangue do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo durante a sístole, sendo considerado como importante quando maior que 3+. Além disso, podemos realizar medidas de pressões intracavitárias associando o cateterismo de câmaras direitas para definir prognóstico e avaliar o impacto da insuficiência mitral na hemodinâmica cardíaca. Embora seja um procedimento invasivo, sua capacidade de visualização direta do refluxo mitral e avaliação detalhada da função ventricular o tornam uma opção útil em contextos específicos, como na dissociação entre os achados clínicos e exames de imagem.

A angiotomografia cardíaca também é uma ferramenta eficaz na avaliação complementar de pacientes com insuficiência mitral. Sua principal aplicabilidade na cardiologia é a avaliação coronariana, similar ao cateterismo. No entanto, a angiotomografia também fornece imagens de alta resolução das estruturas cardíacas, tornando-se útil no planejamento de intervenções e na avaliação de casos complexos. No que diz respeito à valva mitral, a angiotomografia permite uma avaliação precisa de sua morfologia, como espessamento das cúspides, calcificações e anomalias estruturais, assim como das estruturas ao redor da valva, como o anel, as cordas tendíneas e os músculos papilares. É indicada especialmente na avaliação de calcificações do anel valvar que podem influenciar na abordagem cirúrgica.

A avaliação da insuficiência mitral exige uma abordagem específica e cuidadosa quando há dúvida diagnóstica, pois o paciente pode evoluir de forma desfavorável se não abordado em tempo hábil. O ecocardiograma continua sendo o método de escolha inicial, porém quando necessário, a ressonância magnética cardíaca e a angiotomografia cardíaca oferecem informações detalhadas e específicas que complementam os achados ecocardiográficos. A ventriculografia, embora invasiva, pode ser crucial em situações complexas ou para o planejamento de intervenções. A escolha da modalidade diagnóstica deve ser individualizada, considerando as características clínicas do paciente e as informações necessárias para o manejo adequado da insuficiência mitral.

Referências:

  1. Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047
  2. Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, et al. 2017 AHA/ACC Focused Update of the 2014 AHA/ACC Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2017;135(25):e1159-e1195. doi:10.1161/CIR.0000000000000503
  3. Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease [published correction appears in Eur Heart J. 2022 Feb 18;:]. Eur Heart J. 2022;43(7):561-632. doi:10.1093/eurheartj/ehab395
  4. Garg P, Swift AJ, Zhong L, et al. Assessment of mitral valve regurgitation by cardiovascular magnetic resonance imaging. Nat Rev Cardiol. 2020;17(5):298-312. doi:10.1038/s41569-019-0305-z
  5. Movahed MR, Lata K. Any Degree of Mitral Regurgitation Found during Invasive Ventriculography is Associated with All-Cause Mortality. Int J Angiol. 2015;24(4):275-277. doi:10.1055/s-0035-1556841
  6. Hou J, Sun Y, Wang H, et al. Noncontrast cardiac computed tomography-derived mitral annular calcification scores in mitral valve disease. Clin Cardiol. 2023;46(11):1310-1318. doi:10.1002/clc.24110

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Quais são os outros métodos para diagnóstico da insuficiência mitral? Este é o tema da aula 7 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Dra. Daniella Nazzetta explica quando solicitar ressonância magnética, ventriculografia e angiotomografia, que também são exames que ajudam a investigar e concluir o diagnóstico.

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 6: diagnóstico ecocardiográfico

Dr. Alberto Rodolpho Huning

O ecocardiograma transtorácico é o principal exame empregado para a definição da gravidade anatômica da Insuficiência Mitral (IM). Diversos parâmetros podem ser utilizados para essa quantificação, sendo de fundamental importância um exame detalhado e completo. Além da definição da gravidade anatômica, é uma ferramenta fundamental para definir a etiologia e a presença de complicadores, etapas necessárias para a programação terapêutica(1). 

  • A primeira pergunta a ser respondida durante a realização do exame é: qual o mecanismo responsável pela IM? 

Devido à alta sensibilidade do Doppler, é comum a detecção de regurgitação discreta em indivíduos saudáveis e com aparato mitral normal. Quando detecta-se uma regurgitação moderada, é importante olhar com atenção o aparato mitral em busca do mecanismo etiológico. 

O aparato mitral é composto pelo folheto anterior e posterior, anel mitral, cordoalhas tendíneas, músculos papilares e também pela função ventricular. A mobilidade é avaliada utilizando a classificação de Carpentier, que propõe uma divisão em 3 tipos baseada no provável substrato fisiopatológico. Na IM tipo I, a mobilidade dos folhetos é normal, na IM tipo II, a mobilidade dos folhetos é excessiva e na IM tipo III, a mobilidade é restrita.  Quando tanto a morfologia e a mobilidade são avaliadas, consegue-se determinar o mecanismo da regurgitação (primário, secundário ou misto). 

