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Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 5: radiografia de tórax e eletrocardiograma

Layara Lipari Vicente

     

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames complementares de grande importância na investigação das valvopatias. Apesar de não fazererm diagnóstico de insuficiência mitral, trazem pistas importantes, principalmente sobre as repercussões desta valvopatia, quando anatomicamente importante. O eletrocardiograma pode ser usado também para a avaliação da presença de arritmias ventriculares e estratificação de risco no caso do prolapso mitral arritmogênico.

Na insuficiência mitral, a falha no fechamento adequado da valva mitral resulta no refluxo de sangue do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo durante a sístole. Este fenômeno desencadeia uma série de alterações fisiopatológicas como a sobrecarga de átrio esquerdo (que aumenta o risco de fibrilação atrial) e sobrecarga de ventrículo esquerdo (por sobrecarga de volume).

Na radiografia de tórax é importante procurar sinais de dilatação do átrio esquerdo como o duplo contorno atrial e o sinal da bailarina (o aumento do átrio esquerdo empurra o brônquio-fonte esquerdo, gerando aumento do ângulo infracarinal). Pode haver, ainda, sinais de congestão, geralmente bilateral, porém, em alguns casos, assimétrica: devido ao eixo anatômico do ventrículo esquerdo e ao grande volume de sangue bombeado na sístole (decorrente também da sobrecarga atrial), o refluxo de sangue através da valva mitral na insuficiência mitral aguda tende a direcionar-se preferencialmente para a direita e para cima (veia pulmonar superior direita – que drena os lobos superior e médio direitos), causando, assim, uma congestão venosa assimétrica (principalmente em campo pulmonar superior direito).

A radiografia de tórax permite também a avaliação etiológica em alguns casos de doença calcífica com a presença de calcificação anular na topografia do anel mitral (MAC – Mitral Annular Calcification). Para os pacientes que já fizeram alguma intervenção valvar, podemos ver sinais ao exame, como fios de sutura do esterno e mesmo o aro da prótese e os clipes usados no reparo mitral percutâneo (TEER – Mitral Transcatheter Edge-to-Edge Repair).

Ao eletrocardiograma, podemos encontrar sinais de sobrecarga de câmaras esquerdas e, em alguns casos, fibrilação atrial. A avaliação inicial do ECG abrange a avaliação de ritmo: em primeiro lugar, procuramos identificar um ritmo sinusal (onda P positiva em D1 e aVF e toda onda p conduz um QRS). Posteriormente, avaliamos o intervalo PR e sinais de sobrecargas de câmaras. Quando a sobrecarga de átrio esquerdo e consequente alteração estrutural leva à distorção do sistema de condução atrial, pode haver evolução para fibrilação atrial: o ritmo deixa de ser sinusal e podemos observar o padrão de ondas f na linha de base e RR irregular.

A sobrecarga de átrio esquerdo pode ser identificada no eletrocardiograma pela presença de uma onda P alargada nas derivações inferiores (II, III e aVF). Além disso, outro sinal clássico é o Sinal de Morris: uma onda P negativa em V1 com duração maior que 40 ms e uma amplitude negativa de pelo menos 1 mm (ou seja, área maior ou igual a 1mm²).

Já para buscar sobrecarga de ventrículo esquerdo, temos diversos critérios e geralmente usamos mais de um para esta avaliação. 

  • Sokolow-Lyon: Onda S em V1 + R em V5 ou V6 (o que for maior) = positivo quando acima de 40 em jovens e 35 para os demais pacientes. 
  • Índice de Cornell = R de aVL + S de V3 = positivo quando superior a 20 em mulheres e 28 em homens.
  • Peguero-Lo Presti = Maior S em qualquer derivação + S de V4 = positivo quando maior ou igual a 23mm em mulheres e 28mm em homens. O interessante desse critério é que leva em consideração a orientação espacial do coração do paciente, que pode ser um pouco desviada.
  • Padrão de strain nas derivações esquerdas = Presença da inversão de onda T com infradesnivelamento do segmento ST.
  • Critérios de Romhilt-Estes = positivo na soma de 5 pontos:

– 3 pontos: QRS (>20mm plano frontal e 30mm horizontal); strain na ausência de ação digitálica; e índice de Morris (aumento da duração da onda P maior que 1mm e da amplitude da onda p também superior a 1mm vistos em V1, denota sobrecarga de átrio esquerdo).

