Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 6: diagnóstico ecocardiográfico
Dr. Alberto Rodolpho Huning
O ecocardiograma transtorácico é o principal exame empregado para a definição da gravidade anatômica da Insuficiência Mitral (IM). Diversos parâmetros podem ser utilizados para essa quantificação, sendo de fundamental importância um exame detalhado e completo. Além da definição da gravidade anatômica, é uma ferramenta fundamental para definir a etiologia e a presença de complicadores, etapas necessárias para a programação terapêutica(1).
- A primeira pergunta a ser respondida durante a realização do exame é: qual o mecanismo responsável pela IM?
Devido à alta sensibilidade do Doppler, é comum a detecção de regurgitação discreta em indivíduos saudáveis e com aparato mitral normal. Quando detecta-se uma regurgitação moderada, é importante olhar com atenção o aparato mitral em busca do mecanismo etiológico.
O aparato mitral é composto pelo folheto anterior e posterior, anel mitral, cordoalhas tendíneas, músculos papilares e também pela função ventricular. A mobilidade é avaliada utilizando a classificação de Carpentier, que propõe uma divisão em 3 tipos baseada no provável substrato fisiopatológico. Na IM tipo I, a mobilidade dos folhetos é normal, na IM tipo II, a mobilidade dos folhetos é excessiva e na IM tipo III, a mobilidade é restrita. Quando tanto a morfologia e a mobilidade são avaliadas, consegue-se determinar o mecanismo da regurgitação (primário, secundário ou misto).
- Insuficiência Mitral Primária: Anormalidades estruturais nos folhetos (espessamento, protrusão, perfuração, retração, etc) ou aparelho subvalvar (ruptura de cordoalhas tendíneas).
- Insuficiência Mitral Secundária: A IM secundária decorre de alterações ventriculares (disfunção e/ou dilatação), dissincronia do VE (bloqueio de ramo direito, estimulação ventricular direita) que provocam a dilatação do anel mitral, ou dilatação do átrio esquerdo ( FA crônica ou cardiomiopatia restritiva), que também pode causar dilatação do anel mitral, com folhetos valvares mitrais e as cordoalhas normais.
- Insuficiência Mitral Mista: Pacientes com mecanismo primário (acometimento do aparato mitral) em associação com dilatação do anel mitral. Comum em idosos com alterações fibrocalcíficas na valva. Geralmente há um mecanismo predominante (primário ou secundário)(2).
- A segunda pergunta é: qual a gravidade da insuficiência mitral?
Existem diversos parâmetros ecocardiográficos que devem ser utilizados em conjunto para responder a essa pergunta.
- Área do jato regurgitante: Excelente para excluir IM, mas não é uma maneira confiável para graduar sua gravidade anatômica, mesmo utilizando a área indexada do AE. É também dependente do mecanismo causador e acaba sendo superestimada quando a regurgitação não é holossistólica. Na presença de jatos excêntricos, a área do jato pode ser subestimada. Quando é avaliada em conjunto com a vena contracta e com a convergência de fluxo é um parâmetro bastante útil. Uma Área do jato ≥ 40% da área do AE indica IM importante.
- Vena contracta: é o ponto de maior estreitamento do jato regurgitante, distal ao orifício regurgitante. Uma medida de vena contracta maior ou igual a 0,7 é bastante específica para IM importante. A área de secção transversal da vena contracta caracteriza uma medida da área do orifício regurgitante efetivo (ERO).
- PISA (Proximal isovelocity surface area): Utilizado para calcular a área de orifício regurgitante efetivo (ERO), volume e fração de sangue regurgitantes para o átrio esquerdo (fórmulas matemáticas e inferência hemodinâmica).
É importante avaliá-los em conjunto, pois, a depender do contexto, podem ser sub ou superestimados (um dado valor de volume regurgitante pode gerar uma fração de sangue regurgitante diferente dependo da função ventricular esquerda). A presença de jatos excêntricos também dificulta a utilização do método.
