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Aula 3: como definir a gravidade anatômica pelo exame físico

Dr. Renato Nemoto

Descubra os sinais físicos que indicam a importância da estenose aórtica. Saiba mais sobre os sintomas, como pulso tardio e sopro sistólico.

No paciente com estenose aórtica (EAo), existem seis características no exame físico que denotam a importância anatômica dessa valvopatia, ou seja, definem que a EAo é importante. São eles:

– Pulso parvus et tardus;

– Sopro sistólico ejetivo com pico telessistólico

– Hipofonese de B2;

– Hipofonese de B1;

– Fenômeno de Gallavardin;

– Desdobramento paradoxal de B2.

O pulso arterial normal possui uma amplitude e duração definidas. No caso da EAo, pela dificuldade de ejeção do sangue do ventrículo esquerdo, esse pulso será pouco amplo (parvus em latim) e com duração prolongada, acima de 320ms (tardus). No entanto, há situações em que a redução da complacência arterial faz com que essa amplitude aumente, gerando um pulso aparentemente normal mesmo com uma EAo importante. Atenção especial se dá para os idosos (população predominante da EAo) com arterioloesclerose aórtica. O enrijecimento do vaso leva a uma maior amplitude do pulso, podendo gerar um falso negativo em relação ao pulso característico da EAo importante. 

O sopro característico da estenose aórtica é sistólico, rude, ejetivo, com irradiação para a fúrcula, e apresenta um formato em crescendo e decrescendo, também chamado de formato em diamante. Isso ocorre pela dificuldade de passagem do sangue pela valva (som em crescendo) e à medida que o sangue passa, gera a fase decrescente do sopro. Quando a valvopatia não é importante, o pico do sopro ocorre no meio da sístole, ou seja, é mesossistólico. Contudo, quanto maior a gravidade da EAo, mais difícil se torna a passagem de sangue pela válvula, aumentando a fase em crescendo do sopro, levando o pico mais para o final da sístole, ou seja, telessistólico. O principal diferencial com o sopro da EAo é o sopro da cardiomiopatia hipertrófica (CMH), que também gera um sopro sistólico ejetivo em formato de diamante, devido à obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Podemos diferenciá-los por meio de manobras e situações:

– Na EAo, as situações que aumentam o retorno venoso aumentam o sopro: elevação das pernas, agachamento, o batimento após uma extrassístole;

– Na CMH, as situações que reduzem o retorno venoso possibilitam uma maior obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo devido o efeito Venturi e aumento do movimento sistólico anterior da mitral: manobra de Valsalva e preensão palmar, por exemplo;

A segunda bulha é o som resultante do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Na EAo importante, há uma significativa restrição da mobilidade da válvula aórtica, reduzindo o som, o que chamamos de hipofonese da B2. Já a hipofonese da primeira bulha (fechamento das valvar mitral e tricúspide) é explicada na EAo importante devido à elevação da pressão diastólica, o que reduz a amplitude do movimento da valva mitral, causando uma redução do som gerado.

A quinta característica de importância da EAo no exame físico é o fenômeno de Gallavardin. À medida que a calcificação na valva aórtica aumenta e a valvopatia fica cada vez mais importante, há um maior turbilhonamento de sangue nesta região. Como o arcabouço mitral fica muito próximo ao anel aórtico, pode haver reverberação desse turbilhonamento, gerando um sopro sistólico no foco mitral. A diferenciação de uma insuficiência mitral se dá pelo formato em crescendo e decrescendo, mas principalmente pelo timbre. Para ser o fenômeno de Gallavardin, esse sopro mitral deve ser agudo, piante.

Por último, o desdobramento paradoxal da B2. Como falado acima, a B2 é composta pelo som do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Fisiologicamente, a valva aórtica fecha ligeiramente antes da pulmonar, mas praticamente juntas, gerando a B2. Quando inspiramos, há aumento do retorno venoso, e pode ocorrer um atraso do componente pulmonar, e o fechamento das valvas ocorre em momentos distintos, gerando um som “TRÁ”, chamado de desdobramento caso fisiológico da B2. Na EAo importante, pela dificuldade de passagem de sangue pela valva aórtica, o componente aórtico é naturalmente atrasado (desdobramento fixo da B2). Se o paciente apresentar desdobramento fisiológico, quando inspirar há um atraso do componente pulmonar, que irá encontrar o componente aórtico já atrasado. Contudo, na expiração, esse componente pulmonar retorna à normalidade, mas o aórtico permanece atrasado, gerando o fechamento das valvas em momento distinto, ocasionando o som de desdobramento, mas como nesse caso ocorre na expiração, é chamado de desdobramento paradoxal da B2.

