Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 7: quando iniciar o tratamento com antibióticos?
Dra. Fernanda Tessari
O tratamento da endocardite infecciosa deve ser iniciado prontamente, aguardando-se apenas o tempo para adequada coleta de hemoculturas. A escolha inicial dos antibióticos dependerá de alguns fatores: 1) uso prévio de antibióticos; 2) endocardite de válvula nativa ou prótese (e o tempo de implantação da mesma); 3) epidemiologia do local onde foi contraída a infecção (comunidade, hospitalar, instituição de cuidado à saúde). Assim, seguimos as seguintes orientações:
- Endocardite de válvula nativa ou prótese valvar implantada há mais de 12 meses
- Cobertura para estafilococo, estreptococo e enterococcus;
- Recomendação: ampicilina + ceftriaxone ou oxacilina + gentamicina
- Se alergia a penicilinas: cefazolina ou vancomicina + gentamicina
- Endocardite de prótese implantada há menos de 12 meses ou endocardite adquirida em ambiente hospitalar ou insituição de cuidado à saúde
- Cobertura para estafilococo resistente à meticilina, enterococcus e patógenos Gram-negativos não-HACEK
- Recomendação: vancomicina ou daptomicina + gentamicina + rifampicina*
*A rifampicina deve ser iniciada após hemoculturas negativas ou após 3-5 dias do início do tratamento a fim de evitar resistência bacteriana, especialmente de Estafilococos.
Após a identificação do agente etiológico, o esquema deve ser alterado de acordo com o resultado da cultura e antibiograma (as principais indicações estão sumarizadas na tabela 1). Entretanto, em parte considerável dos casos, temos hemoculturas negativas, o que frequentemente é devido ao uso prévio de antibióticos, devendo ser considerada a suspensão dos mesmos para nova coleta de culturas em pacientes estáveis (endocardite subaguda). Em outros casos, as hemoculturas podem ser negativas por tratar-se de infecção por germes que não crescem em meios convencionais de cultura, como Coxiella burnetii, Bartonella spp. e Brucella spp., ou mesmo fungos, sendo necessária a realização de testes sorológicos, uso de meios de culturas especiais ou até mesmo outros testes microbiológicos para a detecção do agente etiológico. Ainda assim, em alguns casos não é possível isolar o microorganismo responsável pela endocardite, devendo ser mantido o tratamento empírico.
De maneira geral, deve-se manter o tratamento por 4 a 6 semanas se válvula nativa e por pelo menos 6 semanas se prótese valvar, contadas a partir da primeira hemocultura negativa. Em casos cirúrgicos, caso a cultura da válvula seja positiva, um novo ciclo deve ser iniciado a partir da data da cirurgia.
Tabela 1.
Agente etiológico | Antibióticos indicados | Duração típica |
Estreptococo oral, Streptococcus viridans e Streptococcus gallolyticus (sensíveis à penicilina) | Penicilina G, amoxicilina ou Ceftriaxona ± Gentamicina | 4 ou 6 semanas (nativa ou prótese; monoterapia); 2 semanas (com gentamicina, apenas se válvula nativa) |
Estafilococos — válvula nativa | – MSSA: Oxacilina ou cefazolina ± Gentamicina;
– MRSA: Vancomicina |
4-6 semanas |
Estafilococos — prótese valvar | – MSSA: Oxacilina ou Cefazolina + Rifampicina + Gentamicina (2 semanas)
– MRSE: Vancomicina + Rifampicina + Gentamicina (2 semanas) |
≥6 semanas |
Enterococcus faecalis/faecium | Ampicilina + Gentamicina (2 semanas) ou Ampicilina + Ceftriaxona | 4-6 semanas |
HACEK | Ceftriaxona (ou Fluoroquinolona) | 4 semanas (nativa); 6 semanas (prótese) |
Bacilos Gram-negativos não HACEK | Beta-lactâmico de amplo espectro + Aminoglicosídeo ou Fluoroquinolona | ≥6 semanas |
Fúngica | Equinocandina ou Anfotericina B lipossomal | ≥6 semanas, frequentemente terapia supressiva crônica (fluconazol ou voriconazol) |
MSSA: estafilococo sensível a meticilina; MRSA: estafilococo resistente à meticilina
E quanto ao tratamento ambulatorial?
Considerando que o tratamento da endocardite infeccioso é bastante prolongado, podendo ser necessárias até 6 semanas de antibioticoterapia, discute-se a factibilidade de alternativas de tratamento domiciliar visando tanto a redução de custos hospitalares, quanto a possibilidade de alta mais precoce e consequente redução de outras complicações associadas à internação.
