Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 10 – Complicações à distância: como diagnosticar e tratar
Dra. Daniella Nazetta
Complicações à distância da endocardite infecciosa: Como diagnosticar e tratar
As complicações à distância da EI refletem a natureza sistêmica da doença e representam importantes causas de morbimortalidade. Elas ocorrem principalmente por meio de embolizações sépticas, que consistem no desprendimento de fragmentos de vegetações que podem se alojar em diversos órgãos, provocando infartos, abscessos, além de trazer graves repercussões clínicas potencialmente fatais. Dentre elas, destacam-se:
- Acidente Vascular Cerebral (AVC)
As manifestações neurológicas estão entre as mais frequentes e temidas, podendo ocorrer em até 40% dos casos. O AVC isquêmico, mais comum, ocorre resultante da obstrução de artérias pelo êmbolo e o AVC hemorrágico resulta especialmente em pacientes com aneurismas micóticos que se rompem. Os aneurismas nada mais são do que dilatações arteriais secundárias à fragilidade da parede vascular causada pela disseminação hematogênica de microrganismos. Além disso pode ocorrer abcesso cerebral e meningite asséptica ou purulenta, embora sejam menos frequentes.
O diagnóstico é realizado através de imagem cerebral como a tomografia ou ressonância magnética de crânio, e nos casos de suspeita de meningite, é necessária a realização de punção lombar. No caso do aneurisma micótico é necessária angiotomografia ou angiografia por ressonância magnética, essenciais para avaliar localização, forma e risco de ruptura. Em alguns casos, indica-se arteriografia cerebral.
O tratamento do AVC decorrente de EI se diferencia das outras etiologias de AVC. O tratamento com antibioticoterapia por pelo menos 4 a 6 semanas é essencial para controle infeccioso e de novas complicações. Além disso, no AVC isquêmico a trombólise é contraindicada devido alto risco de transformação hemorrágica decorrente do sangramento de aneurismas micóticos. A trombectomia mecânica pode ser realizada em casos individualizados, em até 24h do início dos sintomas e quando não houver contraindicação mecânica ou infecciosa. No AVC hemorrágico o tratamento incluí o suporte clínico e avaliação de aneurismas micóticos com risco de ruptura para embolização endovascular ou cirurgia.
O tratamento para os aneurismas pequenos, estáveis e assintomáticos incluí apenas o tratamento antimicrobiano da EI. Em casos de aneurismas com risco de ruptura, há preferência por embolização endovascular.
- Complicações oculares
A embolização séptica retiniana resulta de fragmentos de vegetações infectadas que migram para as artérias retinianas, causando infartos e hemorragias locais. Pode levar à perda visual súbita, parcial ou total, de um ou ambos os olhos, à depender onde o embolo irá se alojar.
As manchas de Roth são lesões hemorrágicas retinianas, com centro esbranquiçado, resultantes de fenômenos imunomediados (vasculite local). Embora não sejam patognomônicas, estão fortemente associadas a EI quando associadas a outros achados sugestivos. As lesões podem ser assintomáticas ou associadas a turvação visual.
O diagnóstico de ambas as complicações é realizado através de fundoscopia que irão mostrar áreas de isquemia e/ou hemorragias locais, e a clássica mancha de Roth.
Outras complicações oculares raras, mas potencialmente graves da endocardite são a endoftalmite e neurite óptica. O diagnóstico é feito por exame oftalmológico clínico completo incluindo campimetria visual, fundoscopia e ultrassonografia ocular. A cultura vítrea deve ser realizada, porém devido a gravidade, muitas vezes o tratamento já é iniciado antes mesmo do resultado da cultura.
A única complicação ocular que possuí tratamento específico é a endoftalmite, que requer antibioticoterapia intraocular além da sistêmica. A vitrectomia deve ser realizada de forma urgente em casos graves e de má resposta aos antimicrobianos. As demais complicações não possuem tratamento específico para reversão, além do tratamento com antibiótico para controle da infecção.
- Complicações renais
A glomerulonefrite imunomediada é uma das complicações renais mais clássicas da EI, e ocorre por mecanismo imunomediado. Há a formação de complexos imunes circulantes que se depositam nos glomérulos, resultando em inflamação e lesão capilar. O paciente cursa com hematúria (micro e/ou macroscópica), proteinúria, insuficiência renal aguda, e no geral acomete pacientes com EI por Streptococcus viridans.