Qualquer um desses achados sugere uma estenose aórtica anatomicamente importante e corrobora para a correta hipótese diagnóstica mesmo antes de exames complementares.      

 

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Na terceira aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, o Dr. Renato Nemoto explica como é definida a gravidade anatômica da condição através do exame físico.

 

 

Estenose Aórtica: etiologia e fisiopatologia

Neste episódio do Podcast Triple I, a Dra. Fernanda C. Tessari fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da Estenose Aórtica.

O conteúdo faz parte da série especial “Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica”.

Segurança da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI

Vamos conversar sobre a segurança da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI?

Esse é o tema do novo episódio do Podcast Triple I. Os Drs. Roger Godinho, Pedro Melo e Marco Gelain abordam o assunto, destacando os pontos mais importantes do artigo “Segurança a curto e longo prazo da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI”, assinado pelo Dr. Marco.

Segurança a curto e longo prazo da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI

Marco Antonio Smiderle Gelain, Residente de Hemodinâmica Incor/HCFMUSP

Descubra o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI. Estudo realizado na Cleveland Clinic revela importantes informações sobre essa condição.

Em janeiro de 2024 foi publicado na European Heart Journal um estudo realizado na Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, sobre o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI¹. Atualmente, sabemos que DAC crônica e a estenose aórtica (EAo) frequentemente coexistem, em uma frequência de 15 a 80%². Existe também o debate sobre qual seria o melhor momento – e se existe a necessidade – de revascularizar o paciente portador de DAC crônica que vai ser submetido a TAVI. Ambos os cenários – angioplastia em paciente com EAo severa, e TAVI em paciente com DAC severa apresentam riscos importantes específicos. No entanto, artigos dedicados ao estudo do melhor momento da revascularização não renderam recomendações claras³, sendo publicado em 2023 um consenso Europeu⁴ sobre o manejo da DAC crônica em pacientes submetidos a TAVI, porém mantendo-se grande heterogeneidade de condutas entre os diversos serviços de hemodinâmica ao redor do mundo.

O estudo foi uma coorte retrospectiva de pacientes submetidos a TAVI entre 2015 e 2021. Pacientes que já tivessem sido revascularizados com angioplastia foram excluídos do estudo. Os desfechos avaliados foram periprocedimento (complicações como choque cardiogênico, arritmias e morte) e MACE – morte, IAM, AVC e revascularização não planejada – a longo prazo. Os 1911 pacientes incluídos foram categorizados em 4 grupos com relação a DAC crônica: DAC não-obstrutiva (1432 pacientes), DAC de risco intermediário que compreendeu DAC uniarterial >70% (116 pacientes), DAC de risco alto, que compreendeu DAC biarterial >70%, DA proximal >70% ou TCE 50-69% (199 pacientes), e DAC de extremo risco, que compreendeu DAC triarterial >70% ou TCE >70% (164 pacientes). Uma das limitações do estudo foi justamente a divisão desses grupos, que foi arbitrária, e não levou em conta ferramentas consolidadas como o Syntax Score. Entretanto há um consenso de que não houve prejuízo à principal mensagem transmitida pelo estudo.

Para efeito de análise estatística, foram comparados dois grupos: DAC não-obstrutiva x DAC obstrutiva, e também comparados cada grupo de DAC obstrutiva com a DAC não-obstrutiva, com relação aos desfechos do estudo. 

A idade média dos pacientes foi de 78 anos, com um STS score médio de 5,4%, e 70% apresentavam-se em classe funcional NYHA 3, e fração de ejeção média de 57%. 95% dos procedimentos foram realizados via transfemoral e em 91% dos casos foi utilizada a prótese Edwards SAPIEN 3, que é balão expansível e apresenta um melhor perfil quando pensamos em um acesso mais fácil posteriormente às artérias coronárias.

