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Oclusão de apêndice atrial esquerdo – uma fronteira em expansão na prevenção de AVC

Adriano Tamazato

Tratar pacientes com fibrilação atrial crônica é difícil, pois 90% dos trombos resultam do apêndice atrial. Oclusão desse órgão pode melhorar majoritariamente.

A fibrilação atrial crônica afeta milhões de pessoas, sendo a arritmia crônica mais comum na população adulta e idosa. Quando está presente, é associada a um incremento de 5x no risco de eventos isquêmicos cerebrais, com elevada morbimortalidade e recorrência. Apesar da terapia anticoagulante ser recomendada como tratamento padrão, na prática, sua implementação é desafiadora, haja vista a baixa adesão ao tratamento a médio prazo – em uma revisão sistemática de 39 estudos com 593.863 pacientes com anticoagulantes orais diretos, a falta de adesão ao tratamento em um ano foi maior que 20%. Com esses dados, aliados à informação de que 90% dos trombos são provenientes do apêndice atrial esquerdo, foram desenvolvidos, testados e aprovados os dispositivos para oclusão do AAE com objetivo de reduzir eventos embólicos relacionados à fibrilação atrial.

No Brasil, dispomos de 3 dispositivo utilizados para este fim: Watchman FLX (Boston Scientific), Amulet (Abbott Cardiovascular) e Lambre (Lifetech Scientific), que nos últimos 20 anos, evoluíram e construíram evidências relevantes a respeito destes procedimentos.

É importante destacar que a aceitação científica dos primeiros estudos randomizados foi no período pré-novos anticoagulantes. Deste modo, os primeiro ensaios randomizados compararam o dispositivo Watchman de primeira geração à ACO padrão a época (inibidores da vitamina K): No PROTECT-AF, a Oclusão do AAE foi não inferior à Warfarina tanto para desfechos primários de eficácia (acidente vascular cerebral, embolia sistêmica e morte cardiovascular) como para desfechos de segurança (eventos relacionados ao procedimento e sangramento maior) e ainda foi superior à ACO padrão em termos de mortalidade cardiovascular e morte por todas as causas.(1)

O segundo estudo randomizado publicado foi o PREVAIL, no qual a oclusão do AAE não atingiu a não inferioridade para o desfecho composto (acidente vascular cerebral, embolia sistêmica e morte cardiovascular). Todavia, o estudo apresentou poder estatístico limitado, devido ao baixo número de eventos.(2) Uma metanálise de seguimento de 5 anos desses ensaios, ao nível do paciente, demonstrou eficácia da oclusão de AAE para prevenção de acidente vascular cerebral e menores taxas de sangramento maior em comparação à Warfarina.(3) Mais recentemente, o estudo PRAGUE-17 comparou a oclusão do AAE (com dispositivos Amulet e Watchman/Watchman FLX) com novos anticoagulantes (rivaroxabana, apixabana e dabigatrana) e atingiu a não inferioridade para os desfechos de segurança e eficácia (AVE/AIT, embolia sistêmica, morte cardiovascular, sangramento maior e complicações relacionadas ao procedimento). (4)

À luz dessas evidências, a diretriz americana sobre diagnóstico e manejo da fibrilação atrial, recém-publicada em 2023, elevou o grau de recomendação para 2ª, nível de evidência B, a oclusão percutânea do AAE em pacientes que possuem contra-indicação à terapia anticoagulante padrão de longo prazo e possuem moderado a alto risco de evento isquêmico (CHADSVASC ≥ 2). Outra recomendação da mesma diretriz (2b, NE B) é que a utilização da técnica de oclusão percutânea do AAE pode ser uma alternativa em pacientes que possuem alto risco tanto para sangramento, como para eventos isquêmicos. (5) É importante salientar que mais de 10 mil pacientes, em diferentes estudos, estão sendo randomizados para avaliar a terapia de oclusão de AAE versus novos anticoagulantes, com provável poder para novamente atualizar as diretrizes (Occlusion-AF, LAAO versus NOAC in Patients with AF and PCI, CATALYST, STROKECLOSE, CHAMPION-AF, CLOSURE-AF, fonte clinicaltrials.gov).