  • Insuficiência Mitral Primária: Anormalidades estruturais nos folhetos (espessamento, protrusão, perfuração, retração, etc) ou aparelho subvalvar (ruptura de cordoalhas tendíneas). 
  • Insuficiência Mitral Secundária:  A IM secundária decorre de alterações ventriculares (disfunção e/ou dilatação), dissincronia do VE (bloqueio de ramo direito, estimulação ventricular direita) que provocam a dilatação do anel mitral, ou dilatação do átrio esquerdo ( FA crônica ou cardiomiopatia restritiva), que também pode causar dilatação do anel mitral, com folhetos valvares mitrais e as cordoalhas  normais. 
  • Insuficiência Mitral Mista: Pacientes com mecanismo primário (acometimento do aparato mitral) em associação com dilatação do anel mitral. Comum em idosos com alterações fibrocalcíficas na valva. Geralmente há um mecanismo predominante (primário ou secundário)(2). 
  • A segunda pergunta é: qual a gravidade da insuficiência mitral? 

Existem diversos parâmetros ecocardiográficos que devem ser utilizados em conjunto para responder a essa pergunta.  

  • Área do jato regurgitante: Excelente para excluir IM, mas não é uma maneira confiável para graduar sua gravidade anatômica, mesmo utilizando a área indexada do AE. É também dependente do mecanismo causador e acaba sendo superestimada quando a  regurgitação não é holossistólica. Na presença de jatos excêntricos, a área do jato pode ser subestimada. Quando é avaliada em conjunto com a vena contracta e com a convergência de fluxo é um parâmetro bastante útil. Uma Área do jato ≥ 40% da área do AE indica IM importante. 
  • Vena contracta: é o ponto de maior estreitamento do jato regurgitante, distal ao orifício regurgitante. Uma medida de vena contracta maior ou igual a 0,7 é bastante específica para IM importante. A área de secção transversal da vena contracta caracteriza uma medida da área do orifício regurgitante efetivo (ERO). 
  • PISA (Proximal isovelocity surface area): Utilizado para calcular a área de orifício regurgitante efetivo (ERO), volume e fração de sangue regurgitantes para o átrio esquerdo (fórmulas matemáticas e inferência hemodinâmica).

É importante avaliá-los em conjunto, pois, a depender do contexto, podem ser sub ou superestimados (um dado valor de volume regurgitante pode gerar uma fração de sangue regurgitante diferente dependo da função ventricular esquerda). A presença de jatos excêntricos também dificulta a utilização do método. 

O raio do PISA (r) é medido a partir do ponto de aliasing do Doppler colorido (mudança abrupta na cor de azul para amarelo se a direção do jato estiver longe do transdutor) até a vena contracta.

Temos então as seguintes fórmulas:

  • Fluxo regurgitante = (2×3,14xr² x Velocidade aliasing)
  • ERO = fluxo regurgitante / velocidade de pico regurgitante
  • Volume regurgitante = ERO X VTI (integral da velocidade) do jato regurgitante
  • Fração regurgitante = volume regurgitante/stroke volume

Caracterizam a presença de IM importante a presença de uma Fração de sangue regurgitante ≥ 50%, Volume regurgitante ≥ 60 mL/batimento e ERO ≥ 0,40 cm². 

 

  • Repercussões em câmaras esquerdas: As dimensões das câmaras esquerdas (AE e VE) geralmente estarão aumentados na IM crônica, o que diferente da IM aguda, que cursa com cavidades de tamanhos normais, porém com pressões de AE e pressões pulmonares significativamente elevadas. Se tanto os diâmetros quanto as pressões em câmaras esquerdas e capilar pulmonar estiverem normais, a probabilidade da IM ser importante é baixa.  

Na IM secundária essa avaliação é mais difícil e enviesada, pois as repercussões nas câmaras cardíacas e na circulação pulmonar podem ser decorrentes da doença de base. 

  • Relação da onda E e A: a onda E corresponde à fase inicial da diástole, enquanto a onda A se associa à contração do átrio E. Na IM importante, normalmente temos uma onda E maior que a onda A, sendo geralmente a velocidade da onda E >1,2 m/s. 
  • Fluxo em veias pulmonares:  a presença de fluxo sistólico reverso em veias pulmonares fala a favor de regurgitação importante. 