A taxa de complicações periprocedimento foi baixa, apenas 7 mortes (0,4%) e 1 paciente com necessidade de implante de balão intra-aórtico durante o procedimento. Não houve diferença entre os grupos comparados (p=0.6). Ou seja, uma das grandes mensagens deste artigo foi essa: que houve segurança periprocedimento na realização de TAVI em pacientes com DAC obstrutiva não tratada.

O seguimento médio pós-procedimento dos pacientes foi de 1,32 anos, também não sendo observada diferença de MACE ou morte por todas as causas. Houve, entretanto, aumento da taxa de síndrome coronariana aguda e de revascularização não planejada no grupo de DAC obstrutiva, a qual foi de 1% no grupo de DAC não-obstrutiva e de 2,4 a 4% no grupo de DAC obstrutiva, sem aumento linear conforme a gravidade da DAC, o que pode corroborar uma inadequada classificação inicial dos grupos. A separação das curvas ocorre por volta de 8 a 12 semanas, portanto, caso o paciente permaneça sintomático após o procedimento, existe a recomendação no próprio estudo de que haja um limiar mais baixo para a revascularização desses pacientes. É ressaltado que não houve dificuldade ou impossibilidade de angioplastia nos pacientes submetidos a TAVI. 

Importante frisar que a estratificação dos pacientes com relação a fração de ejeção não mostrou relação com piora de desfechos. 

Como mensagens finais, temos que DAC crônica, independentemente de sua gravidade e extensão e da fração de ejeção, pode ser inicialmente tratada clinicamente em pacientes candidatos a TAVI com segurança. O estudo não dita, porém, que todos devem ser submetidos a TAVI primeiro: pacientes com sintomas coronarianos importantes, síndromes instáveis, lesões coronarianas ostiais, tipo da prótese utilizada podem eventualmente ser submetidos a angioplastia antes. O manejo da DAC crônica após a TAVI pode ser feita de acordo com guidelines específicas, porém pode-se ter um limiar mais baixo para revascularização caso sintomas persistam.

 

Referências

  1. Ian Persits, et al. Impact of untreated chronic obstructive coronary artery disease on outcomes after transcatheter aortic valve replacement. European Heart Journal, 2024. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae019
  2. Hajar R. Risk factors for coronary artery disease: historical perspectives. Heart Views 2017;18:109. https://doi.org/10.4103/HEARTVIEWS.HEARTVIEWS_106_17
  3. Patterson T, Clayton T, Dodd M, Khawaja Z, Morice MC, Wilson K, et al. ACTIVATION (PercutAneous Coronary inTervention prIor to transcatheter aortic Valve implantaTION): a randomized clinical trial. JACC Cardiovasc Interv 2021;14:1965–74. https://doi.org/10.1016/j.jcin.2021.06.041

4. Tarantini G, Tang G, Nai Fovino L, Blackman D, Mieghem NMV, Kim WK, et al. Management of coronary artery disease in patients undergoing transcatheter aortic valve implantation. A clinical consensus statement from the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions in collaboration with the ESC Working Group on Cardiovascular Surgery. EuroIntervention 2023;19:37–52. https://doi.org/10.4244/EIJ-D-22-00958

Fundamentos em Doenças Valvares: tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica – quais são e por que surgem os sintomas?

Dr Vitor Emer Egypto Rosa

Saiba mais sobre a estenose aórtica: sintomas, prognóstico e opções de tratamento. Descubra como essa doença valvar pode afetar a sua saúde.

Até o presente momento, a presença de sintomas no contexto de uma doença valvar anatomicamente importante é um dos marcadores prognósticos mais bem estabelecido. Ross e Braunwald já demonstraram em 1968 que, em pacientes com estenose aórtica importante, a presença de sintomas ocasionava uma mortalidade de cerca de 50% em 2 anos. Além disso, a sobrevida era diferente a depender do tipo de sintoma: pacientes com angina apresentavam sobrevida média de 5 anos, síncope de 3 anos e insuficiência cardíaca de 2 anos. Esses achados prognósticos foram corroborados na publicação do PARTNER 1, coorte B, com seus resultados de 3 anos. Nesse estudo, pacientes com estenose aórtica importante, que eram inoperáveis, foram randomizados para TAVI versus tratamento clínico e, esses últimos, apresentaram uma mortalidade de cerca de 80% em 3 anos. 