– 2 pontos: desvio do eixo elétrico do QRS além de -30º.

– 1 ponto: Tempo de Ativação Ventricular ou deflexão intrinsecoide >40ms (definida como o tempo desde o início do QRS até o pico da onda R); duração QRS (> 90 ms) em V5 e V6; e padrão strain sob ação do digital.

 

Todos estes critérios se correlacionam com a presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo, seja por insuficiência mitral (primária ou secundária) ou outra etiologia. 

Além disso, uma etiologia possível da insuficiência mitral é a secundária a infarto agudo do miocárdio. Nesse caso, podemos identificar os sinais de isquemia aguda, como o supradesnivelamento do segmento ST, ou zonas eletricamente inativas referentes a um infarto antigo. 

Finalmente, vale a pena ressaltar um tema que vem ganhando cada vez mais atenção, que é o prolapso mitral arritmogênico. O prolapso mitral arritmogênico é uma apresentação de prolapso mitral associada a um risco aumentado de arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca. Estudos observacionais recentes sugerem que a morte súbita cardíaca relacionada ao prolapso mitral, devido a arritmias ventriculares sustentadas, pode ocorrer com uma frequência anual estimada de 0,2% a 1,9%. Esta condição é caracterizada por várias alterações, incluindo disjunção do anel mitral, folhetos mixomatosos e redundantes, e fibrose ventricular. No eletrocardiograma, são observadas alterações de repolarização, como inversão da onda T nas derivações inferolaterais, prolongamento de intervalo QTc e extrassístoles ventriculares frequentes, muitas vezes originadas dos músculos papilares ou da via de saída do ventrículo esquerdo (morfologia de bloqueio de ramo direito). 

O diagnóstico de prolapso mitral arritmogênico requer a confirmação da presença de prolapso mitral, com ou sem disjunção do anel mitral. É necessário também identificar arritmias ventriculares, que podem ser frequentes (com densidade de extrassístoles ventriculares igual ou superior a 5% do total no holter) ou complexas (incluindo taquicardia ventricular não sustentada, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular). Além disso, é essencial excluir a presença de outros substratos arrítmicos bem definidos que possam explicar as arritmias observadas. Essas manifestações ao eletrocardiograma — inversão de onda T, prolongamento do intervalo QTc e arritmias ventriculares — são essenciais para a estratificação de risco e o manejo dos pacientes com prolapso mitral arritmogênico.

 

Referências:

  1. Eletrocardiograma em 7 aulas – Temas avançados e outros métodos – Friedmann 2ª edição, editora Manole.
  2. Pastore, CA et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Brasileiros de Cardiologia. 2016, v. 106, n. 4 Suppl 1. https://doi.org/10.5935/abc.20160054.
  3. Wave-maven ECG (https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/displist.asp?ans=1)
  4. https://radiopaedia.org/
  5. https://www.cardiosurgerypost.com/single-post/2017/08/29/anatomia-da-valva-mitral-conceitos-b%C3%A1sicos-e-armadilhas-cir%C3%BArgicas
  6. Deng Y, Liu J, Wu S, Li X, Yu H, Tang L, Xie M, Zhang C. Arrhythmic Mitral Valve Prolapse: A Comprehensive Review. Diagnostics (Basel). 2023 Sep 6;13(18):2868. doi: 10.3390/diagnostics13182868. 
  7. Avi Sabbag, et al, EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society, EP Europace, Volume 24, Issue 12, December 2022, Pages 1981–2003, https://doi.org/10.1093/europace/euac125

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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.

Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.

Fundamentos em doenças valvares: tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 4: prolapso arritmogênico

Vitor Emer Egypto Rosa

     

O prolapso de válvula mitral apresenta um risco de arritmias e morte súbita diferente de outras valvopatias, cerca de 3 vezes maior que a população geral. A fisiopatologia desses eventos arrítmicos pode ser explicada pelo estresse físico que o prolapso gera nos músculos papilares e na parede inferior do ventrículo esquerdo, gerando pequenos focos de fibrose. Além disso, a disjunção do anel mitral (inserção anormal do anel mitral na parede atrial), usualmente associada ao prolapso, parece intensificar esse processo. Dessa forma, existe uma necessidade em identificar os pacientes com maior risco de morte súbita (denominados portadores de prolapso arritmogênico maligno), daqueles sem arritmia ou com baixo risco de morte súbita. 