O raio do PISA (r) é medido a partir do ponto de aliasing do Doppler colorido (mudança abrupta na cor de azul para amarelo se a direção do jato estiver longe do transdutor) até a vena contracta.
Temos então as seguintes fórmulas:
- Fluxo regurgitante = (2×3,14xr² x Velocidade aliasing)
- ERO = fluxo regurgitante / velocidade de pico regurgitante
- Volume regurgitante = ERO X VTI (integral da velocidade) do jato regurgitante
- Fração regurgitante = volume regurgitante/stroke volume
Caracterizam a presença de IM importante a presença de uma Fração de sangue regurgitante ≥ 50%, Volume regurgitante ≥ 60 mL/batimento e ERO ≥ 0,40 cm².
- Repercussões em câmaras esquerdas: As dimensões das câmaras esquerdas (AE e VE) geralmente estarão aumentados na IM crônica, o que diferente da IM aguda, que cursa com cavidades de tamanhos normais, porém com pressões de AE e pressões pulmonares significativamente elevadas. Se tanto os diâmetros quanto as pressões em câmaras esquerdas e capilar pulmonar estiverem normais, a probabilidade da IM ser importante é baixa.
Na IM secundária essa avaliação é mais difícil e enviesada, pois as repercussões nas câmaras cardíacas e na circulação pulmonar podem ser decorrentes da doença de base.
- Relação da onda E e A: a onda E corresponde à fase inicial da diástole, enquanto a onda A se associa à contração do átrio E. Na IM importante, normalmente temos uma onda E maior que a onda A, sendo geralmente a velocidade da onda E >1,2 m/s.
- Fluxo em veias pulmonares: a presença de fluxo sistólico reverso em veias pulmonares fala a favor de regurgitação importante.
Importante perceber que esses parâmetros apresentam precisão e reprodutibilidade limitadas e interagem de maneira complexa e dependente entre si. Recomenda-se, portanto, o uso conjunto de parâmetros quantitativos e qualitativos para definir a gravidade anatômica da insuficiência mitral(2, 3):
Área do jato | Fração regurgitante | Volume regurgitante (ml/bat) | Vena contracta (cm) | ERO (cm²) | |
IM Discreta | < 20% | <30% | < 30 | < 0,3 | <0,20,39 |
IM Moderada | 20-40% | 30-49% | 30-59 | 0,3-0,69 | 0,2-0,39 |
IM importante | ≥40% | ≥50% | ≥60 | ≥0,7 | ≥ 0,40 |
- A terceira pergunta a ser respondida é: existem complicadores?
Principalmente em pacientes com IM importante e assintomáticos, a pesquisa de complicadores e marcadores de mau prognóstico é fundamental para a tomada de decisão.
- FEVE ≤ 60% ou queda progressiva da FEVE (mesmo que normal) durante a evolução
- Remodelamento progressivo do VE (DSVE ≥ 40 mm)
- PSAP ≥ 50 mmHg em repouso ou ≥ 60 mmHg ao exercício
- Volume de AE ≥ 60 ml/m²(1)
Referências:
- Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIdO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 2020;115(4):720-75.
- Grayburn PA, Thomas JD. Basic Principles of the Echocardiographic Evaluation of Mitral Regurgitation. JACC Cardiovasc Imaging. 2021;14(4):843-53.
- Zoghbi WA, Adams D, Bonow RO, Enriquez-Sarano M, Foster E, Grayburn PA, et al. Recommendations for Noninvasive Evaluation of Native Valvular Regurgitation: A Report from the American Society of Echocardiography Developed in Collaboration with the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. J Am Soc Echocardiogr. 2017;30(4):303-71.
Quando realizar o exame ecocardiográfico para concluir o diagnóstico de insuficiência mitral? Quais são as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia? Este é o tema da aula 6 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pelo Dr. Alberto Rodolpho Hüning.
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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.
Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.
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