Assim, dado esse prognóstico sombrio em pacientes sintomáticos com estenose aórtica importante e em tratamento clínico, ficou estabelecido desde cedo que a presença de sintomas é indicativa de intervenção valvar, seja cirúrgica ou transcateter. Dessa forma, é imperativo reconhecer e entender porque surgem tais sintomas.

O primeiro deles é a dispneia. Aprendemos, em aulas anteriores, que a maneira de o ventrículo esquerdo suportar o excesso de pós-carga é através de hipertrofia concêntrica, que leva também à disfunção diastólica e redução da cavidade. Por conseguinte, a famosa curva de pressão versus volume “sobe”. Em outras palavras, com os mesmos volumes, as pressões intraventriculares ficam extremamente altas. E essas pressões são transmitidas ao átrio esquerdo e ao capilar pulmonar, levando à congestão venocapilar pulmonar, justificando a dispneia com características de insuficiência cardíaca que esses pacientes apresentam. 

O segundo sintoma é a angina com características típicas de isquemia. Em decorrência da hipertrofia concêntrica, ocorre uma redução de capilaridade e uma redução do gradiente transmiocárdico. Em outras palavras, para que ocorra a perfusão subendocárdica, a pressão “fora do coração” é bem maior que a pressão intracavitária. Com o aumento da pressão intracavitária já citado no parágrafo anterior, ocorre uma redução nessa diferença de pressão fora/dentro, gerando uma isquemia subendocárdica. Em momentos que ocorre aumento da demanda de O2, como na atividade física, essa redução de perfusão aumenta, gerando o sintoma de angina.

Para finalizar a tríade clássica, o paciente pode apresentar quadro de síncope. Independente das características da síncope ou pré-síncope, mesmo que surjam etiologia vasovagal/situacional, tal sintoma na presença de estenose aórtica importante é um marcador prognóstico. E é explicado por uma incapacidade adaptativa. Se nos recordarmos da fórmula: pressão arterial = volume ejetado x frequência cardíaca x resistência vascular periférica, entendemos facilmente tal sintoma. Quando fazemos uma atividade física, a resistência vascular periférica cai, então aumentamos a frequência cardíaca e volume ejetado para compensar e manter a pressão arterial estável. Entretanto, pacientes com estenose aórtica importante não conseguem aumentar o volume ejetado, pois a pós-carga é fixa (o orifício valvar não aumenta!). E eles também não têm benefício com o aumento da frequência cardíaca: para portadores de estenose aórtica importante, quanto maior o tempo de sístole, melhor para esvaziar o ventrículo, sendo a taquicardia deletéria. Dessa forma, tais pacientes ficam muito dependentes de variações da resistência vascular periférica, sendo mais sujeitos a variações da pressão arterial e síncope.

Por fim, devemos lembrar que naqueles pacientes em que temos dúvidas em relação aos sintomas de angina e dispneia, o teste de estresse físico é uma ferramenta segura. Mas apenas se existem dúvidas em relação aos sintomas, pois tal exame é formalmente contraindicado naqueles com sintomas óbvios.

 

Referências:

Circulation 1968;38:61-7. 

Circulation. 2014 Oct 21;130(17):1483-92 

Arq. Bras. Cardiol. 2020; 115(4): 720-775 

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Na nossa segunda aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, o Dr. Vitor Rosa explica quais são os sintomas da condição!

 

 

Estenose aórtica: quais são os sintomas?

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Na nossa segunda aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, o Dr. Vitor Rosa explica quais são os sintomas da condição!

 

 

ESTENOSE AÓRTICA: ETIOLOGIAS E FISIOPATOLOGIA

Dra. Fernanda C. Tessari

Descubra como a estenose aórtica afeta o coração e quais são as opções de tratamento disponíveis.

A estenose aórtica está presente em cerca de 12% da população acima dos 75 anos de idade, sendo que, com o envelhecimento, esses números tendem a aumentar ainda mais, com incidência de novos diagnósticos em 5 a cada 1000 pessoas ao ano.

As três principais etiologias da estenose aórtica são: degenerativa ou calcifica, válvula aórtica bicúspide e febre reumática. Outras causas menos comuns englobam doenças congênitas, como válvula aórtica unicúspide, aterosclerose da aorta e válvula aórtica na hipercolesterolemia familiar, lesão actínica (por radioterapia) e obstrução fixa da via de saída do ventrículo esquerdo, como na membrana supra ou subvalvar.

