Trombo de ventrículo esquerdo pós-IAM: alguma mudança na conduta prática?
Dr. Luciano Moreira Baracioli e Dr. Matheus Carvalho Alves Nogueira
Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda – InCor – HCFMUSP
A ocorrência de trombo no ventrículo esquerdo (VE) é uma temida complicação após infarto agudo do miocárdio (IAM), particularmente nos primeiros 14 dias pós-evento; traz muita preocupação, pois eleva o risco de acidente vascular cerebral (AVC) ou embolia sistêmica em cerca de 5 vezes, além de estar associada a uma maior mortalidade, especialmente quando não há regressão do trombo ao longo do seguimento. Dados esses que embasam a decisão de se tratar o trombo de VE por meio da anticoagulação.
Incidência na era da angioplastia
Estudos da era pré-trombolítico mostravam uma incidência de trombo de VE de até 60% em pacientes com IAM anterior, caindo para 40% após o advento dos trombolíticos. Com o início da intervenção coronária percutânea (ICP) primária, a incidência ficou bastante variável, dependendo da localização e tamanho do infarto, tempo até ICP, e método de imagem realizado. Meta-análise publicada em 2016, incluindo mais de 10.000 pacientes com IAM com supra de ST (IAMCSST), encontrou trombo de VE em 2,7% dos casos gerais e 9,1% dos IAMCSST de parede anterior. Mais recentemente, nova meta-análise (> 2.000 pacientes) que utilizou ressonância magnética cardíaca (RNMC) até 1 mês pós-IAM detectou trombo de VE em 6,3% dos IAMCSST, 12,2% dos IAMCSST anteriores e 19,2% quando o IAMCSST anterior era acompanhado de fração de ejeção do VE (FEVE) < 50%. Esses dados sugerem que as taxas obtidas por ecocardiografia podem subestimar a verdadeira incidência.
Fisiopatologia resumida
Tudo isso tem um pano de fundo fisiopatológico muito claro e bem conhecido: a tríade de Virchow. A estase cavitária (por hipocinesia/acinesia do VE), associada a lesão endocárdica e hipercoagulabilidade inflamatória são os gatilhos importantes para a formação do trombo.
Diagnóstico e lacunas de rastreamento
Apesar dos indícios de que o trombo de VE está associado a piores desfechos e a regressão do mesmo se associa a menor mortalidade, não existe, até o momento, uma recomendação forte para rastreamento ativo de trombo de VE em pacientes de maior risco (ou seja, aqueles que tiveram um IAM anterior extenso), mesmo sabendo que todo paciente pós-IAM deve realizar um ecocardiograma durante a internação. O ecocardiograma transtorácico é a porta de entrada, mas sua sensibilidade dobra apenas quando se utiliza contraste e continua inferior à da RNMC, padrão‑ouro. Consequentemente, uma parcela relevante de trombos permanece invisível na prática clínica.
Antes do “RIVAWAR”: DOACs sem prova
As evidências de que a anticoagulação plena resolve o trombo advém de estudos pequenos, sempre envolvendo o uso de varfarina.
Até 2024, não havia nenhum dado concreto que garantia segurança e eficácia de se tratar trombo de VE com os anticoagulantes orais diretos (DOACs). Embora indicados amplamente nos últimos anos, tendo como exceções os portadores de próteses valvares mecânicas e estenose mitral moderada a importante não corrigida, o uso dos DOACS nos pacientes com trombo de VE baseava-se na extrapolação de estudos voltados para outras patologias, como fibrilação atrial e tromboembolismo venoso. Faltavam ensaios randomizados que comparassem DOACs à varfarina nesse cenário – lacuna parcialmente preenchida pelo RIVAWAR.
O que foi o “RIVAWAR”?
RIVAWAR é um ensaio clínico aberto, unicêntrico, realizado no Paquistão, que randomizou 261 pacientes com trombo de VE pós-síndrome coronariana aguda (<7 dias) para rivaroxabana 20 mg/dia ou varfarina (INR 2–3), em proporção 2:1, por três meses. Os pacientes tinham idade média de 54 anos, 79% eram homens, 90% tiveram IAMCSST, 93,9% tinham FEVE ≤ 35%, e 85% foram submetidos a angioplastia primária. Principais critérios de exclusão foram cardiomiopatia prévia, AVC com déficit neurológico residual e FA valvar.
