Arquivo para Tag: Select trial

Short DAPT com clopidogrel após ICP?

Dra. Luhanda Monti

 

Após a realização de uma intervenção coronariana percutânea (ICP) com stent farmacológico (SF), a dupla terapia antiplaquetária (DAPT) se torna imperativa para prevenir trombose de stent e eventos cardiovasculares. No entanto, até 40% dos pacientes possuem alto risco de sangramento. Na última década o tempo DAPT após uma ICP com SF tem sido extensivamente discutido em função das novas plataformas de stent, que possuem menor risco trombótico, bem como a ascensão de inibidores P2Y12 mais potentes. A esse respeito, diversos estudos testaram diferentes esquemas de abreviação da DAPT, geralmente entre 1 e 3 meses, utilizando inibidores P2Y12 mais potentes, como o ticagrelor e prasugrel, tanto em pacientes crônicos, quanto agudos, que foram submetidos a ICP com SF,  trazendo  resultados satisfatórios, a depender do risco de sangramento vs. trombótico. Todavia, restava saber como seriam os resultados com o clopidogrel, haja vista seu amplo uso na prática clínica. Foi neste cenário que se iniciou a saga de trails STOPDAP-2. No presente artigo, trago uma análise crítica do primeiro ano de seguimento. 

STOPDAPT-2 2019 JAMA – Seguimento de 01 ano

Trata-se de um ensaio clínico randomizado (ECR) de não inferioridade, que se prestou a avaliar a não-inferioridade da DAPT com aspirina (AAS) e clopidogrel por 1 mês, seguida de monoterapia com clopidogrel Vs. DAPT por 12 meses, com relação aos desfechos cardiovasculares e de sangramento, em pacientes submetidos à ICP. 

Desenho: 

ECR, multicêntrico em 90 hospitais no Japão, de não-inferioridade, placebo controlado, cujas análises foram conduzidas com o princípio de intention to treat. N=3045 pacientes / Seguimento médio: de 12 meses

Os pacientes submetidos a ICP foram randomizados para

 1 mês de DAPT   🡪  CLOPIDOGREL por 12 meses (1.523) 

12 meses de DAPT  🡪  AAS+ CLOPIDOGREL por 12 meses (n = 1.522)

Critérios de inclusão:

  • Pacientes com doença arterial coronária (DAC) crônica ou síndrome coronária aguda (SCA) submetidos a ICP com SF cromo-cobalto eluído em everolimus.

Critério de exclusão:

  • Necessidade de anticoagulação oral
  • Uso de outro antiagregante plaquetário que não fosse AAS ou inibidor P2Y12
  • Intolerância ao clopidogrel 
  • História de hemorragia intracraniana

Baseline: 

    • Idade média: 68 anos
    • Mulheres: 21%
    • Diabetes: 39%
    • Doença arterial coronariana estável: 62%
    • SCA: 37,7%

Desfecho composto primário: Morte cardiovascular (CV), infarto agudo do miocárdio (IAM) e acidente vascular cerebral (AVC)- isquêmico ou hemorrágico, trombose de stent e sangramento maior ou menor por TIMI. 

Desfecho composto secundário: Componentes individuais do desfecho composto primário.

Resultados: 

O desfecho primário de morte, IAM, trombose de stent, AVC, sangramento TIMI maior/menor em 1 ano, ocorreu em 2,4% do grupo de DAPT por 01 mês em Vs.  3,7% no grupo de DAPT por 12 meses p. não-inferioridade<0,001 (p. para superioridade = 0,04). 

Resultados secundários:

    • Morte, IAM, trombose de stent ou AVC em 1 ano: 2,0% do grupo DAPT de 1 mês em comparação com 2,5% do grupo TAPD de 12 meses (p para não inferioridade = 0,005)
    • Sangramento maior/menor por TIMI em 1 ano: 0,4% do grupo DAPT de 1 mês em comparação com 1,5% do grupo DAPT de 12 meses (p para superioridade = 0,004);
    • Apenas sangramento maior: DAPT 1 mês: 0,2 vs. DAPT 12 meses: 1,07 (p. de superioridade de 0,01)
    • Bleeding Academic Research Consortium (BARC) 3 ou 5 – sangramento em 1 ano: 0,5% do grupo DAPT de 1 mês comparado com 1,8% do grupo TAPD de 12 meses (p para superioridade = 0,003). 
    • Trombose de stent definitiva ou provável: 0,3% do grupo DAPT 1 mês Vs.  0,07% do grupo DAPT por 12 meses (p para superioridade = 0,21)

Conclusão: Em pacientes submetidos à ICP com SF eluído em everolimus, a DAPT (AAS+ Clopidogrel) por 01 mês seguida de monoterapia com clopidogrel por 01 ano, foi não inferior à DAPT por 12 meses para eventos cardiovasculares isquêmicos e superior quanto a redução de sangramento. 

Comentários sobre a aplicação prática

A DAPT por 01 mês seguida de monoterapia com clopidogrel proporcionou um benefício líquido para os eventos cardiovasculares e hemorrágicos, impulsionado por uma redução significativa de eventos hemorrágicos sem aumento de eventos isquêmicos, quando comparada ao esquema de DAPT 12 meses.  

Nesse momento, você pensa: Então posso fazer short dapt por um mês e seguir com clopidogrel apenas?  Bom pessoal, ao aplicarmos este ou qualquer resultado de ECR à nossa prática, uma análise pormenorizada se faz necessária. Estudos de não-inferioridade devem ser interpretados com cautela, pois possuem nuances que os diferem dos estudos de superioridade.

🡪 O primeiro ponto é identificar a margem de não-inferioridade, que traduz o quanto se “aceita” que a nova terapia seja inferior a padrão, pois o fato de x droga ser não-inferior, não é o mesmo que dizer que são equivalentes. O STOPDAPT-2 teve 2,3% de margem de não-inferioridade, correspondendo a 50% da taxa estimada de eventos, estando, portanto, adequado.

🡪 Segundo ponto: Se atente ao tipo de análise. Diferentemente dos estudos de superioridade, em ECR de não-inferioridade, a análise intention-to-treat pode favorecer o grupo intervenção a depender do percentual de cross-over, fazendo com que pareça não haver diferença entre o tratamento padrão e o novo a ser testado, ou seja, fazendo o estudo ser positivo, sem que isso seja verdadeiro, portanto, em estudos de não-inferioridade, a análise per-protocol é mais adequada. Neste STOPDAP-2 embora a análise tenha sido por intention-to-treat, os autores também analisaram per protocol.  A análise de não- inferioridade per protocol foi condizente com a análise intention-to-treat para o desfecho primário estando, portanto, adequada.

🡪 Finalmente, com relação ao baseline, notem que foram incluídos tanto pacientes com SCA, quanto com DAC crônica, sendo esta última, a maioria. Sabemos que estas são doenças fisiopatologicamente distintas e que a SCA traz consigo maior risco trombótico. Houve um aumento numérico de trombose de stent e IAM no grupo DAPT 01 mês. Posteriormente, o estudo STOP DAPT-2 ACS realizado apenas com pacientes agudos, testou DAPT 1-2 meses com AAS + clopidogrel vs. clopidogrel, mostrou redução de sangramento com Short DAPT, contudo, não atendeu aos critérios de não-inferioridade para os desfechos isquêmicos, além de mostrar uma tendência no aumento de IAM e trombose de stent. Além disso, a mediana do SYNTAX Score foi de 9, o que traduz uma população de baixa complexidade anatômica e talvez de menor risco trombótico. De fato, trata-se de uma população de risco trombótico e hemorrágico baixo ou intermédio, com base na pontuação de risco CREDO-Kyoto (92% e 93%, respetivamente) e de PARIS (86% e 80%, respetivamente).