A estenose aórtica degenerativa é a causa mais frequente em adultos idosos.  Atualmente, cerca de 1 a 2% da população, acima de 65 anos, e 12% das pessoas com mais de 75 anos apresentam estenose aórtica degenerativa, sendo que estes números tendem a aumentar nas próximas décadas devido ao envelhecimento da população, principalmente em países desenvolvidos, mas também no Brasil. Alguns fatores de risco cardiovasculares estão associados ao desenvolvimento dessa valvopatia, como idade avançada, obesidade, hipertensão arterial, síndrome metabólica, dislipidemia, tabagismo e disfunção renal.  

O processo de degeneração valvar envolve a injúria e inflamação endotelial, com infiltração lipídica, principalmente de LDL-colesterol e Lp(a), e aumento do estresse oxidativo. Consequentemente, ocorre a atração de células inflamatórias e produção de citocinas que levam à mineralização da matriz extracelular, neovascularização e diferenciação de osteoblastos, resultando na fibrocalcificação do aparato valvar. De maneira contra intuitiva, apesar de compartilhar vias em comum com a fisiopatologia da ateromatose arterial, alguns estudos avaliaram o efeito da redução dos níveis de colesterol na progressão da estenose aórtica com o uso de diferentes estatinas, como os trials SEAS, SALTIRE e ASTRONOMER, mas não demonstraram benefício em retardar a progressão da doença ou evitar procedimentos valvares. Além disso, a ocorrência de Estenose Aórtica em vários membros da mesma família também sugere a participação de componentes genéticos no desenvolvimento da doença, sendo descritos alguns polimorfismos genéticos associados à calcificação valvar. 

A presença de alterações morfológicas da válvula aórtica, como no caso de válvula aórtica bicúspide (VAB), aumenta o risco e velocidade de progressão do processo degenerativo, o que explica a ocorrência de estenose aórtica importante em pessoas mais jovens, notadamente entre 40 e 50 anos de idade. A VAB é uma alteração congênita da válvula aórtica, presente em cerca de 1% a 2% da população, sendo mais prevalente no sexo masculino. Decorre da fusão de 2 cúspides, sendo mais comum a fusão entre as cúspides coronarianas direita e esquerda (70% a 80% dos casos), seguida pela fusão das cúspides coronariana direita e não coronariana (20% a 30% dos casos), sendo raro o envolvimento das cúspides coronariana esquerda e não coronariana. 

Em parte dos casos é possível visualizar uma rafe no local de fusão das cúspides, aparentando a presença de 3 folhetos, mas a abertura valvar durante a sístole ocorre com apenas 2 comissuras. Consequentemente, ocorre alteração da abertura valvar, turbilhonamento do fluxo sanguíneo e aceleração do processo degenerativo da válvula aórtica. Além de resultar em redução do orifício de abertura valvar, o fechamento incompleto também pode causar insuficiência aórtica. A VAB também está associada a doenças da aorta, notadamente com dilatação da aorta ascendente relacionada à degeneração acelerada da camada média da aorta, podendo ocorrer de forma independente da lesão valvar. Além disso, o risco de dissecção de aorta é de 5 a 9 vezes mais alto do que na população em geral. Alguns estudos também têm sugerido uma associação entre a VAB e prolapso da válvula mitral.

Já a estenose aórtica reumática resulta de um processo inflamatório provocado tanto por episódios recorrentes de febre reumática aguda quanto por um processo autoimune crônico causado pela reação cruzada entre uma proteína estreptocócica e o aparato valvar. Ocorre deposição de tecido fibroso no aparato valvar, provocando adesão e fusão das comissuras e cúspides, com enrijecimento e retração das bordas livres dos folhetos valvares. Além disso, ocorre a deposição de nódulos calcificados em ambas as superfícies da válvula, resultando em redução de seu orifício. Devido à presença de retração das cúspides, frequentemente está associada a algum grau de insuficiência aórtica, promovendo dupla lesão valvar. Além disso, na maioria dos casos há também envolvimento, concomitante ou não, da válvula mitral. 