Apesar dos avanços recentes, na prática, observa-se uma falta de capilaridade da técnica que, por vezes, recai na inércia terapêutica que ocorre pelo receio de complicações relacionadas ao procedimento. A despeito da preocupação ser legítima, ela não retrata a realidade, haja vista que os registros de mundo real com 66.895 pacientes apontam uma taxa de sucesso no implante do dispositivo de 97,6% e, ainda, desfechos de segurança em 0,49%, sendo que apenas 0,22% (150 de 66.894 implantes) são relacionados ao procedimento com necessidade de alguma intervenção.

A oclusão percutânea do AAE é, portanto, bastante segura e eficaz com os dispositivos atuais. (Kapadia et al. Real-world Experience with WATCHMAN FLX: Outcomes at One-year from SURPASS, apresentado no CRT de 2023)
Por fim, é essencial ressaltar que a definição de contraindicação absoluta para anticoagulação oral não é consensual e existem diversos cenários clínicos no qual a maioria dos especialistas concordam que a ACO deve ser proscrita e a oclusão percutânea do AAE indicada, como a presença de angiopatia amilóide (condição que afeta 36% dos idosos acima de 80 anos), degeneração macular relacionada à idade, telangiectasia hemorrágica hereditária, isolamento elétrico do apêndice atrial esquerdo, trombo persistente em átrio esquerdo, doença renal em estágio terminal, além da já citada falta de adesão medicamentosa. (6)

Em resumo, a oclusão percutânea do AAE emerge como uma opção terapêutica real e segura para pacientes com fibrilação atrial crônica que apresentam contraindicações ao uso prolongado de anticoagulantes orais. Os avanços recentes, suportados por uma sólida base de evidências clínicas, destacam não apenas a eficácia da técnica na prevenção de eventos isquêmicos cerebrais, mas também seu perfil de segurança favorável, embora questões como regime antitrombótico pós-procedimento, exame de imagem no seguimento e eventual conduta na presença de leak permanecem em aberto na literatura. A recente elevação do grau de recomendação nas diretrizes americanas reflete o reconhecimento dessa abordagem como uma alternativa valiosa para um subgrupo significativo de pacientes, e amplia o arsenal terapêutico disponível para o manejo da fibrilação atrial e suas complicações. A colaboração entre especialistas de diversas áreas, a educação contínua dos profissionais de saúde e o engajamento dos pacientes são essenciais para aproveitar plenamente o potencial desta terapia.

Bibliografia
1. Reddy VY, Sievert H, Halperin J, Doshi SK, Buchbinder M, Neuzil P, et al. Percutaneous Left Atrial Appendage Closure vs Warfarin for Atrial Fibrillation: A Randomized Clinical Trial. JAMA. 19 de novembro de 2014;312(19):1988.
2. Holmes DR, Kar S, Price MJ, Whisenant B, Sievert H, Doshi SK, et al. Prospective Randomized Evaluation of the Watchman Left Atrial Appendage Closure Device in Patients With Atrial Fibrillation Versus Long-Term Warfarin Therapy. Journal of the American College of Cardiology. julho de 2014;64(1):1–12.
3. Reddy VY, Doshi SK, Kar S, Gibson DN, Price MJ, Huber K, et al. 5-Year Outcomes After Left Atrial Appendage Closure. Journal of the American College of Cardiology. dezembro de 2017;70(24):2964–75.
4. Osmancik P, Herman D, Neuzil P, Hala P, Taborsky M, Kala P, et al. Left Atrial Appendage Closure Versus Direct Oral Anticoagulants in High-Risk Patients With Atrial Fibrillation. Journal of the American College of Cardiology. junho de 2020;75(25):3122–35.
5. Joglar JA, Chung MK, Armbruster AL, Benjamin EJ, Chyou JY, Cronin EM, et al. 2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation [Internet]. 2 de janeiro de 2024 [citado 1o de fevereiro de 2024];149(1). Disponível em: https://www.ahajournals.org/doi/10.1161/CIR.0000000000001193
6. Guérios EE, Chamié F. Percutaneous left atrial appendage closure: beyond the classic indications. AsiaIntervention. março de 2023;9(1):70–7.