Outras complicações renais menos comuns podem ocorrer, como: infarto renal por embolização séptica e abcesso renal.
O diagnóstico é realizado através de tomografia de abdome, em alguns casos há a necessidade de biópsia renal e exames laboratoriais como ureia, creatinina e urina 1 também mostram alterações.
O tratamento baseia-se no controle da infecção com antibioticoterapia por pelo menos 4 a 6 semanas. A lesão renal tende a regredir conforme o controle infeccioso, porém em casos mais agressivos e de rápida evolução, pode ser necessária pulsoterapia.
- Complicações esplênicas
As complicações esplênicas ocorrem principalmente pela embolização séptica, podendo resultar em infarto e abcesso esplênico. O infarto pode ser assintomático e resulta da obstrução do fluxo de sangue. O abcesso surge quando o êmbolo causa uma infecção no tecido e o paciente normalmente apresenta febre persistente, dor esplênica e mal-estar. Ambas as complicações podem evoluir para um quadro mais grave e potencialmente fatal que é a ruptura esplênica. O paciente apresenta evolução rápida com dor aguda, hipotensão e sinais de choque hemorrágico.
O diagnóstico é feito através de tomografia de abdome com contraste que identifica áreas de necrose e coleção purulenta.
O infarto esplênico não complicado possuí manejo conservador com antibioticoterapia e acompanhamento clínico. Nos casos de abcesso esplênico, além do manejo com os antimicrobianos, alguns casos necessitam drenagem do abcesso e em casos mais graves, esplenectomia. A ruptura de baço, por ser tratar de uma complicação bastante grave, requer cirurgia de emergência.
- Complicações músculo-esqueléticas
A artrite séptica, osteomielite e espondilodiscite podem ocorrer por disseminação hematogênica do agente infeccioso. O paciente apresenta dor no local afetado, febre persistente e limitação do movimento.
O diagnóstico é realizado através de exame de ressonância magnética, e no caso da artrite séptica pode ser necessário punção e cultura do líquido sinoval.
Nos casos de artrite séptica o tratamento é realizado com antibioticoterapia direcionada, em alguns casos para alívio de sintomas é necessária punção articular ou drenagem cirúrgica em casos mais graves. Já na osteomielite e espondilodiscite, a antibioticoterapia deve ser mantida por no mínimo 6 semanas, é necessária a imobilização nos casos em que a coluna é afetada, e a cirurgia está reservada para os casos de compressão neurológica, instabilidade ou falha no tratamento clínico.
- Complicações pulmonares
As complicações pulmonares ocorrem principalmente de endocardite do lado direito do coração, especialmente envolvendo a valva tricúspide, e frequentemente associada a usuários de drogas injetáveis ou portadores de dispositivos intracardíacos.
Assim como a maioria das outras complicações, as pulmonares também ocorrem por embolização séptica que pode resultar em: embolia pulmonar séptica, abcesso pulmonar, empiema e infarto pulmonar.
O diagnóstico é feito através de tomografia de tórax com ou sem contraste, a depender da necessidade. E o tratamento incluí antibioticoterapia prolongada guiada por hemocultura, quadro clínico e exame de imagem, além de drenagem do empiema/abcesso, em caso de necessidade.
Referências
- Delgado V, Haugaa KH, Montserrat S, Muraru D, Popescu BA, Dweck MR, et al. 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis. Eur Heart J. 2023;44(39):3948–4042. doi:10.1093/eurheartj/ehad193
- Baddour LM, Wilson WR, Bayer AS, Fowler VG Jr, Tleyjeh IM, Rybak MJ, et al. Infective Endocarditis in Adults: Diagnosis, Antimicrobial Therapy, and Management of Complications: A Scientific Statement for Healthcare Professionals From the American Heart Association. Circulation. 2015;132(15):1435–1486. doi:10.1161/CIR.0000000000000296
- Zipes DP, Libby P, Bonow RO, Mann DL, Tomaselli GF, editors. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. 12th ed. Philadelphia: Elsevier; 2021
- Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720–775. doi:10.36660/abc.20201047
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Quais são as complicações à distância da endocardite infecciosa, como diagnosticar e tratar?
A Dra. Daniella Nazzetta esclarece essas questões no décimo episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.
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