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Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 6: diagnóstico ecocardiográfico

Dr. Alberto Rodolpho Huning

O ecocardiograma transtorácico é o principal exame empregado para a definição da gravidade anatômica da Insuficiência Mitral (IM). Diversos parâmetros podem ser utilizados para essa quantificação, sendo de fundamental importância um exame detalhado e completo. Além da definição da gravidade anatômica, é uma ferramenta fundamental para definir a etiologia e a presença de complicadores, etapas necessárias para a programação terapêutica(1). 

  • A primeira pergunta a ser respondida durante a realização do exame é: qual o mecanismo responsável pela IM? 

Devido à alta sensibilidade do Doppler, é comum a detecção de regurgitação discreta em indivíduos saudáveis e com aparato mitral normal. Quando detecta-se uma regurgitação moderada, é importante olhar com atenção o aparato mitral em busca do mecanismo etiológico. 

O aparato mitral é composto pelo folheto anterior e posterior, anel mitral, cordoalhas tendíneas, músculos papilares e também pela função ventricular. A mobilidade é avaliada utilizando a classificação de Carpentier, que propõe uma divisão em 3 tipos baseada no provável substrato fisiopatológico. Na IM tipo I, a mobilidade dos folhetos é normal, na IM tipo II, a mobilidade dos folhetos é excessiva e na IM tipo III, a mobilidade é restrita.  Quando tanto a morfologia e a mobilidade são avaliadas, consegue-se determinar o mecanismo da regurgitação (primário, secundário ou misto). 

  • Insuficiência Mitral Primária: Anormalidades estruturais nos folhetos (espessamento, protrusão, perfuração, retração, etc) ou aparelho subvalvar (ruptura de cordoalhas tendíneas). 
  • Insuficiência Mitral Secundária:  A IM secundária decorre de alterações ventriculares (disfunção e/ou dilatação), dissincronia do VE (bloqueio de ramo direito, estimulação ventricular direita) que provocam a dilatação do anel mitral, ou dilatação do átrio esquerdo ( FA crônica ou cardiomiopatia restritiva), que também pode causar dilatação do anel mitral, com folhetos valvares mitrais e as cordoalhas  normais. 
  • Insuficiência Mitral Mista: Pacientes com mecanismo primário (acometimento do aparato mitral) em associação com dilatação do anel mitral. Comum em idosos com alterações fibrocalcíficas na valva. Geralmente há um mecanismo predominante (primário ou secundário)(2). 
  • A segunda pergunta é: qual a gravidade da insuficiência mitral? 

Existem diversos parâmetros ecocardiográficos que devem ser utilizados em conjunto para responder a essa pergunta.  

  • Área do jato regurgitante: Excelente para excluir IM, mas não é uma maneira confiável para graduar sua gravidade anatômica, mesmo utilizando a área indexada do AE. É também dependente do mecanismo causador e acaba sendo superestimada quando a  regurgitação não é holossistólica. Na presença de jatos excêntricos, a área do jato pode ser subestimada. Quando é avaliada em conjunto com a vena contracta e com a convergência de fluxo é um parâmetro bastante útil. Uma Área do jato ≥ 40% da área do AE indica IM importante. 
  • Vena contracta: é o ponto de maior estreitamento do jato regurgitante, distal ao orifício regurgitante. Uma medida de vena contracta maior ou igual a 0,7 é bastante específica para IM importante. A área de secção transversal da vena contracta caracteriza uma medida da área do orifício regurgitante efetivo (ERO). 
  • PISA (Proximal isovelocity surface area): Utilizado para calcular a área de orifício regurgitante efetivo (ERO), volume e fração de sangue regurgitantes para o átrio esquerdo (fórmulas matemáticas e inferência hemodinâmica).

É importante avaliá-los em conjunto, pois, a depender do contexto, podem ser sub ou superestimados (um dado valor de volume regurgitante pode gerar uma fração de sangue regurgitante diferente dependo da função ventricular esquerda). A presença de jatos excêntricos também dificulta a utilização do método. 