Alternativa à anticoagulação para prevenção de AVC

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Dr. Roger Godinho, Dr. Bruno Faillace e Dr. Pedro Melo participam de um bate-papo sobre uma solução em expansão para a prevenção de acidente vascular cerebral (AVC): oclusão percutânea do apêndice atrial esquerdo. Confira!

 

Select Trial – Semaglutida na obesidade sem diabetes

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Dra. Luhanda Monti faz uma apresentação do estudo científico “Semaglutida e os resultados cardiovasculares em pacientes com obesidade ou sobrepeso, na presença de doença cardiovascular estabelecida, mas sem diabetes”.

Confira os detalhes e a conclusão do estudo!

 

Dicas Práticas de Estenose Mitral

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Dr. Renato Nemoto e Dr. Flávio Tarasoutchi trazem dicas práticas de estenose mitral.

 

Fim da linha para os DOACs nas próteses mecânicas?

Renato Nemoto

Este artigo discutirá o avanço das próteses mecânicas no mundo moderno. Saiba quais são os Benefícios e Desvantagens dos diferentes tipos de próteses para usuários.

Não há dúvidas que os pacientes que possuem prótese valvar mecânica estão mais sujeitos a trombose de prótese, necessitando de anticoagulação contínua. Atualmente, a única opção validada pelos estudos é a varfarina, sabidamente difícil de utilizar na prática por seu ajuste de dose individualizado, infindável número de interações medicamentosas e alimentares, além da possibilidade de episódios de intoxicação com risco de sangramentos. Desde o surgimento dos anticoagulantes diretos (DOACs – rivaroxabana, edoxabana, apixabana e dabigatrana), tenta-se validar seu uso para esse cenário, o que significaria pelo menos maior comodidade aos pacientes.

Um estudo chamado Re-ALIGN comparou o uso da dabigatrana em pacientes com prótese mecânica aórtica ou mitral versus a varfarina e foi interrompido precocemente devido ao maior número de eventos tanto tromboembólicos quanto de sangramento com o DOAC.

Foi desenvolvida uma prótese mecânica chamada On-X, planejada e construída com material e características que reduzem o turbilhonamento de sangue, reduzindo a chance de trombose e, pelo estudo inicial (PROACT), toleraria inclusive uma menor dose de varfarina, com faixa de INR entre 1,5 e 2,0 para posição aórtica. A partir daí, foi desenhado um estudo para avaliar se os pacientes portadores dessa prótese poderiam ser anticoagulados com DOAC.

O estudo PROACT-Xa foi multicêntrico, aberto, de não inferioridade:

  • Apixabana (maior dose possível de acordo com idade, peso e creatinina) vs varfarina (INR entre 2-3)
  • Prótese mecânica aórtica implantada há menos de 3 meses (menor chance de trombose do que posição mitral)
  • 94% estavam em uso concomitante de AAS

Desfechos:

  • primário: composto de trombose de prótese ou embolia associada à prótese
  • secundários: sangramentos maiores e menores

O estudo foi interrompido precocemente (863 pacientes foram avaliados) devido a um maior número de eventos tromboembólicos no grupo da apixabana (20 vs 6). A não inferioridade não foi alcançada, e a taxa de sangramento foi semelhante entre os grupos.

Como conclusão, não há perspectivas ainda para o uso de DOACs nos pacientes com prótese valvar mecânica. O cenário do estudo era o mais promissor até hoje, devido às características da prótese e avaliação somente da posição aórtica. Mesmo assim, a apixabana não demonstrou segurança, restando a varfarina como única opção segura e eficaz nesse perfil de pacientes.

Tavi ou Cirurgia?

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Neste resumo, o Dr. Renato Nemoto traz as evidências de uma questão importante: TAVI ou cirurgia?