     Em suma, a mensagem final é de que a ICP com SF de nova geração, no contexto da DAC crônica, a DAPT por 1 mês seguida com clopidogrel, ao invés de 6 meses como mandam as diretrizes, pode ser uma opção plausível em pacientes de maior risco de sangramento, desde que o risco trombótico seja baixo. Já no cenário da SCA, como o risco isquêmico permanece elevado até 1 ano após o evento, sendo inclusive bem maior nos primeiros meses, até o momento, seguimos as recomendações de diretrizes, que orientam, manter DAPT por 12 meses como regra geral. A abreviação da DAPT neste cenário, deve ser individualizada em casos de alto risco de sangramento, pautada no tipo de stent e fármaco eluidor, bem como no tipo de IP2Y12 empregado. 

Referências: 

Watanabe H, Domei T, Morimoto T, et al. Effect of 1-Month Dual Antiplatelet Therapy Followed by Clopidogrel vs 12-Month Dual Antiplatelet Therapy on Cardiovascular and Bleeding Events in Patients Receiving PCI: The STOPDAPT-2 Randomized Clinical Trial. JAMA 2019;321:2414-27.

Watanabe H, Morimoto T, Natsuaki M,et al. STOPDAPT-2 ACS Investigators. Comparison of Clopidogrel Monotherapy After 1 to 2 Months of Dual Antiplatelet Therapy With 12 Months of Dual Antiplatelet Therapy in Patients With Acute Coronary Syndrome: The STOPDAPT-2 ACS Randomized Clinical Trial. JAMA Cardiol. 2022 Apr 1;7(4):407-417. 

Estenose Aórtica: baixo-fluxo, baixo-gradiente com fração de ejeção reduzida

Dr. Vitor Rosa

 

A estenose aórtica de baixo-fluxo, baixo-gradiente e fração de ejeção reduzida (EABFBG), ou estenose aórtica BFBG clássica, representa apenas 5% a 10% da população com estenose aórtica. No entanto, este é um dos subgrupos de pacientes mais desafiadores. Isso decorre da dificuldade em diagnosticar a gravidade anatômica, principalmente naqueles sem reserva contrátil, e por insegurança na indicação de intervenção devido ao pior prognóstico quando comparada à estenose aórtica de alto gradiente.

O primeiro passo é definir o que é a BFBG. Para isso, o ecocardiograma transtorácico é a ferramenta necessária. BFBG ocorre quando o paciente apresenta uma área valvar aórtica (AVA) ≤ 1,0 cm² (AVA de estenose aórtica importante) com gradiente transaórtico médio < 40 mmHg (gradiente de estenose aórtica moderada), associados à disfunção ventricular (fração de ejeção [FEVE] < 50%). Nesse momento, não podemos dizer se o paciente apresenta realmente uma estenose aórtica importante e se beneficiaria de tratamento intervencionista, ou se possui uma valvopatia moderada e mereceria otimização medicamentosa apenas. Para tal definição, o ecocardiograma com baixas doses de dobutamina é imperativo. Tal exame de estresse pode ser realizado com doses de até 20 mcg/kg/min de dobutamina. Inicialmente, avaliamos se o ventrículo responde à dobutamina, ou seja, se o paciente possui reserva contrátil, definida por um aumento de volume ejetado de 20% ou mais, ou aumento do gradiente médio em 10 mmHg ou mais. Na presença de reserva contrátil, o próximo passo é avaliar a AVA. Se a AVA apresentar um aumento ≥ 0,3 cm² e ficar > 1,0 cm², temos uma estenose aórtica pseudo-importante (moderada). Se a AVA ficar igual, diminuir ou aumentar menos que 0,3 cm², temos uma estenose aórtica verdadeiramente importante. Nos casos em que não há reserva contrátil, a definição anatômica deve ser realizada pela tomografia com escore de cálcio valvar aórtico que define a estenose aórtica como importante quando > 2000 UA para homens e > 1300 UA para mulheres. 

Por fim, a ausência de reserva contrátil não deve contraindicar ou postergar o procedimento intervencionista. Evidências recentes evidenciaram que a ausência de reserva não se relaciona com fibrose ou doença ventricular. Além disso, estudos demonstraram que a ausência de reserva contrátil não é um marcador prognóstico após a intervenção cirúrgica ou transcateter. Assim, a reserva contrátil deve ser avaliada apenas como um fator diagnóstico e não prognóstico.

Fundamentos em Doenças Valvares: Estenose Aórtica – Tomografia Computadorizada

Dr. Bruno Maeda

Entenda o que são doenças valvares, suas causas e como podem afetar a saúde do coração. Informações essenciais para o cuidado com seu bem-estar.

 

A tomografia computadorizada (TC) é um método diagnóstico não invasivo, com uso de radiação ionizante, sincronizado ao ciclo cardíaco via eletrocardiograma (ECG), podendo ou não exigir o uso de contraste endovenoso. A TC, apesar de não realizar isoladamente o diagnóstico de estenose aórtica, permite a avaliação detalhada das estruturas cardíacas, identificando sinais sugestivos e associados a essa patologia. Por exemplo, possibilita a identificação de espessamento e calcificação valvar aórtica, que infere algum grau de restrição de abertura e consequentemente estenose valvar. Ainda mais, permite identificação de consequências da sobrecarga pressórica a qual o ventrículo esquerdo está submetido pelo restrição de fluxo promovida pela estenose aórtica, como os  sinais de hipertrofia miocárdica. Na estenose aórtica, as principais indicações da TC incluem:

  • Avaliação do escore de cálcio valvar aórtico
  • Preparo para procedimentos percutâneos (TAVI e valve-in-valve)
  • Avaliação de complicações pós-operatórias
  • Estudo coronariano pré-cirúrgico
  • Diagnóstico de aortopatia associada e endocardite infecciosa

Por outro lado, há algumas limitações em sua realização, incluindo a necessidade de o paciente manter apnéia durante a aquisição e tolerar decúbito. Em casos selecionados, como no estudo coronariano, o exame exige preparo com controle da frequência cardíaca e uso de vasodilatador. Há ainda a preocupação clínica em relação ao uso de contraste iodado e sua associação com nefropatia e alergia.

O Escore de Cálcio Valvar Aórtico

É realizado sem contraste, sincronizado ao ECG e quantifica o cálcio no aparato valvar, auxiliando na distinção entre estenose aórtica moderada e importante em casos de baixo-fluxo, baixo-gradiente paradoxal e naqueles sem reserva contrátil. Valores acima de 2000 (Agatston) para homens e 1300 (Agatston) para mulheres indicam calcificação significativa.

Protocolo TAVI e Valve-In-Valve Aórtico
O protocolo TAVI é realizado para o preparo pré-operatório do implante percutâneo de prótese valvar aórtica (TAVI). Sua avaliação inclui a análise das estruturas cardíacas, da aorta torácica e abdominal e das artérias ilíacas e femorais comuns. Analisa-se o escore de cálcio e morfologia valvar, dimensões do ânulo aórtico, altura das coronárias, dimensões dos seios de valsalva, calibre da aorta e seus ramos e as vias de acesso vascular (preferencialmente membros inferiores). Essas informações são importantes para a escolha da prótese, estimar risco de complicações e planejamento da via de acesso. Destaca-se que a altura de coronárias inferior a 12mm e seio de valsalva inferior a 30mm estão relacionados a risco de obstrução coronariana pela endoprótese. A área e perímetro do ânulo valvar definem o tamanho da prótese; em casos de ânulos pequenos ou grandes, é necessário verificar disponibilidade de prótese compatível e experiência do serviço em seu implante. Ainda, o calibre luminal mínimo dos acessos vasculares para o implante da maioria das próteses é de pelo menos 5mm.

