Insuficiência Mitral: como definir a etiologia e gravidade anatômica pelo exame físico
Dr. João Ricardo Fernandes
A Insuficiência Mitral (IM), cuja incidência aumenta com a idade, pode ocasionar, na sua história natural, repercussões anatômicas e hemodinâmicas significativas e muitas vezes irreversíveis. Por esses motivos, sua adequada identificação e quantificação são primordiais para decisão terapêutica.
Apesar do ecocardiograma ser imprescindível na avaliação das doenças valvares, um exame físico detalhado tem papel fundamental na identificação inicial da valvopatia e na definição de sua gravidade anatômica, além de ajudar na determinação da etiologia.
A IM pode ser primária, quando há lesão ou acometimento de um ou ambos os folhetos valvares, ou secundária, a qual se caracteriza pela presença de cúspides e cordas estruturalmente normais. Dentre as etiologias primárias, a IM reumática e a IM degenerativa ou prolapso valvar mitral (PVM) destacam-se.
A ausculta de um sopro cardíaco, através do estetoscópio, deve sempre ser acompanhada da palpação concomitante de pulso central ou periférico. A identificação de um sopro sistólico, ou seja, que acontece de maneira síncrona à palpação do pulso, que ocupa toda a sístole (holossistólico), mais audível na área mitral (5º espaço intercostal esquerdo, linha hemiclavicular) e com timbre caracterizado como “jato de vapor”, denota a presença de uma regurgitação mitral.
Para definirmos se uma IM primária é anatomicamente importante através do exame físico, algumas das características propedêuticas abaixo devem estar presentes. Tais características denotam a presença de um jato de regurgitação mitral importante e/ou a ocorrência de complicações anatômicas e hemodinâmicas secundárias à IM. Dentre elas, podemos destacar:
- Impulso apical (ictus cordis) dinâmico, alargado e deslocado para a esquerda ou para baixo, sugerindo remodelamento ventricular esquerdo;
- Sopro sistólico regurgitativo 4+ ou mais (ou seja, com frêmito palpável);
- Irradiação do sopro para linha axilar posterior;
- Segunda bulha (B2) hiperfonética, sugerindo hipertensão pulmonar;
- Presença de terceira bulha (B3);
- Presença de sinais de congestão pulmonar e/ou sistêmica.
Por outro lado, o sopro associado à IM secundária, especialmente em pacientes com função sistólica do ventrículo esquerdo reduzida, é geralmente de baixa intensidade e pode ser de difícil identificação na ausculta cardíaca.
Além da gravidade anatômica, no exame físico de um paciente portador de IM, podemos também definir ou sugerir a sua etiologia. O PVM, principal etiologia de IM no mundo, tem achados peculiares à ausculta cardíaca. Destacam-se aqui a presença de uma primeira bulha (B1) normofonética (diferentemente da IM reumática, onde a B1 é comumente hipofonética ou inaudível), associada a um clique protossistólico e um sopro mesotelessistólico. Com o avançar da história natural da IM, pode haver ruptura de cordas principais, tornando a B1 hipofonética ou até mesmo inaudível, e o sopro holossistólico.
A cúspide acometida no PVM também pode ser identificada pela ausculta cardíaca. Sopros associados à cúspide anterior têm irradiação para axila e região infraescapular esquerda, enquanto que sopros associados ao prolapso da cúspide posterior irradiam para a região anterior do tórax, podendo algumas vezes ser confundidos com sopro sistólico aórtico.
Em suma, apesar do grande avanço de novos métodos de imagem para o diagnóstico e quantificação da IM, o exame físico, e em especial a ausculta cardíaca, ainda tem papel crucial na identificação, definição da gravidade anatômica e avaliação da etiologia da IM.
Referências:
- Mann DL, Zipes DP, Libby P, Bonow RO, editors. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. 12th ed. Elsevier; 2021.
- Bonow RO, O’Gara PT, Adams DH, Badhwar V, Bavaria JE,Elmariah S, Hung JW, Lindenfeld J, Morris AA, Satpathy R, Whisenant B, Woo YJ. 2020 focused update of the 2017 ACC expert consensus decision pathway on the management of mitral regurgitation. J Am Coll Cardiol 2020;75:2236–70.
- Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, Milojevic M, Baldus S, Bauersachs J, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease. Eur Heart J. 2021;42(36):4077-4174.
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No vídeo de hoje, Dr. João Ricardo Fernandes explica como é possível definir a gravidade anatômica e a etiologia através do exame físico. Confira!
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