O raio do PISA (r) é medido a partir do ponto de aliasing do Doppler colorido (mudança abrupta na cor de azul para amarelo se a direção do jato estiver longe do transdutor) até a vena contracta.

Temos então as seguintes fórmulas:

  • Fluxo regurgitante = (2×3,14xr² x Velocidade aliasing)
  • ERO = fluxo regurgitante / velocidade de pico regurgitante
  • Volume regurgitante = ERO X VTI (integral da velocidade) do jato regurgitante
  • Fração regurgitante = volume regurgitante/stroke volume

Caracterizam a presença de IM importante a presença de uma Fração de sangue regurgitante ≥ 50%, Volume regurgitante ≥ 60 mL/batimento e ERO ≥ 0,40 cm². 

 

  • Repercussões em câmaras esquerdas: As dimensões das câmaras esquerdas (AE e VE) geralmente estarão aumentados na IM crônica, o que diferente da IM aguda, que cursa com cavidades de tamanhos normais, porém com pressões de AE e pressões pulmonares significativamente elevadas. Se tanto os diâmetros quanto as pressões em câmaras esquerdas e capilar pulmonar estiverem normais, a probabilidade da IM ser importante é baixa.  

Na IM secundária essa avaliação é mais difícil e enviesada, pois as repercussões nas câmaras cardíacas e na circulação pulmonar podem ser decorrentes da doença de base. 

  • Relação da onda E e A: a onda E corresponde à fase inicial da diástole, enquanto a onda A se associa à contração do átrio E. Na IM importante, normalmente temos uma onda E maior que a onda A, sendo geralmente a velocidade da onda E >1,2 m/s. 
  • Fluxo em veias pulmonares:  a presença de fluxo sistólico reverso em veias pulmonares fala a favor de regurgitação importante. 

Importante perceber que esses parâmetros apresentam precisão e reprodutibilidade limitadas e interagem de maneira complexa e dependente entre si. Recomenda-se, portanto, o uso conjunto de parâmetros quantitativos e qualitativos para definir a gravidade anatômica da insuficiência mitral(2, 3): 

Área do jato Fração regurgitante Volume regurgitante (ml/bat) Vena contracta (cm) ERO (cm²)
IM Discreta < 20% <30% < 30 < 0,3 <0,20,39
IM Moderada 20-40% 30-49% 30-59 0,3-0,69 0,2-0,39
IM importante ≥40% ≥50% ≥60 ≥0,7 ≥ 0,40

 

  1. A terceira pergunta a ser respondida é: existem complicadores?

Principalmente em pacientes com IM importante e assintomáticos, a pesquisa de complicadores e marcadores de mau prognóstico é fundamental para a tomada de decisão. 

  • FEVE ≤ 60% ou queda progressiva da FEVE (mesmo que normal) durante a evolução 
  • Remodelamento progressivo do VE (DSVE ≥ 40 mm)
  • PSAP ≥ 50 mmHg em repouso ou ≥ 60 mmHg ao exercício
  • Volume de AE ≥ 60 ml/m²(1)

 

Referências: 

  1. Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIdO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 2020;115(4):720-75.
  2. Grayburn PA, Thomas JD. Basic Principles of the Echocardiographic Evaluation of Mitral Regurgitation. JACC Cardiovasc Imaging. 2021;14(4):843-53.
  3. Zoghbi WA, Adams D, Bonow RO, Enriquez-Sarano M, Foster E, Grayburn PA, et al. Recommendations for Noninvasive Evaluation of Native Valvular Regurgitation: A Report from the American Society of Echocardiography Developed in Collaboration with the Society for Cardiovascular Magnetic Resonance. J Am Soc Echocardiogr. 2017;30(4):303-71.


Quando realizar o exame ecocardiográfico para concluir o diagnóstico de insuficiência mitral? Quais são as recomendações da Sociedade Brasileira de Cardiologia? Este é o tema da aula 6 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pelo Dr. Alberto Rodolpho Hüning.

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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.

Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 5: radiografia de tórax e eletrocardiograma

Layara Lipari Vicente

     

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames complementares de grande importância na investigação das valvopatias. Apesar de não fazererm diagnóstico de insuficiência mitral, trazem pistas importantes, principalmente sobre as repercussões desta valvopatia, quando anatomicamente importante. O eletrocardiograma pode ser usado também para a avaliação da presença de arritmias ventriculares e estratificação de risco no caso do prolapso mitral arritmogênico.

Na insuficiência mitral, a falha no fechamento adequado da valva mitral resulta no refluxo de sangue do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo durante a sístole. Este fenômeno desencadeia uma série de alterações fisiopatológicas como a sobrecarga de átrio esquerdo (que aumenta o risco de fibrilação atrial) e sobrecarga de ventrículo esquerdo (por sobrecarga de volume).

Na radiografia de tórax é importante procurar sinais de dilatação do átrio esquerdo como o duplo contorno atrial e o sinal da bailarina (o aumento do átrio esquerdo empurra o brônquio-fonte esquerdo, gerando aumento do ângulo infracarinal). Pode haver, ainda, sinais de congestão, geralmente bilateral, porém, em alguns casos, assimétrica: devido ao eixo anatômico do ventrículo esquerdo e ao grande volume de sangue bombeado na sístole (decorrente também da sobrecarga atrial), o refluxo de sangue através da valva mitral na insuficiência mitral aguda tende a direcionar-se preferencialmente para a direita e para cima (veia pulmonar superior direita – que drena os lobos superior e médio direitos), causando, assim, uma congestão venosa assimétrica (principalmente em campo pulmonar superior direito).

A radiografia de tórax permite também a avaliação etiológica em alguns casos de doença calcífica com a presença de calcificação anular na topografia do anel mitral (MAC – Mitral Annular Calcification). Para os pacientes que já fizeram alguma intervenção valvar, podemos ver sinais ao exame, como fios de sutura do esterno e mesmo o aro da prótese e os clipes usados no reparo mitral percutâneo (TEER – Mitral Transcatheter Edge-to-Edge Repair).

Ao eletrocardiograma, podemos encontrar sinais de sobrecarga de câmaras esquerdas e, em alguns casos, fibrilação atrial. A avaliação inicial do ECG abrange a avaliação de ritmo: em primeiro lugar, procuramos identificar um ritmo sinusal (onda P positiva em D1 e aVF e toda onda p conduz um QRS). Posteriormente, avaliamos o intervalo PR e sinais de sobrecargas de câmaras. Quando a sobrecarga de átrio esquerdo e consequente alteração estrutural leva à distorção do sistema de condução atrial, pode haver evolução para fibrilação atrial: o ritmo deixa de ser sinusal e podemos observar o padrão de ondas f na linha de base e RR irregular.

A sobrecarga de átrio esquerdo pode ser identificada no eletrocardiograma pela presença de uma onda P alargada nas derivações inferiores (II, III e aVF). Além disso, outro sinal clássico é o Sinal de Morris: uma onda P negativa em V1 com duração maior que 40 ms e uma amplitude negativa de pelo menos 1 mm (ou seja, área maior ou igual a 1mm²).

Já para buscar sobrecarga de ventrículo esquerdo, temos diversos critérios e geralmente usamos mais de um para esta avaliação. 

  • Sokolow-Lyon: Onda S em V1 + R em V5 ou V6 (o que for maior) = positivo quando acima de 40 em jovens e 35 para os demais pacientes. 
  • Índice de Cornell = R de aVL + S de V3 = positivo quando superior a 20 em mulheres e 28 em homens.
  • Peguero-Lo Presti = Maior S em qualquer derivação + S de V4 = positivo quando maior ou igual a 23mm em mulheres e 28mm em homens. O interessante desse critério é que leva em consideração a orientação espacial do coração do paciente, que pode ser um pouco desviada.
  • Padrão de strain nas derivações esquerdas = Presença da inversão de onda T com infradesnivelamento do segmento ST.
  • Critérios de Romhilt-Estes = positivo na soma de 5 pontos:

– 3 pontos: QRS (>20mm plano frontal e 30mm horizontal); strain na ausência de ação digitálica; e índice de Morris (aumento da duração da onda P maior que 1mm e da amplitude da onda p também superior a 1mm vistos em V1, denota sobrecarga de átrio esquerdo).

