Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral – Episódio 9: early surgery e watchful waiting
Vitor Emer Egypto Rosa
A anatomia da insuficiência mitral por prolapso traz uma característica favorável à plástica valvar, ou seja, a ressecção do segmento valvar doente com preservação da válvula nativa. As evidências demonstram que a plástica é superior à troca valvar. Dessa maneira, pensando na manutenção da válvula nativa, foi proposto por muitos autores a intervenção precoce (early surgery) nesses pacientes, antes mesmo do aparecimento de sintomas e/ou complicadores. Tal indicação é classe IIa com nível de evidência B nas diretrizes da SBC, AHA/ESC e ESC quando o procedimento possa ser realizado em centros de excelência, com taxas de sucesso da plástica maiores que 95%. Entretanto, devido às dificuldades na realização de trials comparando a intervenção precoce com o seguimento clínico (watchful waiting), as evidências que suportam tais indicações são bastante discutíveis.
Em 2015, foi publicada uma metanálise com 5 estudos evidenciando o benefício da early surgery comparado ao watchful waiting. Nenhum desses estudos comparou diretamente as 2 propostas. Dois desses estudos foram de braço único (apenas watchful waiting), enquanto os 3 estudos restantes compararam a early surgery com um seguimento clínico não padronizado, ou seja, ao invés de realizarem o watchful waiting adequado, que prevê avaliação clínica, eletrocardiograma e ecocardiograma a cada 6 meses, além de intervenção assim que sintomas ou complicadores surgirem, tais estudo seguiam os pacientes a cada ano e muitas vezes por contato telefônico.
Destes, o estudo de Kang et al foi um registro, de 1996 a 2009, no qual o follow-up foi com visitas anuais ou telefônicas. Houve redução na morte cardíaca com a early surgery, porém AVC e infecção não foram contabilizados como morte cardíaca. O estudo de Suri et al também foi um registro, de 1980 a 2004, sem descrição do seguimento clínico, com redução de morte por todas as causa com a early surgery. Porém, 19,1% dos pacientes já tinham indicação de intervenção (fibrilação atrial ou hipertensão pulmonar), viés também presente no estudo de Montant et al, no qual havia 31% dos pacientes com indicação de intervenção. Apesar de esses 3 estudos demonstrarem benefício prognóstico com a early surgery, devemos lembrar que o desenho observacional pode não demonstrar de maneira adequada o impacto de variáveis não mensuráveis. Em outras palavras, porque a equipe clínica indicou uma intervenção precoce para alguns pacientes, em uma época que tal indicação não existia nas diretrizes, enquanto outros foram mantidos em tratamento clínico?
Em relação aos estudos de braço único, Enriquez-Sarano et al, em um estudo pivotal de 2005, demonstrou que pacientes com ERO>40 mm² apresentavam maior mortalidade e que a cirurgia estava associada à redução do risco de mortalidade. Trata-se de um estudo antigo, sem descrição adequada de pacientes com complicadores (fatores prognósticos). E, por fim, estudo de Zilberszac et al demonstrou que pacientes em watchful waiting adequado, com avaliação clínica semestral, eletrocardiograma, ecocardiograma, orientação sobre sintomas e teste ergométrico se necessário, apresentaram ótima sobrevida, comparável à população sem doença valvar.
Assim, o tema ainda carece de evidências para indicação inequívoca da intervenção precoce. Não há nenhum estudo randomizado sobre o tema e as taxas de sucesso da plástica propostas (95%) são difíceis de serem alcançadas. A decisão da intervenção ainda deve compartilhada com o paciente, avaliando minuciosamente os riscos e benefícios de cada caso.
Referências:
Ann Cardiothorac Surg 2015;4(3):220-229
J Am Coll Cardiol 2014;63:2398–407
JAMA. 2013;310(6):609-616.
J Thorac Cardiovasc Surg 2009;138:1339-48
N Engl J Med 2005;352:875-83.
J Am Coll Cardiol Img 2018;11:1213–21
Assista ao vídeo
Deixe uma resposta
Quer juntar-se a discussão?Fique à vontade para contribuir!