O Protocolo de valve-in-valve aórtico é semelhante ao protocolo de TAVI, porém é voltado para pacientes com prótese valvar biológica já implantada previamente, avaliando as medidas da prótese antiga. Em casos selecionados pode-se projetar virtualmente a nova prótese para estimar seu posicionamento e possíveis complicações, como risco de obstrução do óstio das coronárias.

Avaliação Coronariana Pré-Operatória

Pode ser feita concomitante com a avaliação do protocolo TAVI, sem aumentar a radiação ou contraste iodado. No entanto, na estenose aórtica importante, há  restrições para o controle de frequência cardíaca e vasodilatadores, podendo limitar o estudo dos territórios coronarianos.

Complicações Pós-Operatórias

A TC é útil na análise pós-operatória de resultados e complicações, como obstrução coronariana, trombos e espessamento e restrição de mobilidade dos folhetos valvares (HALT e HAM). Auxilia no diagnóstico de disfunções de prótese e controle evolutivo após anticoagulação em casos de trombose da valva.

Endocardite Infecciosa

A TC é menos acurada que o ecocardiograma para avaliação de fluxos, graduação de disfunções valvares e identificação de vegetações pequenas. No entanto é interessante para complementar o diagnóstico de endocardite infecciosa e avaliar complicações paravalvares, como abscessos e pseudoaneurismas, que, quando presente, estão relacionados à maior gravidade. 

Resumindo, a TC cardíaca é um exame não invasivo crucial na avaliação da estenose aórtica, planejamento de TAVI e valve-in-valve, e diagnóstico de complicações paravalvares. Dados importantes no protocolo TAVI incluem o grau de calcificação, altura das coronárias, dimensões do ânulo valvar e diâmetros vasculares, essenciais para a escolha da prótese e via de acesso, assim como para estimar risco de possíveis complicações perioperatórias e guiar quais cuidados específicos precisarão ser adotados para o sucesso do procedimento.

 

Bibliografia

 

  1. Blanke et al. Computed Tomography Imaging in the Context of Transcatheter Aortic Valve Implantation (TAVI)/Transcatheter Aortic Valve Replacement (TAVR). JACC: cardiovascular imaging. vol. 12, NO. 1, 2019
  2. Tarasoutchi et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(4):720-775.
  3. Leone. P. P. et al. Prosthesis Tailoring for Patients Undergoing Transcatheter Aortic Valve Implantation. J. Clin. Med. 2023.
  4. Miyasaka M et al. TAVR in Patients With ELA. Circ J 2019; 83: 672–680
  5. Okuno et al. BEV vs SEV in Patients With Small Annuli.  JACC: cardiovascular interventions vol. 16, no. 4, 2023 february 27, 2023:429–440
  6. Armijo et al. TAVR in Large and Extra-Large Aortic Annuli. Circ Cardiovasc Interv. 2020;13:e009047.  
  7. Freitas-Ferraz A.B. et al. Aortic Stenosis and Small Aortic Annulus. CirculationVol. 139, No. 23.
  8. Radiology: Cardiothoracic Imaging 2021; 3(1):e200378

 

Quando indicar revascularização ou outra troca valvar concomitante no tratamento da Estenose Aórtica?

Dra Pâmela Cavalcante

Sabemos que os fatores de risco associados ao desenvolvimento de estenose aórtica também são comuns ao desenvolvimento de doença arterial coronária (DAC).

 

Sabemos que os fatores de risco associados ao desenvolvimento de estenose aórtica também são comuns ao desenvolvimento de doença arterial coronária (DAC). A prevalência de DAC em pacientes portadores de estenose aórtica ultrapassa 50% em alguns registros. Na população idosa e de alto risco cirúrgico, esta proporção tende a ser ainda mais significativa. Na amostra de pacientes incluídas nos grandes estudos de TAVI, observamos uma elevada prevalência de DAC nos pacientes de maior risco para intervenção (PARTNER 1), reduzindo de 81 % para 15 % nos estudos com pacientes de baixo risco (PARTNER 3).  

Quando consideramos a avaliação da presença de DAC e sua quantificação para indicação de abordagem concomitante, alguns aspectos devem ser ressaltados. De acordo com a diretriz brasileira, devemos investigar DAC em pacientes acima de 40 anos, com fatores de risco para aterosclerose, na presença de angina, disfunção ventricular esquerda ou para avaliação de etiologia de IM secundária. As estratégias de avaliação anatômicas, seja cinecoronarioangiografia ou angiotomografia de coronárias, são preferíveis às provas funcionais, como cintilografia de perfusão miocárdica. Isso porque a hipertrofia miocárdica secundária à estenose aórtica pode alterar a reserva de fluxo coronariano, levando a um padrão balanceado e dificultando a avaliação de lesões com repercussão hemodinâmica significativa. Para pacientes com elevada probabilidade pré-teste de DAC, a cinecoronariografia segue sendo o padrão ouro para o diagnóstico de DAC importante neste grupo. Já para aqueles com probabilidade pré-teste baixa ou intermediária, a realização de angiotomografia de coronárias é razoável, sobretudo na era transcateter, em que é possível realizar também o planejamento tomográfico pré-intervenção, incluindo avaliação de acessos vasculares para o procedimento. Em relação a avaliação funcional com FFR ou iFR para lesões moderadas a importantes, pacientes com estenose aórtica importante não foram incluídos nos estudos com FFR. Contudo, o iFR parece não ser influenciado pela presença de estenose aórtica, talvez por não haver necessidade de uso de vasodilatador. 

De uma forma geral, a indicação de abordagem concomitante visa reduzir os riscos periprocedimentos e otimizar os resultados a longo prazo. Portanto, é razoável indicar revascularização pré-procedimento para pacientes com lesões importantes proximais ou de tronco de coronária esquerda, sobretudo em pacientes mais jovens, em que se espera uma maior expectativa de vida e com maior probabilidade de novas abordagens no futuro. Isto é particularmente importante, em pacientes com fatores de risco para oclusão coronária pós-TAVI, em que um novo acesso das coronárias pode ser bastante desafiador.

Contudo, existe uma grande controvérsia em relação ao impacto prognóstico da DAC nos pacientes com estenose aórtica importante submetidos à intervenção valvar percutânea. Não existem estudos randomizados até o momento e os principais estudos observacionais e meta-análises têm resultados conflitantes. Se por um lado, a presença de lesões proximais, DAC multiarterial e SYNTAX score elevado estão associados a um pior prognóstico, por outro lado, quando realizada a análise estatística ajustada para DAC, esta não revelou ter associação com aumento de mortalidade após procedimento.

 

No cenário da TAVI, a revascularização está indicada antes do procedimento quando:

  • Pacientes que serão submetidos ao TAVI, com lesões obstrutivas importantes proximais ou de tronco de coronária esquerda (>70%), com ou sem angina, é recomendado realizar angioplastia antes da TAVI (Nível de indicação 2a), pelo risco de isquemia durante o pace rápido para liberação da prótese;
  • Quando consideramos troca valvar e revascularização miocárdica cirúrgicas, o cenário é mais claro. Pelas diretrizes atuais,  as recomendações consideram para tratamento concomitante, pacientes com lesões importantes > 70% ou lesão de tronco > 50%. Portanto, pacientes com DAC estável moderada, poderiam ser conduzidos clinicamente, enquanto aqueles com DAC importante, multiarterial ou complexa com SYNTAX score >33 ainda podem se beneficiar da abordagem cirúrgica simultânea. 