Importante perceber que esses parâmetros apresentam precisão e reprodutibilidade limitadas e interagem de maneira complexa e dependente entre si. Recomenda-se, portanto, o uso conjunto de parâmetros quantitativos e qualitativos para definir a gravidade anatômica da insuficiência mitral(2, 3): 

Área do jato Fração regurgitante Volume regurgitante (ml/bat) Vena contracta (cm) ERO (cm²)
IM Discreta < 20% <30% < 30 < 0,3 <0,20,39
IM Moderada 20-40% 30-49% 30-59 0,3-0,69 0,2-0,39
IM importante ≥40% ≥50% ≥60 ≥0,7 ≥ 0,40

 

  1. A terceira pergunta a ser respondida é: existem complicadores?

Principalmente em pacientes com IM importante e assintomáticos, a pesquisa de complicadores e marcadores de mau prognóstico é fundamental para a tomada de decisão. 

  • FEVE ≤ 60% ou queda progressiva da FEVE (mesmo que normal) durante a evolução 
  • Remodelamento progressivo do VE (DSVE ≥ 40 mm)
  • PSAP ≥ 50 mmHg em repouso ou ≥ 60 mmHg ao exercício
  • Volume de AE ≥ 60 ml/m²(1)

 

Referências: 

  1. Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIdO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 2020;115(4):720-75.
  2. Grayburn PA, Thomas JD. Basic Principles of the Echocardiographic Evaluation of Mitral Regurgitation. JACC Cardiovasc Imaging. 2021;14(4):843-53.
  3. Zoghbi WA, Adams D, Bonow RO, Enriquez-Sarano M, Foster E, Grayburn PA, et al. Recommendations for Noninvasive Evaluation of Native Valvular Regurgitation: A Report from the American Society of Echocardiography Developed in Collaboration with the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. J Am Soc Echocardiogr. 2017;30(4):303-71.

 

Quando realizar o exame ecocardiográfico para concluir o diagnóstico de insuficiência mitral? Quais são as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia? Este é o tema da aula 6 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pelo Dr. Alberto Rodolpho Hüning.

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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.

Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 5: radiografia de tórax e eletrocardiograma

Layara Lipari Vicente

     

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames complementares de grande importância na investigação das valvopatias. Apesar de não fazererm diagnóstico de insuficiência mitral, trazem pistas importantes, principalmente sobre as repercussões desta valvopatia, quando anatomicamente importante. O eletrocardiograma pode ser usado também para a avaliação da presença de arritmias ventriculares e estratificação de risco no caso do prolapso mitral arritmogênico.

Na insuficiência mitral, a falha no fechamento adequado da valva mitral resulta no refluxo de sangue do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo durante a sístole. Este fenômeno desencadeia uma série de alterações fisiopatológicas como a sobrecarga de átrio esquerdo (que aumenta o risco de fibrilação atrial) e sobrecarga de ventrículo esquerdo (por sobrecarga de volume).

Na radiografia de tórax é importante procurar sinais de dilatação do átrio esquerdo como o duplo contorno atrial e o sinal da bailarina (o aumento do átrio esquerdo empurra o brônquio-fonte esquerdo, gerando aumento do ângulo infracarinal). Pode haver, ainda, sinais de congestão, geralmente bilateral, porém, em alguns casos, assimétrica: devido ao eixo anatômico do ventrículo esquerdo e ao grande volume de sangue bombeado na sístole (decorrente também da sobrecarga atrial), o refluxo de sangue através da valva mitral na insuficiência mitral aguda tende a direcionar-se preferencialmente para a direita e para cima (veia pulmonar superior direita – que drena os lobos superior e médio direitos), causando, assim, uma congestão venosa assimétrica (principalmente em campo pulmonar superior direito).

A radiografia de tórax permite também a avaliação etiológica em alguns casos de doença calcífica com a presença de calcificação anular na topografia do anel mitral (MAC – Mitral Annular Calcification). Para os pacientes que já fizeram alguma intervenção valvar, podemos ver sinais ao exame, como fios de sutura do esterno e mesmo o aro da prótese e os clipes usados no reparo mitral percutâneo (TEER – Mitral Transcatheter Edge-to-Edge Repair).

Ao eletrocardiograma, podemos encontrar sinais de sobrecarga de câmaras esquerdas e, em alguns casos, fibrilação atrial. A avaliação inicial do ECG abrange a avaliação de ritmo: em primeiro lugar, procuramos identificar um ritmo sinusal (onda P positiva em D1 e aVF e toda onda p conduz um QRS). Posteriormente, avaliamos o intervalo PR e sinais de sobrecargas de câmaras. Quando a sobrecarga de átrio esquerdo e consequente alteração estrutural leva à distorção do sistema de condução atrial, pode haver evolução para fibrilação atrial: o ritmo deixa de ser sinusal e podemos observar o padrão de ondas f na linha de base e RR irregular.

A sobrecarga de átrio esquerdo pode ser identificada no eletrocardiograma pela presença de uma onda P alargada nas derivações inferiores (II, III e aVF). Além disso, outro sinal clássico é o Sinal de Morris: uma onda P negativa em V1 com duração maior que 40 ms e uma amplitude negativa de pelo menos 1 mm (ou seja, área maior ou igual a 1mm²).

