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Insuficiência Mitral: Quais os sintomas e por que surgem?

Fernanda Castiglioni Tessari | Lynnie Arouca

Na insuficiência mitral primária crônica, ocorre uma sobrecarga de volume nas câmaras esquerdas e, com a progressão da doença, o excesso de volume descrito levará ao aumento da pressão de enchimento no átrio esquerdo. Considerando que não existe uma válvula que isole o átrio esquerdo da circulação pulmonar, a sobrecarga se refletirá na elevação da pressão venocapilar pulmonar, gerando, com isso, o surgimento de edema alvéolo-intersticial que prejudicará as trocas gasosas, ocasionando o sintoma de dispneia e fadiga. Em fases mais iniciais, os sintomas podem surgir apenas em situações que aumentam a pressão venocapilar pulmonar, como no esforço físico ou durante a gestação, por exemplo. Com a evolução, o paciente passa a apresentar dispnéia aos mínimos esforços ou até em repouso, ortopneia e dispneia paroxística noturna.

Se a insuficiência mitral primária crônica não for tratada, a persistência desses mecanismos leva à progressão da hipertrofia excêntrica, podendo levar ao remodelamento ventricular excessivo, com fibrose intersticial e redução da capacidade contrátil do VE, gerando disfunção ventricular esquerda e intensificação dos sintomas de insuficiência cardíaca.

Em fases mais avançadas da doença também pode haver remodelamento da circulação pulmonar com hipertensão pulmonar mista e repercussão em câmaras direitas, com insuficiência tricúspide e disfunção ventricular direita. Nesse momento, o paciente pode cursar com piora do edema periférico, ascite, fadiga, hemoptise, dentre outros sintomas de insuficiência cardíaca direita. 

Paralelamente, remodelamento atrial mencionado pode levar à instabilidade elétrica e surgimento de arritmias atriais, em especial a fibrilação atrial. Assim, dentre os possíveis sintomas associados a essa valvopatia, a presença de palpitações e a ocorrência de fenômenos embólicos (como AVC/AIT, obstrução arterial periférica aguda e abdome agudo vascular) podem acontecer.

Do mesmo modo, no caso da insuficiência mitral secundária, a regurgitação mitral pode contribuir para a intensificação ou dificultar o controle dos sintomas de insuficiência cardíaca provocados pela doença de base, com piora da dispneia, intolerância aos esforços e sinais de baixo débito cardíaco.  

Devemos também estar atentos aos pacientes portadores de prolapso de válvula mitral. Em alguns casos, ele pode se apresentar no formato de uma entidade denominada prolapso arritmogênico. Nesses pacientes, a presença de fibrose miocárdica, notadamente nos músculos papilares, causada pelo tracionamento das cordoalhas tendíneas, leva a eventos arrítmicos ventriculares. Esses eventos variam desde extrassístoles ventriculares frequentes ( 5%) – que podem se manifestar clinicamente com palpitações – até arritmias ventriculares complexas (TVNS, TV e FV) – podendo desencadear episódios de síncope ou mesmo morte súbita. Desse modo, sempre que houver sintomas de palpitações e/ou síncope no contexto de prolapso de válvula mitral, é importante se atentar ao rastreio do prolapso arritmogênico, mesmo na ausência de refluxo mitral importante.

Assim, entendendo a origem dos principais sintomas na insuficiência mitral, fica simples compreender quais são eles. Resumidamente, então, podem acontecer: palpitações (por fibrilação atrial e/ou prolapso arritmogênico), dispneia e fadiga (por congestão venocapilar pulmonar e redução do débito cardíaco), síncope (no contexto do prolapso arritmogênico) e fenômenos embólicos (secundários à fibrilação atrial). 

 

Referências bibliográficas

El Sabbagh, A., Reddy, Y. N. V., & Nishimura, R. A. (2018). Mitral Valve Regurgitation in the Contemporary Era: Insights Into Diagnosis, Management, and Future Directions. JACC. Cardiovascular imaging, 11(4), 628–643. https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2018.01.009

 

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047

 

Sabbag, A., Essayagh, B., Barrera, J. D. R., Basso, C., Berni, A., Cosyns, B., Deharo, J. C., Deneke, T., Di Biase, L., Enriquez-Sarano, M., Donal, E., Imai, K., Lim, H. S., Marsan, N. A., Turagam, M. K., Peichl, P., Po, S. S., Haugaa, K. H., Shah, D., de Riva Silva, M., … Lancellotti, P. (2022). EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace: European pacing, arrhythmias, and cardiac electrophysiology : journal of the working groups on cardiac pacing, arrhythmias, and cardiac cellular electrophysiology of the European Society of Cardiology, 24(12), 1981–2003. https://doi.org/10.1093/europace/euac125

 

Fim da linha para os DOACs nas próteses mecânicas?

Renato Nemoto

Este artigo discutirá o avanço das próteses mecânicas no mundo moderno. Saiba quais são os Benefícios e Desvantagens dos diferentes tipos de próteses para usuários.