 

Em relação a outra troca valvar concomitante ao tratamento da estenose aórtica importante, alguns aspectos devem ser considerados na avaliação da gravidade das lesões valvares, sobretudo nas insuficiências, que podem ser superestimadas em razão da sobrecarga pressórica gerada pela estenose aórtica importante. Nos casos em que a troca valvar aórtica cirúrgica está indicada, é recomendável intervir simultaneamente em pacientes portadores de insuficiência mitral primária importante. Já os pacientes com insuficiência mitral secundária importante, pode se considerar intervenção concomitante a depender da dilatação do anel e do remodelamento ventricular, desde que o risco cirúrgico seja aceitável. Em relação a tricúspide, a grande maioria dos casos são insuficiências secundárias e a indicação de intervenção deve ser individualizada para pacientes muito bem selecionados, como aqueles com dilatação importante do anel, devido a escassez de evidências que corroborem para intervenção concomitante neste grupo. Pacientes com IT moderada a importante, sintomáticos ou com complicadores devem ser considerados para abordagem também. Vale ressaltar ainda, que quando não são abordados conjuntamente, esses pacientes podem evoluir com insuficiências valvares isoladas, necessitando de novas intervenções futuras. Pacientes com indicação de intervenção por outra valvopatia, devem considerar abordagem concomitante de troca valvar aórtica, se estenose moderada, por oportunidade. 

Na era transcateter, observamos que após a TAVI, as regurgitações mitrais e tricúspides tendem a involuir, já que a sobrecarga de pressão gerada pela estenose aórtica foi corrigida. Dessa forma, podemos ser mais permissivos na indicação de abordagem percutânea concomitante destas patologias. 

Pelas diretrizes atuais, é recomendável considerar, após a TAVI, abordagem percutânea mitral (edge-to-edge) para pacientes que se mantém sintomáticos, em terapia clínica otimizada, com insuficiência mitral primária importante, anatomia favorável e risco cirúrgico proibitivo. Já para aqueles com insuficiência mitral secundária, podemos também considerar intervenção, a depender das características anatômicas e clínicas destes pacientes. Para aqueles que se mantêm sintomáticos, com tratamento medicamentoso otimizado, sem remodelamento ventricular significativo, a intervenção percutânea (edge-to-edge) pode ser considerada. 

Angioplastia Preventiva de Placas Vulneráveis: PREVENT TRIAL

Dra. Luhanda Leonora Cardoso Monti Sousa

Entenda como a angioplastia preventiva pode ajudar a prevenir eventos coronarianos agudos. Saiba mais sobre essa intervenção e suas aplicações clínicas.

Preventive Coronary Intervention on Stenosis With Functionally Insignificant Vulnerable Plaque – PREVENT

Em abril de 2024, o estudo PREVENT TRIAL, apresentado na Sessão Científica Anual do American College of Cardiology (ACC.24), Atlanta, GA, trouxe novos paradigmas no que tange as intervenções na doença arterial coronariana (DAC), abordando características de placas vulneráveis. O racional fisiopatológico se respalda no fato de que as síndromes coronarianas agudas (SCA), decorrem da ruptura de placas instáveis, mas que em grande parte, não apresentam estenoses angiograficamente significativas. Atualmente, cerca de 1,8 milhão de mortes anuais relacionadas à DAC, se devem às SCA. Embora o tratamento clínico focado em metas mais rígidas de LDL colesterol com estatinas, ezetimibe e inibidores da PCSK9, seja o tratamento padrão na estabilização de placas instáveis, o papel da intervenção coronária percutânea (ICP) preventiva neste cenário, ainda precisava ser explorado. O objetivo do estudo PREVENT foi avaliar o impacto da ICP preventiva em pacientes com lesões coronárias não fluxo limitante, mas com critérios de placa vulnerável, em comparação com a tratamento clínico otimizado (TCO) isolado.

 

Desenho do estudo

Trata-se de um ensaio clínico randomizado multicêntrico, open-label, placebo controlado, cujas análises foram conduzidas com o princípio de intention-to-treat. 

Com uma mediana de 7 anos, 1.606 pacientes foram alocados randomicamente numa relação de 1:1 para receber: 

ICP preventiva + TCO (n = 803) Vs. TCO isolado (n = 803)

Desfecho primário: morte cardiovascular, IAM do vaso alvo, revascularização do vaso alvo guiada por isquemia ou hospitalização por angina instável ou progressiva. 

Desfecho secundário: componentes individuais do desfecho primário

Baseline

  • Idade média:64,5 anos
  • Mulheres: 27%
  • Diabetes: 31%
  • DAC crônica 84%; angina instável: 12%, infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST: 3%
  • Fração de ejeção: 63%
  • Anatomia: 41% uniarteriais; 38% biarteriais; 22% triarteriais
  • LDL colesterol prévio: 91 mg/dL

Critérios de inclusão:

  • Idade ≥18 anos
  • Submetida a angiografia coronária no contexto de DAC crônica ou SCA; 
  • Estenose coronária >50% com reserva de fluxo fracionada  (FFR) ≥0,80
  • Associação com mais dois dos seguintes critérios de placa vulnerável definida por imagem intravascular: 
    • Área mínima do lúmen (MLA) ≤4,0 mm 2
    • Carga de placa >70%
    • Fibroateroma de capa fina por tomografia de coerência óptica (OCT) ou ultrassonografia intravascular por radiofrequência (IVUS)
    • Placa rica em lipídios por espectroscopia no infravermelho próximo ( LCBI máx. 4mm >315)

Critérios de exclusão:

  • Cirurgia de revascularização do miocárdio prévia
  • Lesão-alvo com stent prévio
  • ≥3 lesões-alvo no mesmo paciente ou ≥2 lesões-alvo no mesmo vaso
  • Lesões muito calcificadas ou anguladas
  • Lesão em bifurcação com necessidade de técnica de 2 stents

Características importantes:

  • Os critérios mais comuns atendidos pelos pacientes foram MLA <4 por OCT/IVUS ou carga de placa >70% por IVUS (97%)
  • FFR mediano das lesões-alvo: 0,87
  • Qualquer ICP da lesão-alvo foi realizada em 91% dos pacientes no braço de ICP (67% de stent farmacológico, 33% de implante de andaime bioabsorvível)

Resultados: 

 

Em 2 anos de seguimento, o desfecho primário composto para ICP + TCO VS. TCO isoladamente foi respectivamente: 0,4% vs. 3,4% (taxa de risco [HR] 0,11, intervalo de confiança [IC] de 95% 0,03-0,36, p = 0,0003).

 

Aos 7 anos: 6,5% vs. 9,4% (HR 0,54, IC 95% 0,33-0,87, p = 0,0097)

Principais resultados secundários para ICP + TCO VS. TCO isolado, foi respectivamente:

  • Mortalidade por todas as causas em 2 anos: 0,5% vs. 1,3%, p > 0,05
  • Mortalidade por todas as causas aos 7 anos: 5,2% vs. 7,4%, p > 0,05
  • Todos os IM aos 2 anos: 1,1% vs. 1,7%, p > 0,05
  • Todos os IM aos 7 anos: 2,4% vs. 3,5%, p > 0,05
  • Revascularização do vaso-alvo induzida por isquemia 
  • aos 2 anos: 0,1% vs. 2,4%, p < 0,05
  •  Revascularização do vaso-alvo induzida por isquemia 
  • aos 7 anos: 4,9% vs. 8,0%, p < 0,05
  • Mortalidade por todas as causas ou IAM do vaso alvo aos 2 anos: 0,6% vs. 1,9%, p < 0,05
  • Mortalidade por todas as causas ou IAM do vaso alvo aos 7 anos: 6,2% vs. 8,6%, p > 0,05

 

Discussão: Os resultados nos mostram que a ICP preventiva foi capaz de reduzir o desfecho primário aos 2 anos de seguimento, sendo os benefícios sustentados ao longo dos 7 anos. Embora o resultado positivo tenha sido às custas da redução de revascularização guiada por isquemia, sem diferença em desfecho duro, a redução de morte por todas as causas ou IAM do vaso alvo vista no desfecho secundário, fica como importante gerador de hipótese. Este estudo levanta importantes questões relacionadas à anatomia com foco nas características de vulnerabilidade vs. análise da FFR, que historicamente, têm sido usados ​​para definir lesões que merecem revascularização. A taxa de eventos aos 7 anos foi bem baixa no braço TCO isolado, confirmando o seu sucesso, dada natureza difusa da aterosclerose. Contudo, este estudo abre portas para um possível benefício adicional da ICP preventiva em pacientes selecionados, sobretudo se a avaliação intravascular puder ser acompanhada de outras características, como os marcadores inflamatórios e níveis de LDL colesterol e, quem sabe a famosa Lp (a). Aguardamos pesquisas futuras. 