Assim, surge a possibilidade de antibioticoterapia parenteral ambulatorial, em que inicia-se a administração de antibióticos intravenosos durante a internação, em geral por pelo menos 2 semanas, e o término do tratamento é realizado após alta hospitalar com apoio de uma equipe multidisciplinar. Entretanto, para que um paciente seja considerado para esta estratégia, vários pontos devem ser levados em consideração:
- O paciente deve apresentar função cognitiva adequada, saúde mental preservada, rede de apoio social estruturada e viver a uma distância aceitável do hospital com possibilidade de deslocamento e contato telefônico;
- Devem ser excluídas complicações da endocardite infecciosa, como eventos embólicos, insuficiência cardíaca, abscessos ou aneurismas;
- O paciente não deve apresentar outras comorbidades que necessitem de hospitalização, como falências orgânicas, focos extra-cardíacos de infecção, hipertensão não controlada, envolvimento neurológico, etc.;
- Deve apresentar acesso intravenoso estável e sinais de boa resposta ao tratamento, como hemoculturas negativas, ausência de febre, queda de marcadores inflamatórios (contagem de leucócitos, PCR), função renal e hepática estáveis e ausência de coagulopatia;
- O eletrocardiograma não pode apresentar bloqueios atrioventriculares de 2º ou 3º grau ou outras arritmias e o ecocardiograma deve demonstrar redução da vegetação, com diâmetros abaixo de 10 mm e ausência de complicações paravalvares.
O paciente deve ser monitorizado com avaliação clínica, laboratorial, eletro e ecocardiográfica regularmente e a qualquer sinal de complicação ou resposta inadequada ao tratamento, deve ser novamente revertido para o tratamento hospitalar.
Outro ponto de discussão, e ainda mais polêmico, diz respeito ao uso de antibioticoterapia oral para o tratamento da endocardite infecciosa ambulatorialmente. Em 2018 foi realizado o estudo Partial Oral versus Intravenous Antibiotic Treatment of Endocarditis (POET), que randomizou 400 pacientes adultos com endocardite do lado esquerdo do coração e hemoculturas positivas para Streptococcus, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus ou Staphylococcus coagulase-negativo. Todos receberam ao menos 10 dias de antibioticoterapia intravenosa e metade deles completaram o tratamento com regime oral ambulatorialmente. Todos os pacientes apresentavam-se clinicamente estáveis, sem evidências de complicações clínicas e ao ecocardiograma transesofágico, e com resposta satisfatória ao tratamento inicial. O estudo demonstrou que o tratamento parcialmente oral foi não inferior em termos de mortalidade em relação ao tratamento intravenoso contínuo.
Entretanto, o estudo apresenta várias limitações, como a inclusão apenas de 4 tipos de bactérias, a ausência de resistência bacteriana, mínima representabilidade de usuários de drogas intravenosas e ausência de endocardite do lado direito do coração. Além disso, caso indicada, a cirurgia cardíaca deve ocorrer dentro das primeiras 2 semanas de tratamento hospitalar, assim como a drenagem de abscessos e remoção de dispositivos intracardíacos infectados. Assim, a decisão pela transição para o tratamento oral deve levar em consideração as particularidades de cada paciente, incluindo o risco de complicações, efeitos adversos das medicações, risco de resistência microbiana e contexto socioeconômico, de modo a restringir tal estratégia apenas a casos minuciosamente selecionados.
Referências bibliográficas
Delgado V, Ajmone Marsan N, de Waha S, et al. 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis [published correction appears in Eur Heart J. 2023 Dec 1;44(45):4780. doi: 10.1093/eurheartj/ehad625.] [published correction appears in Eur Heart J. 2024 Jan 1;45(1):56. doi: 10.1093/eurheartj/ehad776.] [published correction appears in Eur Heart J. 2025 Mar 13;46(11):1082. doi: 10.1093/eurheartj/ehae877.]. Eur Heart J. 2023;44(39):3948-4042. doi:10.1093/eurheartj/ehad193
Pericàs, JM, Llopis, J, González-Ramallo, et al. Outpatient Parenteral Antibiotic Treatment (OPAT) for Infective Endocarditis: a Prospective Cohort Study From the GAMES Cohort. Clinical Infectious Diseases. doi:10.1093/cid/ciz030.
Iversen, K, Ihlemann, N, Gill, Su, et al. Partial Oral versus Intravenous Antibiotic Treatment of Endocarditis. New England Journal of Medicine. doi:10.1056/nejmoa1808312.
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Em que momento devemos iniciar e quais são os esquemas de tratamento com antibiótico da endocardite infecciosa? Há evidências para o tratamento ambulatorial? No 7º episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa, a Dra. Fernanda Tessari explica como é o manejo do tratamento da doença com antibióticos.
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