Todos os pacientes receberam, além da anticoagulação, dupla antiagregação plaquetária (DAPT) com aspirina e clopidogrel no primeiro mês, seguido por monoterapia antiplaquetária por mais oito semanas, completando assim os três meses de seguimento do estudo. O desfecho primário foi avaliar a eficácia da rivaroxabana na resolução do trombo do VE pós-IAM comparado com a varfarina aos 3 meses. Abaixo, os principais resultados:
Desfecho | Rivaroxabana | Varfarina |
Resolução do trombo – 4 semanas | 20,1 % | 8,3 % |
Resolução do trombo – 12 semanas | 95,8 % | 96,6 % |
AVC isquêmico | 3,5 % | 1,1 % |
Sangramento maior | 2,3 % | 1,1 % |
Como podemos notar no desfecho primário, as taxas de resolução do trombo foram praticamente idênticas entre os dois grupos (95.8% no braço rivaroxabana vs. 96.6% no braço varfarina, p=0.88). Além disso, houve uma proporção mais alta de resolução do trombo do VE ao final do primeiro mês no grupo da rivaroxabana (33 pacientes [20,1%] vs. 7 pacientes [8,3%]; OR = 2,41; p = 0,017). Desfechos clínicos (AVCi e sangramento maior) tiveram uma maior ocorrência numérica (não significativa) no grupo rivaroxabana; porém sabemos que o estudo não foi desenhado para avaliar estes desfechos, que servem apenas como geradores de hipóteses.
Limitações do estudo
Embora pioneiro, devemos destacar algumas limitações no estudo “RIVAWAR: – ensaio aberto, unicêntrico, com amostra modesta e tempo de seguimento de apenas três meses; – o diagnóstico e seguimento de trombo do VE foi feito com ecocardiograma, e não com o padrão-ouro, a ressonância magnética; – a idade da população foi relativamente jovem, o que poderia subestimar o risco hemorrágico em relação a populações mais idosas. Devemos também ressaltar que o desfecho primário foi a resolução do trombo do VE, não nos permitindo nenhuma conclusão em relação aos eventos clínicos, em especial o AVC isquêmico e sangramento.
O que muda na prática?
O RIVAWAR foi o primeiro ensaio clínico randomizado a comparar um DOAC com varfarina em pacientes com trombo de VE pós-IAM. Diante da escassez de evidências neste campo até o momento, passamos a ter “uma evidência” que nos permite usar a rivaroxabana como alternativa à varfarina em pacientes sem contraindicações, sobretudo onde o controle de INR é difícil; lembrando também que as evidências da própria varfarina são bastantes “fracas”.
No entanto, existem ainda perguntas cruciais a serem respondidas. O tempo ideal de anticoagulação é baseado amplamente em opinião de especialistas, bem como o critério para suspensão do anticoagulante: devemos fazer o “controle de cura” com ecocardiograma ou ressonância magnética ? Se o trombo permanecer, mantemos o anticoagulante ou trocamos por outro? Se o trombo desaparecer, já podemos suspender com segurança em três meses?
Estudos com tempo mais longo de seguimento e espaço amostral maior ainda são necessários para se definir melhor essas lacunas. Mas, sem sombra de dúvidas, o RIVAWAR foi um pontapé inicial importante o suficiente para se definir um DOAC como alternativa à varfarina.
Referências:
- Shah JA, Hussain J, Ahmed B, Batra MK, Ali G, Naz M, et al. Rivaroxaban vs Warfarin in Acute Left Ventricular Thrombus Following Myocardial Infarction RIVAWAR, An Open-Label RCT. J Am Coll Cardiol Adv. 2025;4:101978.
Referências:
- Thiele H, Akin I, Sandri M, Fuernau G, de Waha S, Meyer-Saraei R, et al. PCI Strategies in Patients with Acute Myocardial Infarction and Cardiogenic Shock. N Engl J Med. 2017;377(25):2419–32.
- Lawton JS, Tamis-Holland JE, Bangalore S, Bates ER, Beckie TM, Bischoff JM, et al. 2021 ACC/AHA/SCAI Guideline for Coronary Artery Revascularization: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2022;79(2):e21–129.
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 | +55 (11) 2661.5310 | contato@triplei.com.br