O primeiro passo é suspeitar do prolapso arritmogênico maligno naqueles pacientes que apresentam sintomas como palpitações ou síncope não explicada. Nesses casos, devemos realizar o holter, que definirá o componente arritmogênico naqueles com densidade de extrassístoles ventriculares >5%, taquicardia ventricular (TV) não sustentada, TV sustentada ou fibrilação ventricular. De maneira intuitiva, aqueles com fibrilação ventricular, TV sustentada ou TV com frequência >180 bpm são considerados de alto risco e devem ser avaliado de acordo com as diretrizes sobre tratamento de tais arritmias, independente da doença valvar. 

Já aqueles pacientes sem sinais de alto risco na avaliação inicial, devemos verificar outras características também associadas a pior prognóstico, como: onda T invertida em parede inferior, extrassístoles múltiplas e polimórficas, disjunção do anel mitral, cúspides redundantes, aumento do átrio esquerdo, fração de ejeção menor que 50% e presença de realce tardio. Na presença de 2 ou mais dessas características, devemos reavaliar constantemente tais pacientes em busca de arritmias complexas e/ou de alto risco de morte súbita.

Em relação ao tratamento, as evidências são frustras, mas existem algumas possibilidades:

  1. Tratamento medicamentoso: o uso de betabloqueadores é preferido e indicado, a despeito da carência de evidências na literatura.
  2. CDI: não há evidências contundentes para indicação de CDI para aqueles que não se incluem nas indicações previstas pelas diretrizes de implante de marca-passo/CDI. As recomendações atuais são de individualização, discutindo riscos e benefícios com pacientes e familiares.
  3. Ablação: procedimento tecnicamente difícil, porém pode ser indicado na tentativa de redução dos eventos arrítmicos.
  4. Intervenção cirúrgica mitral: apesar da evidência de redução das arritmias com a cirurgia valvar, não existem evidências para intervir apenas com o intuito de reduzir as arritmias, ou seja, pacientes sem indicação de intervenção definida pela doença valvar em si não devem ser submetidos à cirurgia apenas pela arritmia. 

Referências:

Sabbag A et al. EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed by the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace. 2022 Dec 9;24(12):1981-2003. 

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No novo conteúdo, Dr. Vitor Rosa explica o prolapso arritmogênico: como identificar e conduzir cada caso.

Insuficiência Mitral: como definir a etiologia e gravidade anatômica pelo exame físico

 Dr. João Ricardo Fernandes

         A Insuficiência Mitral (IM), cuja incidência aumenta com a idade, pode ocasionar, na sua história natural, repercussões anatômicas e hemodinâmicas significativas e muitas vezes irreversíveis. Por esses motivos, sua adequada identificação e quantificação são primordiais para decisão terapêutica.

         Apesar do ecocardiograma ser imprescindível na avaliação das doenças valvares, um exame físico detalhado tem papel fundamental na identificação inicial da valvopatia e na definição de sua gravidade anatômica, além de ajudar na determinação da etiologia.

A IM pode ser primária, quando há lesão ou acometimento de um ou ambos os folhetos valvares, ou secundária, a qual se caracteriza pela presença de cúspides e cordas estruturalmente normais. Dentre as etiologias primárias, a IM reumática e a IM degenerativa ou prolapso valvar mitral (PVM) destacam-se.

         A ausculta de um sopro cardíaco, através do estetoscópio, deve sempre ser acompanhada da palpação concomitante de pulso central ou periférico. A identificação de um sopro sistólico, ou seja, que acontece de maneira síncrona à palpação do pulso, que ocupa toda a sístole (holossistólico), mais audível na área mitral (5º espaço intercostal esquerdo, linha hemiclavicular) e com timbre caracterizado como “jato de vapor”, denota a presença de uma regurgitação mitral.