 

Críticas: 

As curvas se abrem muito precocemente, parecendo-se mais com a evolução de pacientes com SCA e, de fato, embora 84% sejam crônicos, estamos falando de 16% de pacientes com SCA, duas doenças cuja fisiopatologia e história natural são distintas;

A rigor, os resultados não diferem muito do que encontramos do estudo FAME 2, no qual a ICP foi benéfica em reduzir revascularização adicional, sem apresentar, no entanto, impacto em mortalidade. Contudo, abre precedentes para que tenhamos;

A proporção de pacientes que apresentavam exames de imagem altamente sensíveis para procurar placas vulneráveis, ainda foi baixa, podendo o estudo PREVENT tratar mais de pacientes com alta carga aterosclerótica de placa, do que de placa vulnerável propriamente dita;

O LDL colesterol basal estava fora da meta e uma minoria estava em uso de novas drogas como os IPCSK9. A aterosclerose é sistêmica e progressiva, se não seguirmos metas de LDL colesterol e atuarmos de maneiro sistêmica nos fatores de risco para instabilidade de placa, é razoável que tenhamos mais placas instáveis. 

 

Conclusão: 

 

Em pacientes com estenoses focais > 50%, não fluxo limitantes (FFR negativo) e com evidência de placa vulnerável, a ICP preventiva em associação ao TCO foi superior ao TCO isolado, na redução do desfecho primário de morte cardiovascular, IAM do vaso alvo, revascularização do vaso alvo guiado por isquemia ou hospitalização por angina instável ou progressiva aos 2 anos de seguimento. Esses benefícios foram sustentados em 7 anos de acompanhamento.

 

Referências: 

Park SJ, Ahn JM, Kang DY, et al., on behalf of the PREVENT Investigators. Preventive percutaneous coronary intervention versus optimal medical therapy alone for the treatment of vulnerable atherosclerotic coronary plaques (PREVENT): a multicenter, open-label, randomized controlled trial. Lancet 2024;Apr 8:[Epub ahead of print].

Presented by Dr. Seung-Jung Park at the American College of Cardiology Annual Scientific Session (ACC.24), Atlanta, GA, April 8, 2024.

Quais os tratamentos disponíveis para Estenose Aórtica?

Dra. Daniella Cian Nazzetta

Aprenda sobre os métodos de cálculo da Área Valvar Aórtica na Estenose Aórtica atráves da ecocardiografia.

 

Por se tratar de uma obstrução anatômica da valva aórtica, o tratamento da estenose aórtica baseia-se na abertura do fluxo de sangue através da valva. Dessa forma, temos três tipos de abordagens disponíveis: cirurgia convencional de troca valvar, implante transcateter de bioprótese aórtica (TAVI, do inglês transcatheter aortic valve implantation) e valvoplastia aórtica por cateter balão. 

A indicação clássica e inequívoca de tratamento abrange pacientes com estenose aórtica anatomicamente importante associada a sintomas clássicos como dispneia, angina e/ou síncope. Em alguns casos especiais, os pacientes podem apresentar valvopatia importante, porém sem a presença de sintomas. Nesses casos, para indicação de procedimento, devemos avaliar também a presença de complicadores nos exames de ecocardiograma transtorácico e teste ergométrico. Caso o paciente apresente algum complicador ou marcador de mau prognóstico, deve-se prosseguir para intervenção, mesmo que o paciente não apresente sintomas. 

No caso de pacientes com valvopatia anatomicamente importante, porém na ausência de sintomas e de complicadores, realizamos monitoramento regular, incluindo consultas e realização de ecocardiograma transtorácico pelo menos duas vezes ao ano, ou antes desse período, caso o paciente apresente qualquer sintoma cardiológico.

A escolha do tipo de procedimento deve ser individualizada, levando em consideração alguns fatores como: idade, comorbidades, fragilidade, expectativa de vida, anatomia, escores de risco pré-operatório, dentre outros. A cirurgia convencional de troca valvar aórtica ainda é considerada primeira escolha em pacientes com menos de 70 anos, de baixo risco cirúrgico e sem contraindicações, com classe de recomendação IA. Pode ser considerada em pacientes com mais de 70 anos, de baixo risco, com mesma classe de recomendação, e em pacientes de risco intermediário, a depender da disponibilidade de outros procedimentos, com classe de recomendação IIaA. A escolha da prótese implantada, mecânica ou biológica, deve levar em consideração a idade do paciente (próteses biológicas têm durabilidade menor que a prótese mecânica), risco de sangramento e aderência ao uso de antociagulante (prótese mecânica requer anticoagulação com varfarina ad aeternum).

A realização do procedimento de implante de bioprótese valvar aórtica por via transcateter está indicada para pacientes com mais de 70 anos, com risco cirúrgico intermediário, alto ou proibitivo, com alguma contraindicação à cirurgia convencional e em pacientes com fragilidade, com classe de recomendação IA. Alguns estudos já demonstraram a não inferioridade do procedimento em pacientes mais jovens, porém atualmente a recomendação das Diretrizes Brasileira de Valvopatias é considerar o procedimento a partir de 70 anos. O acesso preferível é o transfemoral, porém o paciente deve ter anatomia elegível para o implante do dispositivo, avaliada através do exame de angiotomografia de aorta. O procedimento também pode ser realizado por acessos alternativos, como transapical, transcarotídeo ou pela artéria subclávia, porém oferece maior risco para esse grupo de pacientes. 

Por último, a valvoplastia aórtica por cateter-balão é um procedimento que consiste na passagem de um cateter com um balão expansível através da valva, promovendo sua abertura. A durabilidade dos resultados da valvoplastia aórtica por cateter-balão é curta, por isso não é considerada como um procedimento definitivo. Assim, está reservada como ponte para terapia (cirurgia ou TAVI) em pacientes com instabilidade hemodinâmica ou com sintomas muito avançados, e como tratamento paliativo em pacientes sintomáticos e com contraindicação a qualquer um dos outros dois procedimentos disponíveis. 

O tratamento medicamentoso é uma opção para alívio dos sintomas até a realização do procedimento, mas não como terapia permanente. O principal medicamento utilizado é a furosemida, diurético de alça, que irá promover melhora da congestão e consequentemente alívio dos sintomas apresentados pelo paciente. Em alguns casos, é necessário associar outros diuréticos para promover bloqueio duplo ou triplo do néfron para alívio da congestão. Porém, apenas com o tratamento definitivo de substituição valvar teremos a melhora definitiva dos sintomas e impacto no prognóstico.

