Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 4: ecocardiograma transtorácico e transesofágico
Dra. Daniella Nazzetta
O ecocardiograma é um dos exames mais importantes no manejo de pacientes com endocardite infecciosa (EI). É o primeiro exame de imagem solicitado frente à suspeita da doença e deve ser realizado o mais brevemente possível. O exame é contemplado nos critérios de Duke, e, quando positivo, conta como um critério maior de envolvimento endocárdico. Além de confirmar o diagnóstico da doença, o ecocardiograma pode fornecer informações sobre características e complicações da EI, como tamanho da vegetação, presença de abscesso perivalvar, pseudoaneurisma, deiscência de prótese valvar, fístula e perfuração de folheto.
Inicialmente, um ecocardiograma transtorácico (EcoTT) deve ser realizado no paciente com suspeita da doença. Porém, o exame possui baixa sensibilidade com uma boa especificidade, quando comparado com o ecocardiograma transesofágico (EcoTE), o qual é útil nos pacientes que possuem uma janela acústica limitada, na suspeita de complicações perivalvares, vegetações pequenas, endocardite protética e vegetações associadas a dispositivos eletrônicos implantáveis cardíacos. O EcoTE está fortemente recomendado em pacientes com EcoTT inconclusivo, ou negativo com alta suspeita de EI, ou mesmo quando o exame é positivo e é necessário documentar complicações locais (ex: abscesso perivalvar).
Deve-se considerar repetir o exame de ecocardiograma durante a EI não complicada para avaliar complicações assintomáticas e o tamanho das vegetações. O momento e a modalidade do ecocardiograma a ser repetido dependem dos achados do primeiro exame, o tipo de microrganismo identificado e da resposta à antibioticoterapia. Mas, no geral, deve-se repetir o exame de 5 a 7 dias após um ecocardiograma inicial normal ou inconclusivo, caso a suspeita da infecção seja alta, e em paciente com infecção diagnosticada, quando existe alto risco de complicações (ex: germes agressivos ou pacientes com próteses valvares).
O ecocardiograma pode apresentar resultado falso-positivo em até 15% dos casos, principalmente em pacientes com lesões valvares graves, como prolapso da valva mitral, alterações degenerativas e pacientes com próteses valvares. O diagnóstico em pacientes com valvas protéticas pode ser mais desafiador, tendo o ecocardiograma, tanto transtorácico quanto o transesofágico, uma sensibilidade e especificidade menores quando comparados com pacientes com valvas nativas. Em algumas situações, pode ser difícil diferenciar vegetações de trombos, prolapsos de cúspide, principalmente quando há corda rota, tumores cardíacos, alterações mixomatosas ou vegetações não infecciosas. Nos casos duvidosos, podemos lançar mão de outros métodos de imagem como a tomografia cardíaca.
Tabela 1. Recomendações do papel do ecocardiograma na EI segundo as diretrizes europeias (ESC)
Recomendação | Classe | Nível de evidência |
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EcoTT é recomendado como a modalidade de imagem de primeira linha na suspeita de EI | I | B |
EcoTE é recomendado para todos os pacientes com suspeita clínica de EI e um EcoTT negativo ou não diagnóstico | I | B |
EcoTE é recomendado para pacientes com suspeita clínica de EI quando há uma válvula cardíaca protética ou um dispositivo intracardíaco | I | B |
Repetir o EcoTT e/ou EcoTE dentro de 5 a 7 dias é recomendado em casos de exame inicialmente negativo ou inconclusivo, quando a suspeita clínica de EI permanece alta | I | C |
EcoTE é recomendado para pacientes com suspeita de EI, mesmo com EcoTT positivo (exceto na EI isolada do lado direito em válvula nativa, com exame de EcoTT de boa qualidade e achados ecocardiográficos inequívocos) | I | C |
A realização de ecocardiograma deve ser considerada em casos de bacteremia por S. aureus, E. faecalis e algumas espécies de Streptococcus | IIa | B |
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Repetir o EcoTT e/ou EcoTE é recomendado na suspeita de uma nova complicação da EI (novo sopro, embolia, febre e bacteremia persistentes, IC, abscesso, BAV) | I | B |
EcoTE é recomendado quando o paciente está estável, antes da transição da terapia antibiótica intravenosa para oral | I | B |
Durante o acompanhamento da EI não complicada, deve-se considerar novo EcoTT e/ou EcoTE para detectar novas complicações silenciosas. O melhor momento depende dos achados iniciais, do tipo de microrganismo e da resposta inicial à terapia | IIa | B |
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O ecocardiograma intraoperatório é recomendado em todos os casos de EI que necessitam de cirurgia | I | C |
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EcoTT e/ou EcoTE são recomendados ao final da terapia antibiótica para avaliação da morfologia e função cardíaca e das válvulas em pacientes com EI que não passaram por cirurgia | I | C |
Bibliografia:
- Cordeiro Fernandes, J. R., Pezzute Lopes, M., Focaccia Siciliano, R., & Tavares Veronese, E. (2022). Endocardite infecciosa. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, 32(2), 183-194.
- Coisne, A., Lancellotti, P., Habib, G., Garbi, M., Dahl, J. S., Barbanti, M., Vannan, M. A., Vassiliou, V. S., Dudek, D., Chioncel, O., Waltenberger, J. L., Johnson, V. L., De Paulis, R., Citro, R., Pibarot, P., & EuroValve Consortium (2023). ACC/AHA and ESC/EACTS Guidelines for the Management of Valvular Heart Diseases: JACC Guideline Comparison. Journal of the American College of Cardiology, 82(8), 721–734. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2023.05.061.
- Delgado, V., Ajmone Marsan, N., de Waha, S., Bonaros, N., Brida, M., Burri, H., Caselli, S., Doenst, T., Ederhy, S., Erba, P. A., Foldager, D., Fosbøl, E. L., Kovac, J., Mestres, C. A., Miller, O. I., Miro, J. M., Pazdernik, M., Pizzi, M. N., Quintana, E., Rasmussen, T. B., … ESC Scientific Document Group (2023). 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis. European heart journal, 44(39), 3948–4042. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehad193
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Quando realizar e quais achados esperar no ecocardiograma transtorácico e transesofágico para detecção e acompanhamento da endocardite infecciosa?
A Dra. Daniella Nazzetta explica sobre o assunto no quarto episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.
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