– 2 pontos: desvio do eixo elétrico do QRS além de -30º.

– 1 ponto: Tempo de Ativação Ventricular ou deflexão intrinsecoide >40ms (definida como o tempo desde o início do QRS até o pico da onda R); duração QRS (> 90 ms) em V5 e V6; e padrão strain sob ação do digital.

 

Todos estes critérios se correlacionam com a presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo, seja por insuficiência mitral (primária ou secundária) ou outra etiologia. 

Além disso, uma etiologia possível da insuficiência mitral é a secundária a infarto agudo do miocárdio. Nesse caso, podemos identificar os sinais de isquemia aguda, como o supradesnivelamento do segmento ST, ou zonas eletricamente inativas referentes a um infarto antigo. 

Finalmente, vale a pena ressaltar um tema que vem ganhando cada vez mais atenção, que é o prolapso mitral arritmogênico. O prolapso mitral arritmogênico é uma apresentação de prolapso mitral associada a um risco aumentado de arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca. Estudos observacionais recentes sugerem que a morte súbita cardíaca relacionada ao prolapso mitral, devido a arritmias ventriculares sustentadas, pode ocorrer com uma frequência anual estimada de 0,2% a 1,9%. Esta condição é caracterizada por várias alterações, incluindo disjunção do anel mitral, folhetos mixomatosos e redundantes, e fibrose ventricular. No eletrocardiograma, são observadas alterações de repolarização, como inversão da onda T nas derivações inferolaterais, prolongamento de intervalo QTc e extrassístoles ventriculares frequentes, muitas vezes originadas dos músculos papilares ou da via de saída do ventrículo esquerdo (morfologia de bloqueio de ramo direito). 

O diagnóstico de prolapso mitral arritmogênico requer a confirmação da presença de prolapso mitral, com ou sem disjunção do anel mitral. É necessário também identificar arritmias ventriculares, que podem ser frequentes (com densidade de extrassístoles ventriculares igual ou superior a 5% do total no holter) ou complexas (incluindo taquicardia ventricular não sustentada, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular). Além disso, é essencial excluir a presença de outros substratos arrítmicos bem definidos que possam explicar as arritmias observadas. Essas manifestações ao eletrocardiograma — inversão de onda T, prolongamento do intervalo QTc e arritmias ventriculares — são essenciais para a estratificação de risco e o manejo dos pacientes com prolapso mitral arritmogênico.

 

Referências:

  1. Eletrocardiograma em 7 aulas – Temas avançados e outros métodos – Friedmann 2ª edição, editora Manole.
  2. Pastore, CA et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Brasileiros de Cardiologia. 2016, v. 106, n. 4 Suppl 1. https://doi.org/10.5935/abc.20160054.
  3. Wave-maven ECG (https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/displist.asp?ans=1)
  4. https://radiopaedia.org/
  5. https://www.cardiosurgerypost.com/single-post/2017/08/29/anatomia-da-valva-mitral-conceitos-b%C3%A1sicos-e-armadilhas-cir%C3%BArgicas
  6. Deng Y, Liu J, Wu S, Li X, Yu H, Tang L, Xie M, Zhang C. Arrhythmic Mitral Valve Prolapse: A Comprehensive Review. Diagnostics (Basel). 2023 Sep 6;13(18):2868. doi: 10.3390/diagnostics13182868. 
  7. Avi Sabbag, et al, EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society, EP Europace, Volume 24, Issue 12, December 2022, Pages 1981–2003, https://doi.org/10.1093/europace/euac125

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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.

Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.

Fundamentos em doenças valvares: tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 4: prolapso arritmogênico

Vitor Emer Egypto Rosa

     

O prolapso de válvula mitral apresenta um risco de arritmias e morte súbita diferente de outras valvopatias, cerca de 3 vezes maior que a população geral. A fisiopatologia desses eventos arrítmicos pode ser explicada pelo estresse físico que o prolapso gera nos músculos papilares e na parede inferior do ventrículo esquerdo, gerando pequenos focos de fibrose. Além disso, a disjunção do anel mitral (inserção anormal do anel mitral na parede atrial), usualmente associada ao prolapso, parece intensificar esse processo. Dessa forma, existe uma necessidade em identificar os pacientes com maior risco de morte súbita (denominados portadores de prolapso arritmogênico maligno), daqueles sem arritmia ou com baixo risco de morte súbita. 