Independente da etiologia da doença valvar, o aumento excessivo da pós-carga provocada pela estenose aórtica sobre o ventrículo esquerdo tipicamente resulta em hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, com espessamento de suas paredes, a princípio mantendo a função sistólica. Em contrapartida, o aumento da massa de miócitos resulta em fibrose intersticial, diminuição da complacência do ventrículo esquerdo e disfunção diastólica. 

Assim, a hipertrofia ventricular gera um aumento do consumo de O2 pelo ventrículo esquerdo e, ao mesmo tempo, a redução do tempo diastólico e o aumento da pressão diastólica do ventrículo esquerdo. Assim, ocorre redução do gradiente de pressão transmiocárdico, resultando em redução da pressão de perfusão coronariana, principalmente na região subendocárdica. Consequentemente, ocorre um desbalanço entre consumo e oferta miocárdica de O2, levando à isquemia e disfunção ventricular.

De maneira interessante, parece haver uma diferença entre sexos no que diz respeito ao remodelamento ventricular na estenose aórtica. Mulheres exibem com mais frequência hipertrofia concêntrica, disfunção diastólica e estresse sistólico da parede ventricular normal ou ligeiramente alterado. Já os homens apresentam com mais frequência hipertrofia excêntrica de ventrículo esquerdo, dilatação de câmaras, estresse sistólico de parede ventricular excessivo e disfunção sistólica. Tais diferenças entre sexos ainda não são bem compreendidas, mas parece haver uma relação com fatores hormonais e expressão gênica relacionada à deposição de colágeno, indução de fibrose e hipertrofia de miócitos.  

Referências

Braunwald

https://www.escardio.org/Journals/E-Journal-of-Cardiology-Practice/Volume-18/epidemiology-of-aortic-valve-stenosis-as-and-of-aortic-valve-incompetence-ai#:~:text=It%20is%20present%20in%20about,years%20and%20older%20%5B13%5D.

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. (2020). 115(4):720-775

Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, Milojevic M, Baldus S, Bauersachs J, Capodanno D, Conradi L, De Bonis M, De Paulis R, Delgado V, Freemantle N, Gilard M, Haugaa KH, Jeppsson A, Jüni P, Pierard L, Prendergast PD, Sádaba JR, Tribouilloy C, Wojakowski W. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease: Developed by the Task Force for the management of valvular heart disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS), Eu Heart J. 2022, Volume 43, Issue 7, 14  :561–632 

Chan, K. L., Teo, K., Dumesnil, J. G., Ni, A., Tam, J., & ASTRONOMER Investigators (2010). Effect of Lipid lowering with rosuvastatin on progression of aortic stenosis: results of the aortic stenosis progression observation: measuring effects of rosuvastatin (ASTRONOMER) trial. Circulation121(2), 306–314. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.109.900027

Cowell, S. J., Newby, D. E., Prescott, R. J., Bloomfield, P., Reid, J., Northridge, D. B., Boon, N. A., & Scottish Aortic Stenosis and Lipid Lowering Trial, Impact on Regression (SALTIRE) Investigators (2005). A randomized trial of intensive lipid-lowering therapy in calcific aortic stenosis. The New England journal of medicine352(23), 2389–2397. https://doi.org/10.1056/NEJMoa043876

Rossebø, A. B., Pedersen, T. R., Boman, K., Brudi, P., Chambers, J. B., Egstrup, K., Gerdts, E., Gohlke-Bärwolf, C., Holme, I., Kesäniemi, Y. A., Malbecq, W., Nienaber, C. A., Ray, S., Skjaerpe, T., Wachtell, K., Willenheimer, R., & SEAS Investigators (2008). Intensive lipid lowering with simvastatin and ezetimibe in aortic stenosis. The New England journal of medicine359(13), 1343–1356. https://doi.org/10.1056/NEJMoa0804602

Iribarren, A. C., AlBadri, A., Wei, J., Nelson, M. D., Li, D., Makkar, R., & Merz, C. N. B. (2022). Sex differences in aortic stenosis: Identification of knowledge gaps for sex-specific personalized medicine. American heart journal plus : cardiology research and practice21, 100197. https://doi.org/10.1016/j.ahjo.2022.100197

 

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Neste primeiro vídeo, a Dra. Fernanda C. Tessari fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da condição.