Não há dúvidas que os pacientes que possuem prótese valvar mecânica estão mais sujeitos a trombose de prótese, necessitando de anticoagulação contínua. Atualmente, a única opção validada pelos estudos é a varfarina, sabidamente difícil de utilizar na prática por seu ajuste de dose individualizado, infindável número de interações medicamentosas e alimentares, além da possibilidade de episódios de intoxicação com risco de sangramentos. Desde o surgimento dos anticoagulantes diretos (DOACs – rivaroxabana, edoxabana, apixabana e dabigatrana), tenta-se validar seu uso para esse cenário, o que significaria pelo menos maior comodidade aos pacientes.

Um estudo chamado Re-ALIGN comparou o uso da dabigatrana em pacientes com prótese mecânica aórtica ou mitral versus a varfarina e foi interrompido precocemente devido ao maior número de eventos tanto tromboembólicos quanto de sangramento com o DOAC.

Foi desenvolvida uma prótese mecânica chamada On-X, planejada e construída com material e características que reduzem o turbilhonamento de sangue, reduzindo a chance de trombose e, pelo estudo inicial (PROACT), toleraria inclusive uma menor dose de varfarina, com faixa de INR entre 1,5 e 2,0 para posição aórtica. A partir daí, foi desenhado um estudo para avaliar se os pacientes portadores dessa prótese poderiam ser anticoagulados com DOAC.

O estudo PROACT-Xa foi multicêntrico, aberto, de não inferioridade:

  • Apixabana (maior dose possível de acordo com idade, peso e creatinina) vs varfarina (INR entre 2-3)
  • Prótese mecânica aórtica implantada há menos de 3 meses (menor chance de trombose do que posição mitral)
  • 94% estavam em uso concomitante de AAS

Desfechos:

  • primário: composto de trombose de prótese ou embolia associada à prótese
  • secundários: sangramentos maiores e menores

O estudo foi interrompido precocemente (863 pacientes foram avaliados) devido a um maior número de eventos tromboembólicos no grupo da apixabana (20 vs 6). A não inferioridade não foi alcançada, e a taxa de sangramento foi semelhante entre os grupos.

Como conclusão, não há perspectivas ainda para o uso de DOACs nos pacientes com prótese valvar mecânica. O cenário do estudo era o mais promissor até hoje, devido às características da prótese e avaliação somente da posição aórtica. Mesmo assim, a apixabana não demonstrou segurança, restando a varfarina como única opção segura e eficaz nesse perfil de pacientes.

Emergências em Valvopatias: Como manejar um paciente com Insuficiência Mitral no Departamento de Emergência?

Renato Nemoto

Seguindo com a série de tratamento de valvopatias no Departamento de Emergência, chegamos agora na Insuficiência Mitral, valvopatia que gera uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, causando congestão a partir dessa câmara.

Seguindo com a série de tratamento de valvopatias no Departamento de Emergência, chegamos agora na Insuficiência Mitral, valvopatia que gera uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, causando congestão a partir dessa câmara.

Quando crônica, ocorre remodelamento excêntrico do ventrículo esquerdo, átrio esquerdo, e congestão pulmonar. Quanto maior o tempo de evolução, maior a chance de hipertensão pulmonar. A dilatação do átrio esquerdo favorece o surgimento de arritmias atriais, podendo apresentar no Departamento de Emergência fibrilação atrial de alta resposta, taquicardia atrial, dentre outras. Caso estável, a preferência em geral é por controle de frequência cardíaca devido remodelamento cardíaco, e se a arritmia gera instabilidade hemodinâmica, deve-se proceder à cardioversão elétrica.

Quando a apresentação é com insuficiência cardíaca, a abordagem se dá com diureticoterapia e vasodilatação, para redução das pressões de enchimento, redução da fração regurgitante e alívio da congestão. A redução da frequência cardíaca objetivando FC em torno de 50-60bpm é deletéria, pois gera o aumento da fração regurgitante, piorando a congestão. Em caso de choque cardiogênico, a associação de inotrópicos, suporte ventricular esquerdo, como o balão intra-aórtico, são efetivas como suporte até resolução da valvopatia.

Já quando a Insuficiência mitral é aguda, as consequências são diferentes. As principais causas de IMi aguda são endocardite infecciosa, isquêmica, ruptura espontânea de cordoalha, trauma, ruptura de prótese, pós procedimentos percutâneos. A sobrecarga nas câmaras esquerdas ocorre de forma abrupta, não tendo o VE e o AE tempo para se adaptar. Dessa maneira, com a pouca complacência quando comparado com a IMi crônica, o resultado é congestão pulmonar, na maioria das vezes edema agudo de pulmão e instabilidade hemodinâmica. A abordagem também envolve diureticoterapia, vasodilatação se possível, inotrópicos e suporte ventricular esquerdo.

O tratamento definitivo é cirúrgico, ficando o tratamento percutâneo (MitraCLip) para os casos de alto ou proibitivo risco cirúrgico, tendo inclusive alguma evidência em casos de choque cardiogênico (https://triplei.com.br/mitraclip-no-tratamento-de-choque-cardiogenico/).

 

Referências:

Accorsi, TAD et al. Emergências Relacionadas à Doença Valvar Cardíaca: Uma Revisão Abrangente da Abordagem Inicial no Departamento de Emergência. Arq. bras. cardiol ; 120(5): e20220707, 2023.