         Para definirmos se uma IM primária é anatomicamente importante através do exame físico, algumas das características propedêuticas abaixo devem estar presentes. Tais características denotam a presença de um jato de regurgitação mitral importante e/ou a ocorrência de complicações anatômicas e hemodinâmicas secundárias à IM. Dentre elas, podemos destacar:

  1. Impulso apical (ictus cordis) dinâmico, alargado e deslocado para a esquerda ou para baixo, sugerindo remodelamento ventricular esquerdo;
  2. Sopro sistólico regurgitativo 4+ ou mais (ou seja, com frêmito palpável);
  3. Irradiação do sopro para linha axilar posterior;
  4. Segunda bulha (B2) hiperfonética, sugerindo hipertensão pulmonar;
  5. Presença de terceira bulha (B3);
  6. Presença de sinais de congestão pulmonar e/ou sistêmica.

         Por outro lado, o sopro associado à IM secundária, especialmente em pacientes com função sistólica do ventrículo esquerdo reduzida, é geralmente de baixa intensidade e pode ser de difícil identificação na ausculta cardíaca.

         Além da gravidade anatômica, no exame físico de um paciente portador de IM, podemos também definir ou sugerir a sua etiologia. O PVM, principal etiologia de IM no mundo, tem achados peculiares à ausculta cardíaca. Destacam-se aqui a presença de uma primeira bulha (B1) normofonética (diferentemente da IM reumática, onde a B1 é comumente hipofonética ou inaudível), associada a um clique protossistólico e um sopro mesotelessistólico. Com o avançar da história natural da IM, pode haver ruptura de cordas principais, tornando a B1 hipofonética ou até mesmo inaudível, e o sopro holossistólico.

         A cúspide acometida no PVM também pode ser identificada pela ausculta cardíaca. Sopros associados à cúspide anterior têm irradiação para axila e região infraescapular esquerda, enquanto que sopros associados ao prolapso da cúspide posterior irradiam para a região anterior do tórax, podendo algumas vezes ser confundidos com sopro sistólico aórtico.

Em suma, apesar do grande avanço de novos métodos de imagem para o diagnóstico e quantificação da IM, o exame físico, e em especial a ausculta cardíaca, ainda tem papel crucial na identificação, definição da gravidade anatômica e avaliação da etiologia da IM.

 

Referências:

  1. Mann DL, Zipes DP, Libby P, Bonow RO, editors. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. 12th ed. Elsevier; 2021.
  2. Bonow RO, O’Gara PT, Adams DH, Badhwar V, Bavaria JE,Elmariah S, Hung JW, Lindenfeld J, Morris AA, Satpathy R, Whisenant B, Woo YJ. 2020 focused update of the 2017 ACC expert consensus decision pathway on the management of mitral regurgitation. J Am Coll Cardiol 2020;75:2236–70.
  3. Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, Milojevic M, Baldus S, Bauersachs J, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease. Eur Heart J. 2021;42(36):4077-4174.

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Vamos assistir a mais uma aula do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral!

No vídeo de hoje, Dr. João Ricardo Fernandes explica como é possível definir a gravidade anatômica e a etiologia através do exame físico. Confira!

 

Insuficiência Mitral: Quais os sintomas e por que surgem?

Fernanda Castiglioni Tessari | Lynnie Arouca

Na insuficiência mitral primária crônica, ocorre uma sobrecarga de volume nas câmaras esquerdas e, com a progressão da doença, o excesso de volume descrito levará ao aumento da pressão de enchimento no átrio esquerdo. Considerando que não existe uma válvula que isole o átrio esquerdo da circulação pulmonar, a sobrecarga se refletirá na elevação da pressão venocapilar pulmonar, gerando, com isso, o surgimento de edema alvéolo-intersticial que prejudicará as trocas gasosas, ocasionando o sintoma de dispneia e fadiga. Em fases mais iniciais, os sintomas podem surgir apenas em situações que aumentam a pressão venocapilar pulmonar, como no esforço físico ou durante a gestação, por exemplo. Com a evolução, o paciente passa a apresentar dispnéia aos mínimos esforços ou até em repouso, ortopneia e dispneia paroxística noturna.

Se a insuficiência mitral primária crônica não for tratada, a persistência desses mecanismos leva à progressão da hipertrofia excêntrica, podendo levar ao remodelamento ventricular excessivo, com fibrose intersticial e redução da capacidade contrátil do VE, gerando disfunção ventricular esquerda e intensificação dos sintomas de insuficiência cardíaca.