O primeiro passo é suspeitar do prolapso arritmogênico maligno naqueles pacientes que apresentam sintomas como palpitações ou síncope não explicada. Nesses casos, devemos realizar o holter, que definirá o componente arritmogênico naqueles com densidade de extrassístoles ventriculares >5%, taquicardia ventricular (TV) não sustentada, TV sustentada ou fibrilação ventricular. De maneira intuitiva, aqueles com fibrilação ventricular, TV sustentada ou TV com frequência >180 bpm são considerados de alto risco e devem ser avaliado de acordo com as diretrizes sobre tratamento de tais arritmias, independente da doença valvar. 

Já aqueles pacientes sem sinais de alto risco na avaliação inicial, devemos verificar outras características também associadas a pior prognóstico, como: onda T invertida em parede inferior, extrassístoles múltiplas e polimórficas, disjunção do anel mitral, cúspides redundantes, aumento do átrio esquerdo, fração de ejeção menor que 50% e presença de realce tardio. Na presença de 2 ou mais dessas características, devemos reavaliar constantemente tais pacientes em busca de arritmias complexas e/ou de alto risco de morte súbita.

Em relação ao tratamento, as evidências são frustras, mas existem algumas possibilidades:

  1. Tratamento medicamentoso: o uso de betabloqueadores é preferido e indicado, a despeito da carência de evidências na literatura.
  2. CDI: não há evidências contundentes para indicação de CDI para aqueles que não se incluem nas indicações previstas pelas diretrizes de implante de marca-passo/CDI. As recomendações atuais são de individualização, discutindo riscos e benefícios com pacientes e familiares.
  3. Ablação: procedimento tecnicamente difícil, porém pode ser indicado na tentativa de redução dos eventos arrítmicos.
  4. Intervenção cirúrgica mitral: apesar da evidência de redução das arritmias com a cirurgia valvar, não existem evidências para intervir apenas com o intuito de reduzir as arritmias, ou seja, pacientes sem indicação de intervenção definida pela doença valvar em si não devem ser submetidos à cirurgia apenas pela arritmia. 

Referências:

Sabbag A et al. EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed by the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace. 2022 Dec 9;24(12):1981-2003. 

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No novo conteúdo, Dr. Vitor Rosa explica o prolapso arritmogênico: como identificar e conduzir cada caso.

Insuficiência Mitral: como definir a etiologia e gravidade anatômica pelo exame físico

 Dr. João Ricardo Fernandes

         A Insuficiência Mitral (IM), cuja incidência aumenta com a idade, pode ocasionar, na sua história natural, repercussões anatômicas e hemodinâmicas significativas e muitas vezes irreversíveis. Por esses motivos, sua adequada identificação e quantificação são primordiais para decisão terapêutica.

         Apesar do ecocardiograma ser imprescindível na avaliação das doenças valvares, um exame físico detalhado tem papel fundamental na identificação inicial da valvopatia e na definição de sua gravidade anatômica, além de ajudar na determinação da etiologia.

A IM pode ser primária, quando há lesão ou acometimento de um ou ambos os folhetos valvares, ou secundária, a qual se caracteriza pela presença de cúspides e cordas estruturalmente normais. Dentre as etiologias primárias, a IM reumática e a IM degenerativa ou prolapso valvar mitral (PVM) destacam-se.

         A ausculta de um sopro cardíaco, através do estetoscópio, deve sempre ser acompanhada da palpação concomitante de pulso central ou periférico. A identificação de um sopro sistólico, ou seja, que acontece de maneira síncrona à palpação do pulso, que ocupa toda a sístole (holossistólico), mais audível na área mitral (5º espaço intercostal esquerdo, linha hemiclavicular) e com timbre caracterizado como “jato de vapor”, denota a presença de uma regurgitação mitral.