Já para buscar sobrecarga de ventrículo esquerdo, temos diversos critérios e geralmente usamos mais de um para esta avaliação. 

  • Sokolow-Lyon: Onda S em V1 + R em V5 ou V6 (o que for maior) = positivo quando acima de 40 em jovens e 35 para os demais pacientes. 
  • Índice de Cornell = R de aVL + S de V3 = positivo quando superior a 20 em mulheres e 28 em homens.
  • Peguero-Lo Presti = Maior S em qualquer derivação + S de V4 = positivo quando maior ou igual a 23mm em mulheres e 28mm em homens. O interessante desse critério é que leva em consideração a orientação espacial do coração do paciente, que pode ser um pouco desviada.
  • Padrão de strain nas derivações esquerdas = Presença da inversão de onda T com infradesnivelamento do segmento ST.
  • Critérios de Romhilt-Estes = positivo na soma de 5 pontos:

– 3 pontos: QRS (>20mm plano frontal e 30mm horizontal); strain na ausência de ação digitálica; e índice de Morris (aumento da duração da onda P maior que 1mm e da amplitude da onda p também superior a 1mm vistos em V1, denota sobrecarga de átrio esquerdo).

– 2 pontos: desvio do eixo elétrico do QRS além de -30º.

– 1 ponto: Tempo de Ativação Ventricular ou deflexão intrinsecoide >40ms (definida como o tempo desde o início do QRS até o pico da onda R); duração QRS (> 90 ms) em V5 e V6; e padrão strain sob ação do digital.

 

Todos estes critérios se correlacionam com a presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo, seja por insuficiência mitral (primária ou secundária) ou outra etiologia. 

Além disso, uma etiologia possível da insuficiência mitral é a secundária a infarto agudo do miocárdio. Nesse caso, podemos identificar os sinais de isquemia aguda, como o supradesnivelamento do segmento ST, ou zonas eletricamente inativas referentes a um infarto antigo. 

Finalmente, vale a pena ressaltar um tema que vem ganhando cada vez mais atenção, que é o prolapso mitral arritmogênico. O prolapso mitral arritmogênico é uma apresentação de prolapso mitral associada a um risco aumentado de arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca. Estudos observacionais recentes sugerem que a morte súbita cardíaca relacionada ao prolapso mitral, devido a arritmias ventriculares sustentadas, pode ocorrer com uma frequência anual estimada de 0,2% a 1,9%. Esta condição é caracterizada por várias alterações, incluindo disjunção do anel mitral, folhetos mixomatosos e redundantes, e fibrose ventricular. No eletrocardiograma, são observadas alterações de repolarização, como inversão da onda T nas derivações inferolaterais, prolongamento de intervalo QTc e extrassístoles ventriculares frequentes, muitas vezes originadas dos músculos papilares ou da via de saída do ventrículo esquerdo (morfologia de bloqueio de ramo direito). 

O diagnóstico de prolapso mitral arritmogênico requer a confirmação da presença de prolapso mitral, com ou sem disjunção do anel mitral. É necessário também identificar arritmias ventriculares, que podem ser frequentes (com densidade de extrassístoles ventriculares igual ou superior a 5% do total no holter) ou complexas (incluindo taquicardia ventricular não sustentada, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular). Além disso, é essencial excluir a presença de outros substratos arrítmicos bem definidos que possam explicar as arritmias observadas. Essas manifestações ao eletrocardiograma — inversão de onda T, prolongamento do intervalo QTc e arritmias ventriculares — são essenciais para a estratificação de risco e o manejo dos pacientes com prolapso mitral arritmogênico.

 

Referências:

  1. Eletrocardiograma em 7 aulas – Temas avançados e outros métodos – Friedmann 2ª edição, editora Manole.
  2. Pastore, CA et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Brasileiros de Cardiologia. 2016, v. 106, n. 4 Suppl 1. https://doi.org/10.5935/abc.20160054.
  3. Wave-maven ECG (https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/displist.asp?ans=1)
  4. https://radiopaedia.org/
  5. https://www.cardiosurgerypost.com/single-post/2017/08/29/anatomia-da-valva-mitral-conceitos-b%C3%A1sicos-e-armadilhas-cir%C3%BArgicas
  6. Deng Y, Liu J, Wu S, Li X, Yu H, Tang L, Xie M, Zhang C. Arrhythmic Mitral Valve Prolapse: A Comprehensive Review. Diagnostics (Basel). 2023 Sep 6;13(18):2868. doi: 10.3390/diagnostics13182868. 
  7. Avi Sabbag, et al, EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society, EP Europace, Volume 24, Issue 12, December 2022, Pages 1981–2003, https://doi.org/10.1093/europace/euac125

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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.

Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.