Revascularização no paciente com choque cardiogênico pós-IAM
Luciano Moreira Baracioli
O choque cardiogênico permanece como uma das piores complicações no cenário da coronariopatia aguda; ocorre em 5-10% (na apresentação ou durante evolução), e apresenta uma taxa de mortalidade por volta de 50% em 30 dias, podendo chegar, inclusive, a 80-90% de mortalidade entre os pacientes com complicações mecânicas.
O estudo SHOCK-TRIAL, em 1999, analisou pacientes com IAM e choque cardiogênico submetidos de forma aleatória à terapêutica invasiva ou conservadora e encontrou mortalidade semelhante nos dois grupos analisados aos 30 dias de evolução (46,7% no grupo invasivo versus 56% no grupo conservador, p = 0,11). Já no seguimento de 6 meses, o grupo invasivo apresentou diminuição significativa da mortalidade (50,3 versus 63,1%, respectivamente, p = 0,027), porém tal benefício foi restrito aos pacientes < 75 anos. Estudo de coorte, publicado em 2014, com 60.833 portadores de choque cardiogênico pós-IAM demonstrou redução significativa na mortalidade intra-hospitalar a favor dos pacientes submetidos a tratamento invasivo (37,7 versus 59,7%; OR = 0,41; IC 95% 0,39-0,43; p < 0,0001). Essa menor mortalidade foi notada de forma consistente em vários subgrupos, inclusive na população com > 75 anos; no grupo tratamento invasivo, 58,4% foram submetidos à ICP, sendo 90,6% nas primeiras 48 horas; 22,1% à CRM (55,8% deles nas primeiras 48 horas); e o restante apenas submetido à cineangiocoronariografia.
O tratamento do choque cardiogênico secundário à disfunção ventricular esquerda consiste, portanto, na revascularização miocárdica de emergência (percutânea ou cirúrgica), independentemente do tempo de atraso entre o início dos sintomas e a reperfusão. No entanto, a melhor estratégia para tratar lesões não culpadas, presentes em até 80% dos pacientes com choque cardiogênico, foi objeto de controvérsias nos últimos anos.
Por quase duas décadas, baseado na presunção fisiopatológica da melhora da perfusão miocárdica com a revascularização completa e associado a extrapolação dos dados do estudo SHOCK que comparou e evidenciou benefício da revascularização precoce da lesão culpada sobre o tratamento conservador (inicialmente), preconizava-se o tratamento através de uma estratégia agressiva precoce e de revascularização completa nestes pacientes com choque cardiogênico pós-IAM.
Mais recentemente foi publicado o estudo CULPRIT-SHOCK, que randomizou 706 pacientes com IAM com elevação do segmento ST (IAMCESST) e choque cardiogênico para ICP apenas do vaso culpado ou ICP multiarterial na mesma intervenção; no grupo ICP multiarterial, a revascularização completa foi alcançada em 81% dos pacientes. O desfecho primário (composto de morte por qualquer causa ou terapia de substituição renal) em 30 dias foi significantemente melhor no grupo de ICP da lesão culpada (45,9% vs 55,4%; RR = 0,83; IC 95% = 0,71-0,96; p = 0,01). Análise dos componentes do desfecho primário foram as seguintes: – morte por qualquer causa em 30 dias (43,3% vs 51,6%, OR=0,84, p=0,03 a favor da ICP do vaso culpado); – terapia de substituição renal em 30 (11,6 vs 16,4%, OR=0,71, p=0,07).
Portanto, em pacientes com choque cardiogênico pós-IAM e doença multiarterial, a intervenção coronária percutânea restrita à lesão culpada no cenário de emergência aguda, e com possível revascularização completa de lesões residuais em um procedimento estagiado (segundo momento após a estabilização hemodinâmica) parece ser a melhor estratégia. Ou seja, com base no estudo CULPRIT-SHOCK, a ICP de lesão não culpada imediata de rotina não é recomendada nesses pacientes, recebendo classe III (contraindicado) pelas diretrizes atuais.
Referências:
- Thiele H, Akin I, Sandri M, Fuernau G, de Waha S, Meyer-Saraei R, et al. PCI Strategies in Patients with Acute Myocardial Infarction and Cardiogenic Shock. N Engl J Med. 2017;377(25):2419–32.
- Lawton JS, Tamis-Holland JE, Bangalore S, Bates ER, Beckie TM, Bischoff JM, et al. 2021 ACC/AHA/SCAI Guideline for Coronary Artery Revascularization: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2022;79(2):e21–129.
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