         Para definirmos se uma IM primária é anatomicamente importante através do exame físico, algumas das características propedêuticas abaixo devem estar presentes. Tais características denotam a presença de um jato de regurgitação mitral importante e/ou a ocorrência de complicações anatômicas e hemodinâmicas secundárias à IM. Dentre elas, podemos destacar:

  1. Impulso apical (ictus cordis) dinâmico, alargado e deslocado para a esquerda ou para baixo, sugerindo remodelamento ventricular esquerdo;
  2. Sopro sistólico regurgitativo 4+ ou mais (ou seja, com frêmito palpável);
  3. Irradiação do sopro para linha axilar posterior;
  4. Segunda bulha (B2) hiperfonética, sugerindo hipertensão pulmonar;
  5. Presença de terceira bulha (B3);
  6. Presença de sinais de congestão pulmonar e/ou sistêmica.

         Por outro lado, o sopro associado à IM secundária, especialmente em pacientes com função sistólica do ventrículo esquerdo reduzida, é geralmente de baixa intensidade e pode ser de difícil identificação na ausculta cardíaca.

         Além da gravidade anatômica, no exame físico de um paciente portador de IM, podemos também definir ou sugerir a sua etiologia. O PVM, principal etiologia de IM no mundo, tem achados peculiares à ausculta cardíaca. Destacam-se aqui a presença de uma primeira bulha (B1) normofonética (diferentemente da IM reumática, onde a B1 é comumente hipofonética ou inaudível), associada a um clique protossistólico e um sopro mesotelessistólico. Com o avançar da história natural da IM, pode haver ruptura de cordas principais, tornando a B1 hipofonética ou até mesmo inaudível, e o sopro holossistólico.

         A cúspide acometida no PVM também pode ser identificada pela ausculta cardíaca. Sopros associados à cúspide anterior têm irradiação para axila e região infraescapular esquerda, enquanto que sopros associados ao prolapso da cúspide posterior irradiam para a região anterior do tórax, podendo algumas vezes ser confundidos com sopro sistólico aórtico.

Em suma, apesar do grande avanço de novos métodos de imagem para o diagnóstico e quantificação da IM, o exame físico, e em especial a ausculta cardíaca, ainda tem papel crucial na identificação, definição da gravidade anatômica e avaliação da etiologia da IM.

 

Referências:

  1. Mann DL, Zipes DP, Libby P, Bonow RO, editors. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. 12th ed. Elsevier; 2021.
  2. Bonow RO, O’Gara PT, Adams DH, Badhwar V, Bavaria JE,Elmariah S, Hung JW, Lindenfeld J, Morris AA, Satpathy R, Whisenant B, Woo YJ. 2020 focused update of the 2017 ACC expert consensus decision pathway on the management of mitral regurgitation. J Am Coll Cardiol 2020;75:2236–70.
  3. Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, Milojevic M, Baldus S, Bauersachs J, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease. Eur Heart J. 2021;42(36):4077-4174.

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Vamos assistir a mais uma aula do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral!

No vídeo de hoje, Dr. João Ricardo Fernandes explica como é possível definir a gravidade anatômica e a etiologia através do exame físico. Confira!

 

Insuficiência Mitral: quais são os sintomas e por que surgem?

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Mais uma aula do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral está disponível. No novo conteúdo, a Dra. Lynnie Arouca explica quais são os sintomas da valvopatia, como identificá-las e o porquê surgem.

 

Insuficiência Mitral: etiologia e fisiopatologia

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Hoje começamos mais uma série de conteúdos especiais: Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral.

Vamos trazer até você tópicos diversos abordando todos os aspectos referentes a essa valvopatia. Neste primeiro vídeo, Dr. Renato Nemoto fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da condição.

Em breve, traremos mais temas sobre o assunto – acompanhe!

 

VALVE IN VALVE MITRAL – Caso Clínico + Tips and Tricks

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Dr. Henrique B. Ribeiro traz o caso clínico de um tratamento transcateter em uma paciente com disfunção de bioprótese valvar mitral.