 

Referências:

  1. Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047
  2. Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease [published correction appears in Eur Heart J. 2022 Feb 18;:]. Eur Heart J. 2022;43(7):561-632. doi:10.1093/eurheartj/ehab395
  3. Otto CM, Nishimura RA, Bonow RO, et al. 2020 ACC/AHA Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines [published correction appears in Circulation. 2021 Feb 2;143(5):e228] [published correction appears in Circulation. 2021 Mar 9;143(10):e784]. Circulation. 2021;143(5):e35-e71. doi:10.1161/CIR.0000000000000932
  4. Iung B, Pierard L, Magne J, Messika-Zeitoun D, Pibarot P, Baumgartner H. Great debate: all patients with asymptomatic severe aortic stenosis need valve replacement. Eur Heart J. 2023;44(33):3136-3148. doi:10.1093/eurheartj/ehad355

 

Diagnóstico Ecocardiográfico na Estenose Aórtica

Dra. Lynnie Arouca

Aprenda sobre os métodos de cálculo da Área Valvar Aórtica na Estenose Aórtica atráves da ecocardiografia.

 

A ecocardiografia é um método essencial e não invasivo para o diagnóstico e avaliação da Estenose Aórtica (EA), fornecendo informações relevantes sobre a gravidade anatômica e definição etiológica.  

Os principais indicadores hemodinâmicos ecocardiográficos recomendados para avaliação clínica da gravidade da EA são: área valvar (AV) aórtica, gradiente médio (GM) de pressão transvalvar e velocidade máxima (Vmax) do jato aórtico. A partir desses valores, também podemos realizar outras subanálises, como a avaliação da AV indexada (AVi) pela superfície corpórea e a relação das velocidades entre via de saída de ventrículo esquerdo (VSVE) e válvula aórtica (VA). Cada um desses parâmetros será abordado individualmente, a seguir. 

Em relação à AV, existem 2 métodos principais para seu cálculo: a Equação de continuidade e a Planimetria. Na primeira técnica, a AV é calculada indiretamente, a partir do princípio de conservação de massa, através de uma fórmula específica. Nessa equação são utilizados a área de secção transversal da VSVE, a Vmax VSVE e a Vmax VA para calcular, de maneira confiável indireta, a AV aórtica. Já a segunda forma, que consiste na aferição direta do tamanho do orifício valvar, possui algumas limitações. Primeiramente, o ângulo de visualização da válvula aórtica por ecocardiografia transtorácica frequentemente não é favorável, podendo levar a erros na medida do orifício valvar. Além disso, muitas vezes existe uma calcificação dos folhetos, no contexto de EA, o que pode dificultar a delimitação anatômica exata da área valvar. Assim, esse outro método possui acurácia limitada, sendo reservado apenas como medida alternativa. Por fim, AV aórtica é considerada importante quando é ≤ 1,0 cm2.

Em contexto de extremos de superfície corpórea (SC), podemos ainda indexar a AV, para uma interpretação mais individualizada em termos de gravidade anatômica. Por exemplo, uma AV 1,2 cm2, ainda que seja um valor absoluto de moderada, se aplicada a um paciente que possua altura de 1,90 m e peso de 100 kg (SC 2,30 m2), a AVi (AV dividida pela SC) será de 0,52 cm2/m2, isto é, representará uma repercussão de importante (≤ 0,6 cm2/m2). Assim, a AVi permite uma compreensão personalizada da gravidade anatômica, nesse perfil de paciente. 

Na EA importante clássica, existe uma elevação no GM, definida como > 40 mmHg. Esse cálculo é feito pela diferença entre a pressão sistólica do VE (PSVE) e a pressão pós estenose na aorta (equivalente a pressão diastólica VE). Considerando a estenose valvar, hemodinamicamente haverá um aumento da pressão intraventricular, logo uma maior diferença de pressão entre as cavidades VE-AO, justificando a elevação dos gradientes quanto pior a gravidade anatômica. Na EA, existem ainda situações em que o gradiente não é elevado, apesar de AV de importante, mas esse tema (EA de baixo-fluxo e baixo-gradiente) será abordado em outra aula, individualmente.

É possível também estimar a gravidade de EA através da análise das velocidades de fluxo. Através da física, sabemos que quanto menor o diâmetro de um pertuito, maior será a velocidade do fluido que corre através dele. De forma didática, uma analogia útil é o exemplo do dedo pressionando a ponta de uma mangueira com fluxo de água. Em outras palavras, quanto mais apertado o dedo e, consequente, menor o orifício de saída de água da mangueira, mais rápido e distante o jato de água irá alcançar. Semelhantemente, quanto pior a estenose valvar, mais rápida é a velocidade do sangue que flui através dela. Por definição, é considerada importante Vmax > 4 m/s.

Por fim, o último parâmetro que podemos utilizar para determinação da gravidade anatômica é a relação entre as velocidades de fluxo na VSVE e na VA. Conforme descrito acima, sabemos que a velocidade na VA estará aumentada, em decorrência do orifício valvar estenótico. Logo, se compararmos as velocidades através da fórmula VSVE / VA, o valor do denominador será maior quanto pior a EA e, portanto, menor será relação. Assim, é definida como importante a relação das velocidades < 0,25.

Além de informações essenciais a respeito da gravidade anatômica, a ecocardiografia também pode contribuir na avaliação da EA, evidenciando características sobre a etiologia da doença. Na valvopatia reumática é possível visualizar fusão de comissuras e calcificação central, enquanto na degenerativa observamos um padrão de calcificação mais difuso. Podemos ver ainda fusão de folhetos, na etiologia bivalvularizada.  Dessa forma, podemos acrescentar informações relevantes no seguimento do paciente.

Apesar de os dados ecocardiográficos serem indispensáveis na análise da EA, é importante destacar que a classificação da gravidade anatômica valvar deve ser baseada em uma abordagem integrativa, combinando dados de história clínica e informações propedêuticas, além dos métodos de imagens complementares. E em relação a esse último, também vale salientar que a interpretação de dados baseada em medição específica isolada ecocardiográfica tem pouco poder, devendo sempre valorizar o conjunto de parâmetros para avaliação valvar completa.

 

 

 

Fundamentos em Doenças Valvares – Tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica: radiografia de tórax e eletrocardiograma

Dra. Layara Lipari

Conheça as doenças valvares, em especial a Estenose Aórtica. Descubra como identificar os sintomas através de exames como radiografia de tórax e eletrocardiograma.

 

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma não fazem diagnóstico de Estenose Aórtica, mas trazem pistas importantes, principalmente sobre as repercussões desta valvopatia, quando anatomicamente importante.

Para analisar essas repercussões, precisamos partir da fisiopatologia. Na Estenose Aórtica, pela obstrução à saída do fluxo de sangue do coração, temos um aumento da pressão dentro do ventrículo esquerdo. O remodelamento que ocorre em resposta ao aumento de pressão é a hipertrofia concêntrica (sarcômeros replicando-se em paralelo), diferente da sobrecarga de volume, em que ocorre a hipertrofia excêntrica (replicação dos sarcômeros em série).

Na radiografia de tórax vale a pena atentar para a presença de calcificação na topografia da valva aórtica, seja na imagem em perfil ou póstero-anterior, como uma pista da etiologia, bem como na presença de alargamento do mediastino ou sinais de aortopatia. 

A radiografia de tórax pode ser normal mesmo na presença de Estenose Aórtica importante com hipertrofia ventricular, pois como a hipertrofia é concêntrica, pode não haver alteração da silhueta cardíaca. Em alguns casos, principalmente em fases mais avançadas da doença com sobrecarga e aumento de câmaras esquerdas, podemos encontrar aumento de silhueta cardíaca. Quando há aumento do átrio esquerdo, podemos encontrar o sinal do duplo contorno e o sinal da bailarina, que é a retificação e elevação do brônquio-fonte esquerdo, sob o qual está apoiado o átrio esquerdo. 

Para os pacientes que já fizeram alguma intervenção valvar, podemos ver sinais ao exame, como fios de sutura do esterno e mesmo a presença de prótese – das mais antigas, como a bola-gaiola ou Starr-Edwards (que já não é mais utilizada), até as mais recentes, incluindo próteses de implante transcateter.

