Reconhecimento da técnica e otimização dos resultados da valvoplastia mitral por cateter balão
Filippe Barcellos Filippini – Cardiologista Intervencionista – InCor
DIMENSÃO DO PROBLEMA:
A etiologia reumática predomina como principal causa de valvopatia no Brasil,o que difere de continente Europeu e da América do Norte, onde as doenças degenerativas representam a principal causa.
No Brasil, a prevalência de cardiopatia reumática crônica gira em tomo de 1-7 casos/1000 crianças em idade escolar, de acordo com a região geográfica. Estima-se que anualmente ocorram cerca de 10 milhões de infecções faríngeas pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A em nosso meio, das quais cerca de 30.000 evoluirão para FR e, destas, cerca de 15.000 apresentarão acometimento cardíaco.
No mundo, observamos nos países de baixas e médias rendas, o acometimento de uma única valva ocorre com mais frequência em pacientes mais velhos e com menor número de episódios de cardite. Nos países com menor acesso à informação e aos serviços de saúde, a falta de profilaxia primária e secundária propicia um início mais precoce e com maior frequência de recorrência de cardite reumática. Assim nestes países o acometimento de múltiplas valvas é o padrão. A incidência anual de febre reumática no mundo é estimada em 471.000 casos por ano, assim, se aceitarmos que cerca de 60% dos pacientes com FR desenvolvem lesão valvar, concluímos que uma incidência anual de novos casos de doença valvar reumática é de 282.000 novos casos por ano.
TRATAMENTO INTERVENCIONISTA DA ESTENOSE MITRAL:
A valvoplastia mitral por balão (VMCB) foi introduzida em 1984 por Inoue, tendo sido realizado com sucesso em 5 pacientes, com melhora sustentada dos sintomas de 2 a 16 meses após a intervenção. Em 1986, Mckay e Palacios colocaram-na em prática em maior escala nos Estados Unidos.
A VMCB se mostrou segura, factível e comecou a ser realizada em ampla escala, sendo, ótima alternativa ao tratamento cirúrgico convencional nos portadores de EMi importante. Conforme dados do estudo de Cardoso LF et al, o procedimento de VMCB foi comparado a intervenção cirúrgica aberta, tendo sido evidenciada melhora expressiva da classe funcional e nos gradientes mitrais em ambos os grupos. Os resultados demonstraram uma taxa de sucesso >90%, com complicações em <2% e taxa de reestenose de apenas 10-20% em 5 anos. A sobrevida em 10 anos observada entre 80-90%, melhorando significativamente o prognóstico dos pacientes. Esses resultados são comparáveis aos da comissurotomia aberta (técnica por cirurgia aberta).
Assim, o procedimento da VMCB reduz os sintomas, gradiente e sobrevida tanto quanto o tratamento cirúrgico, mas tendo risco de complicações consideravelmente menor e mesma taxa de sucesso. Baseado nestes dados, podemos observar o posicionamento 2020 da Diretriz de Valvopatias da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), indicando para pacientes com EMi sintomática, sem contraindicações, a VMCB como preferencial a técnica cirúrgica aberta (indicação IA). Fica reservada a técnica cirúrgica aberta (indicação IB) para casos com contraindicação a VMCB. Este mesmo posicionamento foi publicado pelo Guideline da American Heart Association (AHA).
PARTICULARIDADES DA VMCB E OTIMIZAÇÃO NA ESCOLHA DOS PACIENTES:
Nesse procedimento, um cateter balão dedicado é introduzido através da veia femoral, sendo progredido ao nível do átrio direito. Com auxílio de ecocardiografia transesofágica, é realizada a punção transeptal e aferida manometria em cavidade atrial esquerda. Após ser posicionado o balão na topografia da valva mitral estenosada, ocorre insuflação do mesmo, de forma a objetivar abertura das comissuras fundidas pela doença reumática.
O paciente ideal para a VMCB possui (1) pouca calcificação nos folhetos, reduzindo a chance de abertura assimétrica da valva; (2) acometimento subvalvar leve e (3) escore ecocardiográfico de Wilkins <= 8 pontos. As contraindicações absolutas para o procedimento são apenas: (1) trombo no átrio esquerdo; (2) insuficiência mitral (IM) moderada a importante pré-procedimento e (3) vontade do paciente. Contraindicações relativas incluem: (1) ausência de fusão intercomissural; (2) outra indicação para cirurgia cardíaca aberta; (3) área valvar mitral (AVM) > 1.5 cm2 e (4) calcificação bicomissural importante.
Para a escolha do balão mais adequado, é necessário além dos dados ecocardiográficos detalhados, saber a altura do paciente em questão, de forma a utilizar a seguinte fórmula: Diâmetro do balão [mm] = altura [cm] / 10 + (10). Dessa maneira, considerando a altura de 160 cm, o balão empregado costuma ser 26 mm. Cabe lembrar também que o balão de Inoue pode ser insuflado na medida escolhida, mas também com mililitros a mais ou menos, como a figura abaixo. Costuma-se subdimensionar na primeira insuflação e conforme a AVM e IM, ponderar insuflações com maiores volumes em segundo momento.
Os bons resultados da VMCB, com altas taxas de sucesso e baixas taxas de complicação estão muito associadas ao expertise e volume do Hearteam em selecionar, indicar corretamente e realizar as intervenções mitigando os riscos inerentes a cada paciente, dado citado no guideline Americano de 2020 (Comprehensive Valve Center).
Referência
Xavier RMA. Análise da sobrevida dos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca valvar no Brasil no Sistema Único de Saúde entre 2001 e 2007. Rio de Janeiro: UFRJ / Faculdade de Medicina, 2015. 122.
Cardoso LF et al. Resultados imediatos e tardios da valvoplastia mitral percutânea em pacientes com estenose mitral. Arq. Bras. Cardiol. vol.94 no.3 São Paulo Mar. 2010
Tarasoutchi F et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020; 115(4):720-775
Otto CM et al. 2020 ACC/AHA Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2021;143:e72–e227.
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