É possível tratar endocardite em casa?
Fernanda Tessari | Vitor Rosa
O tratamento da endocardite infecciosa inclui a administração de antibióticos por um período de tempo prolongado, sendo frequentes internações hospitalares durante 6 semanas até que se complete a terapia. Entretanto, discute-se a factibilidade de alternativas de tratamento domiciliar visando tanto a redução de custos hospitalares, quanto a possibilidade de alta mais precoce e consequente redução de outras complicações associadas à internação.
Assim, surge a possibilidade de antibioticoterapia parenteral ambulatorial, em que inicia-se a administração de antibióticos intravenosos durante a internação, em geral por pelo menos 2 semanas, e o término do tratamento é realizado após alta hospitalar com apoio de uma equipe multidisciplinar. Entretanto, para que um paciente seja considerado para esta estratégia, vários pontos devem ser levados em consideração:
- O paciente deve apresentar função cognitiva adequada, saúde mental preservada, rede de apoio social estruturada e viver a uma distância aceitável do hospital com possibilidade de deslocamento e contato telefônico;
- Devem ser excluídas complicações da endocardite infecciosa, como eventos embólicos, insuficiência cardíaca, abscessos ou aneurismas;
- O paciente não deve apresentar outras comorbidades que necessitem de hospitalização, como falências orgânicas, focos extra-cardíacos de infecção, hipertensão não controlada, envolvimento neurológico, etc.;
- Deve apresentar acesso intravenoso estável e sinais de boa resposta ao tratamento, como hemoculturas negativas, ausência de febre, queda de marcadores inflamatórios (contagem de leucócitos, PCR), função renal e hepática estáveis e ausência de coagulopatia;
- O eletrocardiograma não pode apresentar bloqueios atrioventriculares de 2º ou 3º grau ou outras arritmias e o ecocardiograma deve demonstrar redução da vegetação, com diâmetros abaixo de 10 mm e ausência de complicações paravalvares.
O paciente deve ser monitorizado com avaliação clínica, laboratorial, eletro e ecocardiográfica regularmente e a qualquer sinal de complicação ou resposta inadequada ao tratamento, deve ser novamente revertido para o tratamento hospitalar.
Outro ponto de discussão, e ainda mais polêmico, diz respeito ao uso de antibioticoterapia oral para o tratamento da endocardite infecciosa ambulatorialmente. Em 2018 foi realizado o estudo Partial Oral versus Intravenous Antibiotic Treatment of Endocarditis (POET), que randomizou 400 pacientes adultos com endocardite do lado esquerdo do coração e hemoculturas positivas para Streptococcus, Enterococcus faecalis, Staphylococcus aureus ou Staphylococcus coagulase-negativo. Todos receberam ao menos 10 dias de antibioticoterapia intravenosa e metade deles completaram o tratamento com regime oral ambulatorialmente. Todos os pacientes apresentavam-se clinicamente estáveis, sem evidências de complicações clínicas e ao ecocardiograma transesofágico e com resposta satisfatória ao tratamento inicial. O estudo demonstrou que o tratamento parcialmente oral foi não inferior em termos de mortalidade em relação ao tratamento intravenoso contínuo.
Entretanto, o estudo apresenta várias limitações, como a inclusão apenas de 4 tipos de bactérias, a ausência de resistência bacteriana, mínima representabilidade de usuários de drogas intravenosas e ausência de endocardite do lado direito. Assim, a decisão pela transição para o tratamento oral deve levar em consideração as particularidades de cada paciente, incluindo o risco de complicações, efeitos adversos das medicações, risco de resistência microbiana e contexto socioeconômico, de modo a restringir tal estratégia apenas a casos minuciosamente selecionados.
Referência Bibliográfica
Pericàs, JM, Llopis, J, González-Ramallo, et al. Outpatient Parenteral Antibiotic Treatment (OPAT) for Infective Endocarditis: a Prospective Cohort Study From the GAMES Cohort. Clinical Infectious Diseases. doi:10.1093/cid/ciz030.
Iversen, K, Ihlemann, N, Gill, Su, et al. Partial Oral versus Intravenous Antibiotic Treatment of Endocarditis. New England Journal of Medicine. doi:10.1056/nejmoa1808312.
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