Ao eletrocardiograma, podemos encontrar sinais de sobrecarga de câmaras esquerdas (ou apenas de ventrículo esquerdo), podendo haver ainda fibrilação atrial, bloqueio do ramo esquerdo e bloqueio atrioventricular de primeiro grau. 

Quando avaliamos o eletrocardiograma, iniciamos pela avaliação do ritmo – procurando identificar um ritmo sinusal (onda P positiva em D1 e aVF e toda onda p conduz). Já para olhar sobrecarga de ventrículo esquerdo, temos diversos critérios e geralmente usamos mais de um para esta avaliação. 

  • Sokolow-Lyon: Onda S em V1 + R em V5  ou V6 (o que for maior) = positivo quando acima de 40 em jovens e 35 para os demais pacientes. 
  • Índice de Cornell = R de aVL + S de V3 = positivo quando superior a 20 em mulheres e 28 em homens.
  • Peguero-Lo Presti = Maior S em qualquer derivação + S de V4 = positivo quando maior ou igual a 23mm em mulheres e 28mm em homens. O interessante desse critério é que leva em consideração que a orientação espacial do coração do paciente, que pode ser um pouco desviado (principalmente nos casos de sobrecargas).
  • Padrão de strain nas derivações esquerdas = Presença da inversão de onda T com infradesnivelamento do segmento ST.
  • Critérios de Romhilt-Estes = positivo na soma de 5 pontos:

3 pontos: QRS (>20mm plano frontal e 30mm horizontal); strain na ausência de ação digitálica; e índice de Morris (aumento da duração da onda P maior que 1mm e da amplitude da onda p também superior a 1mm vistos em V1, denota sobrecarga de átrio esquerdo).

2 pontos: desvio do eixo elétrico do QRS além de -30º.

1 ponto: Tempo de Ativação Ventricular ou deflexão intrinsecoide >40ms (definida como o tempo desde o início do QRS até o pico da onda R); duração QRS (> 90 ms) em V5 e V6; e padrão strain sob ação do digital.

 

Todos estes critérios se correlacionam com a presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo, seja por estenose aórtica ou outra etiologia. 

Outra alteração eletrocardiográfica que podemos encontrar é a presença de bloqueio atrioventricular de primeiro grau, definida pela presença de intervalo PR acima de 200 ms, fixo e sem bloqueio na condução AV (ou seja, toda onda P conduz). Vale a pena lembrar da anatomia valvar e do esqueleto fibroso do coração, em que há proximidade importante da valva aórtica com o nó atrioventricular e com o ramo esquerdo. A evolução da valvopatia principalmente com calcificação do anel valvar e regiões adjacentes pode levar a bloqueio atrioventricular de primeiro grau e/ou a bloqueio de ramo esquerdo. O bloqueio de ramo esquerdo é visto no eletrocardiograma como aumento da duração do QRS superior a 120ms. 

A sobrecarga de átrio esquerdo com alteração estrutural pode levar também a distorção do sistema de condução atrial, levando a fibrilação atrial, vista no eletrocardiograma pelo padrão de ondas f na linha de base e RR irregular. 

Finalmente, vale a pena comentar que alguns casos de Estenose Aórtica importante podem não apresentar sobrecarga de ventrículo esquerdo, mas sim sinais de baixa voltagem ao eletrocardiograma. Nestes casos, em que a ausculta vai direcionar para uma hipótese, porém o eletrocardiograma mostra este padrão de baixa voltagem, é importante lembrar da amiloidose cardíaca, visto que pacientes idosos portadores de estenose aórtica grave de baixo fluxo e baixo gradiente podem apresentar amiloidose em até 10% a 15% dos casos.

 

  1. Eletrocardiograma em 7 aulas – Temas avançados e outros métodos – Friedmann 2ª edição, editora Manole. 
  2. Pastore, CA et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Brasileiros de Cardiologia. 2016, v. 106, n. 4 Suppl 1. https://doi.org/10.5935/abc.20160054
  3. Wave-maven ECG (https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/displist.asp?ans=1) 
  4. Anderson RH. The surgical anatomy of the aortic root, in: Multimedia Manual of Cardiothoracic Surgery, doi:10.1510/ mmcts. 2006.002527 
  5. Simões MV, Fernandes F, Marcondes-Braga FG, Scheinberg P, Correia E de B, Rohde LEP, et al. Posicionamento sobre Diagnóstico e Tratamento da Amiloidose Cardíaca – 2021. Arq Bras Cardiol 2021Sep;117(3):561–98. Available from: https://doi.org/10.36660/abc.20210718 
  6. https://radiopaedia.org/ 

Fundamentos em doenças valvares: como definir a gravidade da estenose aórtica pelo exame físico

Dr. Renato Nemoto

Descubra os sinais físicos que indicam a importância da estenose aórtica. Saiba mais sobre os sintomas, como pulso tardio e sopro sistólico.

No paciente com estenose aórtica (EAo), existem seis características no exame físico que denotam a importância anatômica dessa valvopatia, ou seja, definem que a EAo é importante. São eles:

– Pulso parvus et tardus;

– Sopro sistólico ejetivo com pico telessistólico

– Hipofonese de B2;

– Hipofonese de B1;

– Fenômeno de Gallavardin;

– Desdobramento paradoxal de B2.

O pulso arterial normal possui uma amplitude e duração definidas. No caso da EAo, pela dificuldade de ejeção do sangue do ventrículo esquerdo, esse pulso será pouco amplo (parvus em latim) e com duração prolongada, acima de 320ms (tardus). No entanto, há situações em que a redução da complacência arterial faz com que essa amplitude aumente, gerando um pulso aparentemente normal mesmo com uma EAo importante. Atenção especial se dá para os idosos (população predominante da EAo) com arterioloesclerose aórtica. O enrijecimento do vaso leva a uma maior amplitude do pulso, podendo gerar um falso negativo em relação ao pulso característico da EAo importante. 

O sopro característico da estenose aórtica é sistólico, rude, ejetivo, com irradiação para a fúrcula, e apresenta um formato em crescendo e decrescendo, também chamado de formato em diamante. Isso ocorre pela dificuldade de passagem do sangue pela valva (som em crescendo) e à medida que o sangue passa, gera a fase decrescente do sopro. Quando a valvopatia não é importante, o pico do sopro ocorre no meio da sístole, ou seja, é mesossistólico. Contudo, quanto maior a gravidade da EAo, mais difícil se torna a passagem de sangue pela válvula, aumentando a fase em crescendo do sopro, levando o pico mais para o final da sístole, ou seja, telessistólico. O principal diferencial com o sopro da EAo é o sopro da cardiomiopatia hipertrófica (CMH), que também gera um sopro sistólico ejetivo em formato de diamante, devido à obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Podemos diferenciá-los por meio de manobras e situações:

– Na EAo, as situações que aumentam o retorno venoso aumentam o sopro: elevação das pernas, agachamento, o batimento após uma extrassístole;

– Na CMH, as situações que reduzem o retorno venoso possibilitam uma maior obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo devido o efeito Venturi e aumento do movimento sistólico anterior da mitral: manobra de Valsalva e preensão palmar, por exemplo;

A segunda bulha é o som resultante do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Na EAo importante, há uma significativa restrição da mobilidade da válvula aórtica, reduzindo o som, o que chamamos de hipofonese da B2. Já a hipofonese da primeira bulha (fechamento das valvar mitral e tricúspide) é explicada na EAo importante devido à elevação da pressão diastólica, o que reduz a amplitude do movimento da valva mitral, causando uma redução do som gerado.