Em fases mais avançadas da doença também pode haver remodelamento da circulação pulmonar com hipertensão pulmonar mista e repercussão em câmaras direitas, com insuficiência tricúspide e disfunção ventricular direita. Nesse momento, o paciente pode cursar com piora do edema periférico, ascite, fadiga, hemoptise, dentre outros sintomas de insuficiência cardíaca direita. 

Paralelamente, remodelamento atrial mencionado pode levar à instabilidade elétrica e surgimento de arritmias atriais, em especial a fibrilação atrial. Assim, dentre os possíveis sintomas associados a essa valvopatia, a presença de palpitações e a ocorrência de fenômenos embólicos (como AVC/AIT, obstrução arterial periférica aguda e abdome agudo vascular) podem acontecer.

Do mesmo modo, no caso da insuficiência mitral secundária, a regurgitação mitral pode contribuir para a intensificação ou dificultar o controle dos sintomas de insuficiência cardíaca provocados pela doença de base, com piora da dispneia, intolerância aos esforços e sinais de baixo débito cardíaco.  

Devemos também estar atentos aos pacientes portadores de prolapso de válvula mitral. Em alguns casos, ele pode se apresentar no formato de uma entidade denominada prolapso arritmogênico. Nesses pacientes, a presença de fibrose miocárdica, notadamente nos músculos papilares, causada pelo tracionamento das cordoalhas tendíneas, leva a eventos arrítmicos ventriculares. Esses eventos variam desde extrassístoles ventriculares frequentes ( 5%) – que podem se manifestar clinicamente com palpitações – até arritmias ventriculares complexas (TVNS, TV e FV) – podendo desencadear episódios de síncope ou mesmo morte súbita. Desse modo, sempre que houver sintomas de palpitações e/ou síncope no contexto de prolapso de válvula mitral, é importante se atentar ao rastreio do prolapso arritmogênico, mesmo na ausência de refluxo mitral importante.

Assim, entendendo a origem dos principais sintomas na insuficiência mitral, fica simples compreender quais são eles. Resumidamente, então, podem acontecer: palpitações (por fibrilação atrial e/ou prolapso arritmogênico), dispneia e fadiga (por congestão venocapilar pulmonar e redução do débito cardíaco), síncope (no contexto do prolapso arritmogênico) e fenômenos embólicos (secundários à fibrilação atrial). 

 

Referências bibliográficas

El Sabbagh, A., Reddy, Y. N. V., & Nishimura, R. A. (2018). Mitral Valve Regurgitation in the Contemporary Era: Insights Into Diagnosis, Management, and Future Directions. JACC. Cardiovascular imaging, 11(4), 628–643. https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2018.01.009

 

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047

 

Sabbag, A., Essayagh, B., Barrera, J. D. R., Basso, C., Berni, A., Cosyns, B., Deharo, J. C., Deneke, T., Di Biase, L., Enriquez-Sarano, M., Donal, E., Imai, K., Lim, H. S., Marsan, N. A., Turagam, M. K., Peichl, P., Po, S. S., Haugaa, K. H., Shah, D., de Riva Silva, M., … Lancellotti, P. (2022). EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace: European pacing, arrhythmias, and cardiac electrophysiology : journal of the working groups on cardiac pacing, arrhythmias, and cardiac cellular electrophysiology of the European Society of Cardiology, 24(12), 1981–2003. https://doi.org/10.1093/europace/euac125

 

Insuficiência Mitral: quais são os sintomas e por que surgem?

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Mais uma aula do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral está disponível. No novo conteúdo, a Dra. Lynnie Arouca explica quais são os sintomas da valvopatia, como identificá-las e o porquê surgem.

 

Etiologia e Fisiopatologia da Insuficiência Mitral

Renato Nemoto

Etiologia

A insuficiência mitral (IM) é dividida em:

Primária: quando o problema ocorre nas cúspides, cordoalhas tendíneas, músculos papilares e/ou anel valvar, sendo as principais etiologias o prolapso mitral, doença reumática e degenerativa (MAC – mitral anullus calcification). 

