Tratamento do vaso culpado ou tratamento completo no paciente estável pós-IAM com elevação do segmento ST?
Luciano Moreira Baracioli
A intervenção coronariana percutânea (ICP) primária deve ser a terapia de escolha para pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCESST), tendo como objetivo restaurar o fluxo sanguíneo para a artéria coronária considerada causadora deste evento (“artéria culpada”). Porém, em aproximadamente 50% dos casos, estenoses importantes em uma ou mais artérias coronárias não culpadas pelo IAMCESST são também observadas durante a angiografia-índice; e na doença multiarterial ocorre pior evolução clínica e aumento de mortalidade em comparação a pacientes com doença uniarterial.
Muitas evidências científicas surgiram avaliando qual seria o momento ideal e a melhor estratégia para revascularização completa de lesões não culpadas. Destacam-se os ensaios clínicos randomizados: 1- PRAMI (n=465) – ICP primária com sucesso da lesão culpada, e randomização para tratamento subsequente imediato das lesões com estenose > 50% versus sem ICP adicional; 2– CvLPRIT (n=296) – ICP primária com sucesso da lesão culpada, e randomização para tratamento isolado da lesão culpada versus revascularização completa, sendo que neste último grupo a angioplastia do vaso não culpado foi realizada tanto no procedimento índice (64%) quanto em um segundo momento, mas ainda na mesma hospitalização (36%), com mediana de tempo de entre os procedimentos de 3 dias; 3 – DANAMI-3-PRIMULTI (n=627) – ICP primária com sucesso da lesão culpada, e randomização para tratamento da lesão culpada isolada versus revascularização completa estagiada guiada por FFR (todas as lesões não culpadas com estenose > 50% em vasos com diâmetro ≥ 2 mm eram avaliadas por FFR, em procedimento estagiado realizado aproximadamente 2 dias após o procedimento índice, antes da alta hospitalar, sendo a ICP indicada se FFR ≤ 0,80); 4 – COMPARE-ACUTE (n=885) – comparou as estratégias de revascularização completa guiada for FFR no procedimento índice versus revascularização apenas da artéria culpada.
Todos esses estudos demonstraram melhores resultados com a estratégia de revascularização completa, principalmente pela menor necessidade de nova revascularização ao longo do seguimento clínico tardio. Deve-se salientar que apenas um terço dos pacientes tinham doença triarterial, e foram excluídos os pacientes com lesão de tronco de coronária esquerda e a maioria desses trabalhos excluiu também pacientes com oclusão crônica.
O estudo mais recente sobre o assunto é o COMPLETE, sendo o maior estudo (n=4041) e o único com poder estatístico suficiente para abordar desfechos de maior significado clínico. Foram randomizados pacientes com IAMCESST tratados por ICP primária para uma abordagem apenas da lesão culpada versus revascularização completa. Os critérios de inclusão foram ICP primária com sucesso há menos de 72hs e, ao menos uma lesão não-culpada com diâmetro >2,5mm e estenose significativa (definida pela estimativa visual angiográfica >70% ou com 50-69% acompanhada de FFR <0,80). Os pacientes alocados para o grupo de revascularização completa, realizavam a ICP de forma estadiada (durante internação - tempo médio de 1 dia, ou após a alta hospitalar - tempo médio de 23 dias - com no máximo 45 dias da randomização). Foram demonstradas reduções significativas no primeiro desfecho primário de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio (7,8% vs 10,5%, HR=0,74; IC 95% = 0,60-0,91; p = 0,004) e no segundo desfecho primário de morte cardiovascular ou infarto do miocárdio ou revascularização induzida por isquemia (8,9% vs 16,7%, HR=0,51; IC 95% = 0,43-0,61; p < 0,001) a favor do grupo revascularização completa. Nota-se que o benefício foi observado logo após inclusão no estudo e tornou-se mais evidente ao longo dos 36 meses de seguimento.
O benefício da revascularização completa, considerando mortalidade cardiovascular, foi demonstrado em meta-análise (10 ensaios clínicos randomizados, totalizando 7.030 pacientes) – óbito cardiovascular 2,5% vs 3,1% (OR=0,69; IC 95% = 0,48-0,99; p = 0,04). Os resultados foram similares nos subgrupos com revascularização completa imediata ou estagiada, e nos subgrupos com abordagem guiada por FFR ou guiada por angiografia.
Com os resultados destes estudos, e seguindo as diretrizes norte-americanas (últimas publicadas), recomendamos que em pacientes hemodinamicamente estáveis com IAMCESST e doença multiarterial, após ICP primária bem-sucedida, a ICP estadiada de uma estenose significativa da artéria não-culpada seja realizada no intuito de redução do risco de morte ou IAM.
Referências:
- Mehta SR, Wood DA, Storey RF, et al. Complete Revascularization with Multivessel PCI for Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2019;381(15):1411–21.
- Bainey KR, Engstrøm T, Smits PC, et al. Complete vs Culprit-Lesion-Only Revascularization for ST-Segment Elevation Myocardial Infarction: A Systematic Review and Meta-analysis. JAMA Cardiol. 2020;5(8):881–8.
- Lawton JS, Tamis-Holland JE, Bangalore S, et al. 2021 ACC/AHA/SCAI Guideline for Coronary Artery Revascularization: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2022;79(2):e21–129
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