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Revascularização do Miocárdio: quando indicar?

Dra. Luhanda Leonora Cardoso Monti Sousa

Descubra como a revascularização do miocárdio pode melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças cardíacas.

No cenário da doença arterial coronária (DAC) crônica, ainda que a essência do tratamento seja a mudança do estilo de vida e medicamentos para prevenção secundária, a indicação de revascularização do miocárdio, seja através da cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) ou intervenção coronária percutânea (ICP), se designa à melhora de prognóstico e/ou de sintomas refratários a terapia medicamentosa otimizada (TMO) na dose máxima tolerada. Esta última configura a maior parte das indicações, sendo o benefício prognóstico restrito a determinados perfis de pacientes.

No que tange o controle da angina e tolerância ao exercício, diversos ensaios clínicos randomizados (ECR) mostraram que a revascularização é mais efetiva do que a TMO isolada. Em subanálise do ISCHEMIA, quando comparada à estratégia conservadora, a revascularização (74% ICP e 26% CRM) foi superior na melhora da qualidade de vida inferida por angina. Contudo, vale lembrar que a isquemia miocárdica resulta de um complexo processo fisiopatológico, no qual a estenose fixa em coronária epicárdica é apenas uma das possíveis causas. Posto isto, a presença de obstruções moderadas que não justifiquem o quadro anginoso, deve motivar a investigação de outros mecanismos etiológicos envolvidos. Não é incomum que os sintomas se devam à disfunção microvascular e/ou vasoespasmo coronário, além de coexistir mesmo na estenose ≥ 70%. Cabe enfatizar que a CRM inadequada de lesões não obstrutivas, pode levar a progressão da DAC subjacente, ao passo que a ICP inadequada pode resultar em infarto agudo do miocárdio (IAM) periprocedimento, além de não melhorar a angina. Diante do pressuposto, indica-se tratamento intervencionista, visando a melhora da qualidade de vida na angina limitante, quando houver estenose coronária angiograficamente significativa ou hemodinamicamente significativa (FFR ≤ 0,80 ou iwFR ≤ 0,89).

O benefício prognóstico da revascularização consiste no aumento de sobrevida global, redução de IAM e morte cardiovascular. Para tanto, o maior benefício se impõe aos pacientes com DAC extensa e maior área de miocárdio sob risco. Outrossim, a ponderação da expectativa de vida se faz necessária, visto que a vantagem se dá no longo prazo. De acordo com as últimas diretrizes, as maiores evidências recaem sobre a lesão de TCE ≥ 50% com isquemia documentada ou ≥ 70% independente de outras características, a miocardiopatia isquêmica com FE ≤ 35% (se estendendo à FE ≤ 50% com menor evidência), artéria derradeira e DAC triarterial com acometimento da artéria descendente anterior (ADA) proximal. A isquemia ≥ 10%, que por anos foi uma indicação prognóstica de intervenção, a despeito de evidências oriundas de estudos observacionais, como Hachamovitch 2 e subanálises de ECR, perdeu esta indicação após a publicação do ISCHEMIA. No estudo FAME 2, embora a ICP (FFR ≤ 0,8) vs. TMO tenha reduzido o desfecho primário este foi impulsionado por redução de revascularização urgente, sem diferença para morte ou IAM.