A quinta característica de importância da EAo no exame físico é o fenômeno de Gallavardin. À medida que a calcificação na valva aórtica aumenta e a valvopatia fica cada vez mais importante, há um maior turbilhonamento de sangue nesta região. Como o arcabouço mitral fica muito próximo ao anel aórtico, pode haver reverberação desse turbilhonamento, gerando um sopro sistólico no foco mitral. A diferenciação de uma insuficiência mitral se dá pelo formato em crescendo e decrescendo, mas principalmente pelo timbre. Para ser o fenômeno de Gallavardin, esse sopro mitral deve ser agudo, piante.

Por último, o desdobramento paradoxal da B2. Como falado acima, a B2 é composta pelo som do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Fisiologicamente, a valva aórtica fecha ligeiramente antes da pulmonar, mas praticamente juntas, gerando a B2. Quando inspiramos, há aumento do retorno venoso, e pode ocorrer um atraso do componente pulmonar, e o fechamento das valvas ocorre em momentos distintos, gerando um som “TRÁ”, chamado de desdobramento caso fisiológico da B2. Na EAo importante, pela dificuldade de passagem de sangue pela valva aórtica, o componente aórtico é naturalmente atrasado (desdobramento fixo da B2). Se o paciente apresentar desdobramento fisiológico, quando inspirar há um atraso do componente pulmonar, que irá encontrar o componente aórtico já atrasado. Contudo, na expiração, esse componente pulmonar retorna à normalidade, mas o aórtico permanece atrasado, gerando o fechamento das valvas em momento distinto, ocasionando o som de desdobramento, mas como nesse caso ocorre na expiração, é chamado de desdobramento paradoxal da B2.

Qualquer um desses achados sugere uma estenose aórtica anatomicamente importante e corrobora para a correta hipótese diagnóstica mesmo antes de exames complementares.      

 

Segurança a curto e longo prazo da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI

Marco Antonio Smiderle Gelain, Residente de Hemodinâmica Incor/HCFMUSP

Descubra o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI. Estudo realizado na Cleveland Clinic revela importantes informações sobre essa condição.

Em janeiro de 2024 foi publicado na European Heart Journal um estudo realizado na Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, sobre o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI¹. Atualmente, sabemos que DAC crônica e a estenose aórtica (EAo) frequentemente coexistem, em uma frequência de 15 a 80%². Existe também o debate sobre qual seria o melhor momento – e se existe a necessidade – de revascularizar o paciente portador de DAC crônica que vai ser submetido a TAVI. Ambos os cenários – angioplastia em paciente com EAo severa, e TAVI em paciente com DAC severa apresentam riscos importantes específicos. No entanto, artigos dedicados ao estudo do melhor momento da revascularização não renderam recomendações claras³, sendo publicado em 2023 um consenso Europeu⁴ sobre o manejo da DAC crônica em pacientes submetidos a TAVI, porém mantendo-se grande heterogeneidade de condutas entre os diversos serviços de hemodinâmica ao redor do mundo.

O estudo foi uma coorte retrospectiva de pacientes submetidos a TAVI entre 2015 e 2021. Pacientes que já tivessem sido revascularizados com angioplastia foram excluídos do estudo. Os desfechos avaliados foram periprocedimento (complicações como choque cardiogênico, arritmias e morte) e MACE – morte, IAM, AVC e revascularização não planejada – a longo prazo. Os 1911 pacientes incluídos foram categorizados em 4 grupos com relação a DAC crônica: DAC não-obstrutiva (1432 pacientes), DAC de risco intermediário que compreendeu DAC uniarterial >70% (116 pacientes), DAC de risco alto, que compreendeu DAC biarterial >70%, DA proximal >70% ou TCE 50-69% (199 pacientes), e DAC de extremo risco, que compreendeu DAC triarterial >70% ou TCE >70% (164 pacientes). Uma das limitações do estudo foi justamente a divisão desses grupos, que foi arbitrária, e não levou em conta ferramentas consolidadas como o Syntax Score. Entretanto há um consenso de que não houve prejuízo à principal mensagem transmitida pelo estudo.

Para efeito de análise estatística, foram comparados dois grupos: DAC não-obstrutiva x DAC obstrutiva, e também comparados cada grupo de DAC obstrutiva com a DAC não-obstrutiva, com relação aos desfechos do estudo. 

A idade média dos pacientes foi de 78 anos, com um STS score médio de 5,4%, e 70% apresentavam-se em classe funcional NYHA 3, e fração de ejeção média de 57%. 95% dos procedimentos foram realizados via transfemoral e em 91% dos casos foi utilizada a prótese Edwards SAPIEN 3, que é balão expansível e apresenta um melhor perfil quando pensamos em um acesso mais fácil posteriormente às artérias coronárias.

A taxa de complicações periprocedimento foi baixa, apenas 7 mortes (0,4%) e 1 paciente com necessidade de implante de balão intra-aórtico durante o procedimento. Não houve diferença entre os grupos comparados (p=0.6). Ou seja, uma das grandes mensagens deste artigo foi essa: que houve segurança periprocedimento na realização de TAVI em pacientes com DAC obstrutiva não tratada.

O seguimento médio pós-procedimento dos pacientes foi de 1,32 anos, também não sendo observada diferença de MACE ou morte por todas as causas. Houve, entretanto, aumento da taxa de síndrome coronariana aguda e de revascularização não planejada no grupo de DAC obstrutiva, a qual foi de 1% no grupo de DAC não-obstrutiva e de 2,4 a 4% no grupo de DAC obstrutiva, sem aumento linear conforme a gravidade da DAC, o que pode corroborar uma inadequada classificação inicial dos grupos. A separação das curvas ocorre por volta de 8 a 12 semanas, portanto, caso o paciente permaneça sintomático após o procedimento, existe a recomendação no próprio estudo de que haja um limiar mais baixo para a revascularização desses pacientes. É ressaltado que não houve dificuldade ou impossibilidade de angioplastia nos pacientes submetidos a TAVI. 

Importante frisar que a estratificação dos pacientes com relação a fração de ejeção não mostrou relação com piora de desfechos. 

Como mensagens finais, temos que DAC crônica, independentemente de sua gravidade e extensão e da fração de ejeção, pode ser inicialmente tratada clinicamente em pacientes candidatos a TAVI com segurança. O estudo não dita, porém, que todos devem ser submetidos a TAVI primeiro: pacientes com sintomas coronarianos importantes, síndromes instáveis, lesões coronarianas ostiais, tipo da prótese utilizada podem eventualmente ser submetidos a angioplastia antes. O manejo da DAC crônica após a TAVI pode ser feita de acordo com guidelines específicas, porém pode-se ter um limiar mais baixo para revascularização caso sintomas persistam.

 

Referências

  1. Ian Persits, et al. Impact of untreated chronic obstructive coronary artery disease on outcomes after transcatheter aortic valve replacement. European Heart Journal, 2024. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae019
  2. Hajar R. Risk factors for coronary artery disease: historical perspectives. Heart Views 2017;18:109. https://doi.org/10.4103/HEARTVIEWS.HEARTVIEWS_106_17
  3. Patterson T, Clayton T, Dodd M, Khawaja Z, Morice MC, Wilson K, et al. ACTIVATION (PercutAneous Coronary inTervention prIor to transcatheter aortic Valve implantaTION): a randomized clinical trial. JACC Cardiovasc Interv 2021;14:1965–74. https://doi.org/10.1016/j.jcin.2021.06.041

4. Tarantini G, Tang G, Nai Fovino L, Blackman D, Mieghem NMV, Kim WK, et al. Management of coronary artery disease in patients undergoing transcatheter aortic valve implantation. A clinical consensus statement from the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions in collaboration with the ESC Working Group on Cardiovascular Surgery. EuroIntervention 2023;19:37–52. https://doi.org/10.4244/EIJ-D-22-00958