Secundária: decorrente da dilatação atrial e/ou ventricular

A classificação de Carpentier divide as principais causas de IM primária e secundária, como vemos a seguir. 

1) Na IM primária:

– Tipo I: apresenta movimentação e posição normais das cúspides, sendo a regurgitação decorrente de uma perfuração nos folhetos, na maioria das vezes secundária a uma endocardite infecciosa. 

– Tipo II: ocorre por movimento excessivo dos folhetos, sendo o protótipo o prolapso mitral. É uma degeneração mixomatosa das cúspides, com excesso de tecido em um ou mais escalopes das cúspides, ocasionando uma alteração de conformação e movimentação em direção ao átrio esquerdo. As cordoalhas em geral são alongadas, e o anel mais dilatado do que o normal. Quando essa cúspide fica instável, pela ruptura de cordoalhas tendíneas, e ocorre o deslocamento da ponta do folheto em direção ao átrio esquerdo, temos o flail, uma forma mais avançada do prolapso mitral. Quando a degeneração mixomatosa atinge vários segmentos, temos a doença de Barlow, com vários segmentos redundantes, gerando uma válvula por vezes completamente distorcida.

– Tipo IIIA: há uma restrição de mobilidade dos folhetos tanto na sístole quanto na diástole. Ocorre na doença reumática, pela distorção dos folhetos e aparato valvar gerada pelo acometimento reumático, e também na doença degenerativa (calcífica), que quando acomete o anel mitral, é denominada MAC.

2) Na IM secundária:

– Tipo I: envolve a IM atrial, quando a regurgitação é secundária à dilatação do átrio esquerdo (principalmente pela fibrilação atrial) ou pela dilatação ventricular secundária a uma cardiomiopatia não-isquêmica.

– Tipo IIIB: é a IM secundária à dilatação ventricular secundária à miocardiopatia isquêmica.

Outras causas de IM incluem alterações congênitas, como o cleft, e medicamentosa (ergotamina, bromocriptina, cabergolina).

Fisiopatologia

Na IM, o fluxo de sangue que vai do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo na sístole causa uma sobrecarga de volume para o ventrículo esquerdo, átrio esquerdo, capilares pulmonares e assim por diante. Para manter a complacência e acomodar cada vez mais volume, há um aumento dos sarcômeros, ocasionando aumento dos diâmetros do ventrículo esquerdo e, com a evolução, hipertrofia excêntrica. Esse aumento do ventrículo esquerdo inicialmente mantém a fração de ejeção preservada, mas à medida que a doença progride, a tensão na parede do ventrículo esquerdo aumenta, a pós-carga aumenta, e a contratilidade reduz, causando queda na fração de ejeção. 

O átrio esquerdo terá um aumento do seu diâmetro e volume, para aumentar a complacência e redução das pressões pulmonares. Com a progressão da doença e consequente congestão retrógrada, há aumento da pressão arterial pulmonar, podendo causar disfunção das câmaras direitas e insuficiência tricúspide em fases mais avançadas.

Insuficiência Mitral: etiologia e fisiopatologia

Assista ao vídeo

Hoje começamos mais uma série de conteúdos especiais: Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral.

Vamos trazer até você tópicos diversos abordando todos os aspectos referentes a essa valvopatia. Neste primeiro vídeo, Dr. Renato Nemoto fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da condição.

Em breve, traremos mais temas sobre o assunto – acompanhe!

 

Short DAPT com clopidogrel após ICP?

Dra. Luhanda Monti

 

Após a realização de uma intervenção coronariana percutânea (ICP) com stent farmacológico (SF), a dupla terapia antiplaquetária (DAPT) se torna imperativa para prevenir trombose de stent e eventos cardiovasculares. No entanto, até 40% dos pacientes possuem alto risco de sangramento. Na última década o tempo DAPT após uma ICP com SF tem sido extensivamente discutido em função das novas plataformas de stent, que possuem menor risco trombótico, bem como a ascensão de inibidores P2Y12 mais potentes. A esse respeito, diversos estudos testaram diferentes esquemas de abreviação da DAPT, geralmente entre 1 e 3 meses, utilizando inibidores P2Y12 mais potentes, como o ticagrelor e prasugrel, tanto em pacientes crônicos, quanto agudos, que foram submetidos a ICP com SF,  trazendo  resultados satisfatórios, a depender do risco de sangramento vs. trombótico. Todavia, restava saber como seriam os resultados com o clopidogrel, haja vista seu amplo uso na prática clínica. Foi neste cenário que se iniciou a saga de trails STOPDAP-2. No presente artigo, trago uma análise crítica do primeiro ano de seguimento. 