De fato, estudos que compararam TMO vs. revascularização (ICP ou CRM), como MASS II, ERACI II, COURAGE e metanálises recentes incluindo o ISCHEMIA, não mostraram maior sobrevida global com a estratégia intervencionista inicial na população de DAC crônica em geral. No seguimento de 5,7 anos do ISCHEMIA EXTEND, a menor mortalidade cardiovascular no grupo intervencionista foi diluída por um aumento de morte por causas não cardíacas no mesmo grupo, resultando na ausência de diferença estatística em mortalidade por todas as causas, mas não ficou claro o motivo pelo qual ocorreram mais mortes não cardíacas. Não obstante, a tomada de decisão assertiva exige bom senso e individualização. Há de convir que há uma heterogeneidade quanto ao burden aterosclerótico nesses estudos, com uma tendência a serem de menor complexidade.  O conceito de prognóstico vai além da redução de óbito por todas as causas, muito utilizado como desfecho primário principal por estudos pragmáticos. Mesmo no ISCHEMIA, tivemos maior incidência de IAM espontâneo no grupo conservador, ao passo que a análise de subgrupo dos multiarteriais com lesões ≥ 70% do ISCHEMIA EXTEND, mostrou uma tendência de menor mortalidade cardiovascular com a revascularização.  Outrossim, pacientes com DAC são heterogêneos, muitas vezes excluídos dos ECR que guiam a nossa prática. O seguimento de 10 anos do estudo MASS II, no qual a DAC era mais complexa, a CRM cursou com menor incidência do desfecho composto primário de morte por todas as causas, IAM e angina com necessidade de nova revascularização, do que a TMO e ICP, guiado sobretudo por IAM e angina. Embora, não tenha ocorrido diferença estatística em termos de morte total, houve um incremento de quase o dobro em morte cardiovascular e IAM para o grupo em TMO isolada. Na seara da DAC com fração de ejeção ≤ 35%, novamente, apenas nos 10 anos de seguimento do STICH a CRM atingiu superioridade prognóstica sobre a TMO, ao passo que no REVIVED PCI, a ICP, com todas as ressalvas da população do estudo, a ICP não obteve o mesmo êxito.

Desde os resultados do estudo Veterans Administration Cooperative Study of Surgery for Coronary Arterial Occlusive Disease, mesmo o tratamento clínico da época sendo inferior ao que temos hoje, ninguém nunca teve a “audácia” de randomizar para TMO vs. intervenção os pacientes com lesão grave em TCE, dada extensa área de miocárdio em risco e, o mesmo raciocínio vale para lesão em artéria derradeira.

Dessa forma, haverá candidatos à TMO exclusiva, enquanto outros precisarão de algum tipo de intervenção ao longo da vida. Na ausência de sintomas ou características anatômicas de alto risco que justifiquem uma intervenção, a presença de isquemia não mais guia intervenção prognóstica isolada, mas ainda representa um marcador de DAC mais grave a depender dos achados associados a isquemia, como a dilatação ventricular no estresse ou queda ≥ 10 pontos da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Isto posto, a escolha entre TMO isolada inicial e algum tipo de intervenção deve ser compartilhada com o paciente, informando-o sobre os riscos e benefícios de cada estratégia. Em alguns casos, caberá ao Heart Team, a tomada de decisão caso-a-caso. A figura 1, deve ser usada para auxiliar a escolha da estratégia inicial, mas não como guia definitivo, visto se tratar de decisões de probabilidade, nas quais qualquer fluxograma está aquém do ideal.

Figura 1: Fluxograma de indicação para revascularização do miocárdio

Fonte: Sousa LLCM, César LAM. Quando e como indicar a revascularização do miocárdio. Sociedade Brasileira de Cardiologia. PROCARDIOL Ciclo 17.

Referências:

 

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  2. Lawton JS, Tamis-Holland JE, Bangalore S, Bates ER, Beckie TM, Bischoff JM, et al. 2021 ACC/ AHA/SCAI guideline for coronary artery revas- cularization: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Cir- culation. 2022 Jan;145(3):e18–114.
  3. WindeckerS,StorteckyS,StefaniniGG,daCosta BR, Rutjes AW, Di Nisio M, et al. Revascularisa- tion versus medical treatment in patients with stable coronary artery disease: network meta- -analysis. BMJ. 2014 Jun;348:g3859. https:// doi.org/10.1136/bmj.g3859
  4. Sousa LLCM, César LAM. Quando e como indicar a revascularização do miocárdio. In: Sociedade Brasileira de Cardiologia; Précoma DB, Freitas Junior AF, Mioto BM, Barros IML, Spineti PPM, organizadores. PROCARDIOL Programa de Atualização em Cardiologia: Ciclo 17. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2023. p. 9–58. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).
  5. MaronDJ, HochmanJS, ReynoldsHR, Bangalore S, O’Brien SM, Boden WE, et al. Initial invasive or conservative strategy for stable coronary disease. N Engl J Med. 2020;382(15):1395–407. https:// doi.org/10.1056/NEJMoa1915922
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  8. Sousa LLCM, Gowdak LHW. Tratamento invasivo: Bases para a decisão. Insuficiência Coronária Crônca. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo, 2022; 32(4): 460-466.INSS 2595-4644-Versão online.

 

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