Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 8: quais os tratamentos disponíveis
Mariana Pezzute Lopes
No momento de indicar o tratamento da insuficiência mitral, é preciso definir o mecanismo da regurgitação mitral, sobretudo se estamos diante de uma insuficiência mitral primária ou secundária, tendo em vista que o tratamento dessa valvopatia está intimamente atrelado à sua etiologia.
A classificação de Carpentier, na qual dividimos o mecanismo da insuficiência mitral nos tipos 1,2 e 3 é essencial no manejo do paciente valvopata. Carpentier tipo 1 (na qual os folhetos têm movimentação e posicionamento normais), é encontrado nos pacientes com endocardite com perfuração do folheto gerando a regurgitação valvar; ou naqueles pacientes com fibrilação atrial (FA) crônica e dilatação do anel mitral levando à insuficiência mitral funcional atrial; ou ainda, nos casos de miocardiopatia dilatada gerando tracionamento apical (tethering) e falha de coaptação. No Carpentier tipo 2, basicamente estamos falando da insuficiência mitral por prolapso, na qual temos hipermobilidade dos folhetos como determinante da regurgitação. E por fim, no Carpentier tipo 3A encontramos restrição da movimentação dos folhetos, seja por comprometimento reumático ou calcificação do anel mitral, além de outras causas mais raras; no Carpentier tipo 3B, a restrição de movimentação ocorre apenas durante a sístole, como no caso da miocardiopatia isquêmica.
De acordo com o fluxograma da diretriz brasileira de valvopatias, após definirmos a gravidade anatômica da insuficiência mitral e identificarmos a sua etiologia, caso o paciente apresente sintomas ou complicadores (disfunção e/ou dilatação ventricular, hipertensão pulmonar ou FA início recente) vamos indicar o tratamento intervencionista. Lembrando que o tratamento clínico não muda a evolução da doença, não previne progressão e nem reduz mortalidade, permite apenas o controle sintomático.
Tendo sido indicado a intervenção valvar, sempre que possível vamos tentar preservar a valva nativa, sobretudo quando estamos diante do prolapso mitral. A indicação de plástica com anel é indicação classe I no prolapso da cúspide posterior, segmento P2, e a cirurgia de troca valvar só deve ser considerada nos casos de anatomia desfavorável à plástica. Vale a pena ressaltar que nos pacientes com anatomia favorável à plástica, de baixo risco cirúrgico, e que se encontram em grandes centros com taxa de sucesso com plástica acima de 95%, podemos inclusive considerar a cirurgia valvar mais precocemente (early surgery), mesmo nos pacientes assintomáticos e sem complicadores, considerando a grande chance de preservação da valva, a boa durabilidade das plásticas e visando evitar o remodelamento cardíaco ao longo da evolução da valvopatia. Nos pacientes reumáticos, um mundo à parte, a plástica valvar tem resultados menos favoráveis, não sendo indicada de rotina. Nesses casos a cirurgia de troca valvar é indicada.
Mais recentemente, desde o EVEREST II em 2011, sabemos que para os pacientes com insuficiência mitral primária degenerativa por prolapso, de alto risco cirúrgico e refratários ao tratamento clínico, se condições anatômicas favoráveis, podemos considerar a clipagem mitral, visando sobretudo melhora de qualidade de vida e capacidade funcional.
Por fim, no caso de insuficiência mitral secundária, o foco é na doença de base. Quando estamos diante da insuficiência mitral funcional atrial o objetivo é controle da frequência cardíaca e avaliar restabelecer o ritmo sinusal. Naqueles pacientes com miocardiopatia dilatada, o tratamento otimizado para a insuficiência cardíaca gera remodelamento ventricular e muitas vezes reduz o grau de regurgitação mitral, levando à melhora sintomática e da sobrevida. Pacientes que permanecem sintomáticos, mantendo CF III da NYHA, apesar de toda a terapia otimizada podemos considerar a clipagem mitral, sobretudo visando reduzir sintomas e hospitalização. É importante frisar que o maior benefício da clipagem percutânea da valva mitral ocorre nos pacientes com a chamada “insuficiência mitral desproporcionada”, perfil típico do estudo COAPT, aqueles pacientes com insuficiência mitral significativa, porém com ventrículo esquerdo não tão remodelado.
Referências:
Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(4):720-775
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Grayburn PA, Sannino A, Packer M. Proportionate and Disproportionate Functional Mitral Regurgitation: A New Conceptual Framework That Reconciles the Results of the MITRA-FR and COAPT Trials. JACC Cardiovasc Imaging. 2019 Feb;12(2):353-362.
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Quais são os tratamentos disponíveis para insuficiência mitral? Este é o tema da aula 8 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral, ministrada pela Dra. Mariana Pezzute Lopes, que explica quais tratamentos são indicados para casos primários e secundários.
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