STOPDAPT-2 2019 JAMA – Seguimento de 01 ano

Trata-se de um ensaio clínico randomizado (ECR) de não inferioridade, que se prestou a avaliar a não-inferioridade da DAPT com aspirina (AAS) e clopidogrel por 1 mês, seguida de monoterapia com clopidogrel Vs. DAPT por 12 meses, com relação aos desfechos cardiovasculares e de sangramento, em pacientes submetidos à ICP. 

Desenho: 

ECR, multicêntrico em 90 hospitais no Japão, de não-inferioridade, placebo controlado, cujas análises foram conduzidas com o princípio de intention to treat. N=3045 pacientes / Seguimento médio: de 12 meses

Os pacientes submetidos a ICP foram randomizados para

 1 mês de DAPT   🡪  CLOPIDOGREL por 12 meses (1.523) 

12 meses de DAPT  🡪  AAS+ CLOPIDOGREL por 12 meses (n = 1.522)

Critérios de inclusão:

  • Pacientes com doença arterial coronária (DAC) crônica ou síndrome coronária aguda (SCA) submetidos a ICP com SF cromo-cobalto eluído em everolimus.

Critério de exclusão:

  • Necessidade de anticoagulação oral
  • Uso de outro antiagregante plaquetário que não fosse AAS ou inibidor P2Y12
  • Intolerância ao clopidogrel 
  • História de hemorragia intracraniana

Baseline: 

    • Idade média: 68 anos
    • Mulheres: 21%
    • Diabetes: 39%
    • Doença arterial coronariana estável: 62%
    • SCA: 37,7%

Desfecho composto primário: Morte cardiovascular (CV), infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC)- isquêmico ou hemorrágico, trombose de stent e sangramento maior ou menor por TIMI. 

Desfecho composto secundário: Componentes individuais do desfecho composto primário.

Resultados: 

O desfecho primário de morte, IAM, trombose de stent, AVC, sangramento TIMI maior/menor em 1 ano, ocorreu em 2,4% do grupo de DAPT por 01 mês em Vs.  3,7% no grupo de DAPT por 12 meses p. não-inferioridade<0,001 (p. para superioridade = 0,04). 

Resultados secundários:

    • Morte, IAM, trombose de stent ou AVC em 1 ano: 2,0% do grupo DAPT de 1 mês em comparação com 2,5% do grupo TAPD de 12 meses (p para não inferioridade = 0,005)
    • Sangramento maior/menor por TIMI em 1 ano: 0,4% do grupo DAPT de 1 mês em comparação com 1,5% do grupo DAPT de 12 meses (p para superioridade = 0,004);
    • Apenas sangramento maior: DAPT 1 mês: 0,2 vs. DAPT 12 meses: 1,07 (p. de superioridade de 0,01)
    • Bleeding Academic Research Consortium (BARC) 3 ou 5 – sangramento em 1 ano: 0,5% do grupo DAPT de 1 mês comparado com 1,8% do grupo TAPD de 12 meses (p para superioridade = 0,003). 
    • Trombose de stent definitiva ou provável: 0,3% do grupo DAPT 1 mês Vs.  0,07% do grupo DAPT por 12 meses (p para superioridade = 0,21)

Conclusão: Em pacientes submetidos à ICP com SF eluído em everolimus, a DAPT (AAS+ Clopidogrel) por 01 mês seguida de monoterapia com clopidogrel por 01 ano, foi não inferior à DAPT por 12 meses para eventos cardiovasculares isquêmicos e superior quanto a redução de sangramento. 

Comentários sobre a aplicação prática

A DAPT por 01 mês seguida de monoterapia com clopidogrel proporcionou um benefício líquido para os eventos cardiovasculares e hemorrágicos, impulsionado por uma redução significativa de eventos hemorrágicos sem aumento de eventos isquêmicos, quando comparada ao esquema de DAPT 12 meses.  