Esse e outros temas serão explorado no curso “Fundamentos em Valvopatias”. Continue acompanhando as nossas redes para se manter atualizado e receber mais conteúdos como este!

 

Intervenções em Doenças Complexas

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Neste bate-papo com especialistas, os Drs. Alexandre Abzaid, Ajay Kirtani e Gagan Singh apresentam uma discussão enriquecedora sobre intervenções em doenças complexas.

 

CHIP: Uma opção de abordagem para lesões coronárias complexas

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Dr. Roger Godinho e Dr. Carlos Campos conduzem um bate-papo imperdível sobre CHIP: técnicas avançadas de intervenção minimamente invasivas. Descubra o conceito CHIP e como ele é utilizado para tratar doença coronária de alto risco.

 

Reabilitação com exercício físico na Angina Refratária

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Reabilitação com exercício físico na Angina Refratária” é o tema desse episódio de discussão com especialistas, apresentado pelas Dras. Luciana Dourado e a Luhanda Monti.

 

Estetoscópio digital + Inteligência artificial = maior detecção de sopros?

Dr. Renato Nemoto

Com o desenvolvimento da tecnologia no campo da medicina, diariamente surgem equipamentos que possibilitam maior acurácia no diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares.

Com o desenvolvimento da tecnologia no campo da medicina, diariamente surgem equipamentos que possibilitam maior acurácia no diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares. O mais “básico” instrumento de trabalho do cardiologista, o estetoscópio, também recebeu inovações.

Os estetoscópios digitais, que possibilitam aumento de volume, gravação de sons, transmissão em tempo real, estão cada vez mais difundidos entre estudantes, residentes e cardiologistas. Contudo, é possível dizer que eles detectam mais sopros em relação aos estetoscópios tradicionais?

Em novembro de 2023, foi apresentada na AHA Scientific Sessions a prévia de um estudo que avaliou a capacidade de profissionais de saúde detectarem alterações valvares por meio da ausculta com um estetoscópio tradicional e um digital com a capacidade de gerar um fonograma analisado por meio de inteligência artificial. 369 pacientes acima de 50 anos sem diagnóstico prévio de valvopatia foram avaliados. 

Após a ausculta, um ecocardiograma foi realizado para avaliar e quantificar possíveis valvopatias. A inteligência artificial mostrou uma maior sensibilidade, detectando 94% das valvopatias, enquanto a avaliação por meio de estetoscópio tradicional detectou 41%. Contudo, foi menos específica (84% vs 95% da avaliação tradicional). O estudo completo ainda será publicado com as demais informações.

O que outros estudos mostram?

Silverman e Balk em 2018 publicaram um estudo com a impressão subjetiva, por um profissional da saúde, da comparação da qualidade de som (volume, nitidez, tonalidade) de um estetoscópio digital comparado com estetoscópio tradicional. Dos 952 exames realizados, a impressão de superioridade do equipamento digital ocorreu em 95% dos casos. 

Outro estudo de 2018 avaliou esse cenário no ensino da semiologia. Oito estudantes de medicina foram avaliados em relação à sua capacidade de detecção de alterações de sons cardíacos e pulmonares utilizando os dois tipos de estetoscópio. Como resultado, houve um aumento na correta detecção de sopros de 10% em favor dos estetoscópios digitais.

É um tema polêmico, difícil de ser estudado, uma vez que diversas variáveis estão envolvidas, não só em relação às variações de qualidade dentre os diversos estetoscópios digitais e tradicionais, mas também devido às próprias diferenças naturais na qualificação da ausculta cardíaca entre os profissionais de saúde. 

Como visto, esse tema ainda não possui uma conclusão e será cada vez mais explorado. A tendência é de que a tecnologia possa potencializar tanto a prática diária quanto o ensino médico. 

Uma atenção necessária para além da capacidade de detecção de valvopatias vai para a correta graduação da gravidade da doença. A potencial maior detecção de sopros deve vir acompanhada da correta correlação com sua importância anatômica, para dessa forma evitar exames e procedimentos desnecessários.