Nesse momento, você pensa: Então posso fazer short dapt por um mês e seguir com clopidogrel apenas?  Bom pessoal, ao aplicarmos este ou qualquer resultado de ECR à nossa prática, uma análise pormenorizada se faz necessária. Estudos de não-inferioridade devem ser interpretados com cautela, pois possuem nuances que os diferem dos estudos de superioridade.

🡪 O primeiro ponto é identificar a margem de não-inferioridade, que traduz o quanto se “aceita” que a nova terapia seja inferior a padrão, pois o fato de x droga ser não-inferior, não é o mesmo que dizer que são equivalentes. O STOPDAPT-2 teve 2,3% de margem de não-inferioridade, correspondendo a 50% da taxa estimada de eventos, estando, portanto, adequado.

🡪 Segundo ponto: Se atente ao tipo de análise. Diferentemente dos estudos de superioridade, em ECR de não-inferioridade, a análise intention-to-treat pode favorecer o grupo intervenção a depender do percentual de cross-over, fazendo com que pareça não haver diferença entre o tratamento padrão e o novo a ser testado, ou seja, fazendo o estudo ser positivo, sem que isso seja verdadeiro, portanto, em estudos de não-inferioridade, a análise per-protocol é mais adequada. Neste STOPDAP-2 embora a análise tenha sido por intention-to-treat, os autores também analisaram per protocol.  A análise de não- inferioridade per protocol foi condizente com a análise intention-to-treat para o desfecho primário estando, portanto, adequada.

🡪 Finalmente, com relação ao baseline, notem que foram incluídos tanto pacientes com SCA, quanto com DAC crônica, sendo esta última, a maioria. Sabemos que estas são doenças fisiopatologicamente distintas e que a SCA traz consigo maior risco trombótico. Houve um aumento numérico de trombose de stent e IAM no grupo DAPT 01 mês. Posteriormente, o estudo STOP DAPT-2 ACS realizado apenas com pacientes agudos, testou DAPT 1-2 meses com AAS + clopidogrel vs. clopidogrel, mostrou redução de sangramento com Short DAPT, contudo, não atendeu aos critérios de não-inferioridade para os desfechos isquêmicos, além de mostrar uma tendência no aumento de IAM e trombose de stent. Além disso, a mediana do SYNTAX Score foi de 9, o que traduz uma população de baixa complexidade anatômica e talvez de menor risco trombótico. De fato, trata-se de uma população de risco trombótico e hemorrágico baixo ou intermédio, com base na pontuação de risco CREDO-Kyoto (92% e 93%, respetivamente) e de PARIS (86% e 80%, respetivamente).

     Em suma, a mensagem final é de que a ICP com SF de nova geração, no contexto da DAC crônica, a DAPT por 1 mês seguida com clopidogrel, ao invés de 6 meses como mandam as diretrizes, pode ser uma opção plausível em pacientes de maior risco de sangramento, desde que o risco trombótico seja baixo. Já no cenário da SCA, como o risco isquêmico permanece elevado até 1 ano após o evento, sendo inclusive bem maior nos primeiros meses, até o momento, seguimos as recomendações de diretrizes, que orientam, manter DAPT por 12 meses como regra geral. A abreviação da DAPT neste cenário, deve ser individualizada em casos de alto risco de sangramento, pautada no tipo de stent e fármaco eluidor, bem como no tipo de IP2Y12 empregado. 

Referências: 

Watanabe H, Domei T, Morimoto T, et al. Effect of 1-Month Dual Antiplatelet Therapy Followed by Clopidogrel vs 12-Month Dual Antiplatelet Therapy on Cardiovascular and Bleeding Events in Patients Receiving PCI: The STOPDAPT-2 Randomized Clinical Trial. JAMA 2019;321:2414-27.

Watanabe H, Morimoto T, Natsuaki M,et al. STOPDAPT-2 ACS Investigators. Comparison of Clopidogrel Monotherapy After 1 to 2 Months of Dual Antiplatelet Therapy With 12 Months of Dual Antiplatelet Therapy in Patients With Acute Coronary Syndrome: The STOPDAPT-2 ACS Randomized Clinical Trial. JAMA Cardiol. 2022 Apr 1;7(4):407-417. 

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