Anticoagulação de Prótese Valvar Mecânica
Dra. Fernanda Tessari | Dr. Vitor Rosa
VARFARINA OU DOACs?
Ao contrário das novas evidências para próteses biológicas, já é bem estabelecido na literatura que o uso dos anticoagulantes diretos (DOACs) em pacientes portadores de prótese valvar mecânica está associado a maior taxa de eventos, sendo, então, contraindicado. Foi o que mostrou o RE-ALIGN trial ao comparar o uso de dabigatrana versus varfarina após troca valvar mitral ou aórtica por prótese mecânica. Este estudo foi interrompido precocemente devido à maior taxa de eventos tromboembólicos e hemorrágicos no braço dabigatrana, principalmente no grupo de pacientes com menos de 3 meses de cirurgia.
Um estudo ainda mais recente tentou “driblar” possíveis vieses do RE-ALING: utilizou apenas a prótese On-X (On-X Life Technologies, Austin, TX, USA), uma prótese mecânica de nova geração, com risco trombótico mais baixo, implantada apenas em posição aórtica e após 3 meses de cirurgia, com uso simultâneo de AAS em quase todos os pacientes. Foi comparado uso de apixabana versus varfarina e, novamente, o estudo foi interrompido devido a um excesso de eventos tromboembólico nos pacientes em uso de DOAC.
QUAL O INR ALVO?
Já vimos que a anticoagulação do paciente com prótese valvar mecânica deve ser realizada com antagonista da vitamina K, visto que estudos com DOACs foram interrompidos devido a maior taxa de eventos. Sendo assim, um importante aspecto a ser avaliado é o alvo de INR para cada paciente, o que depende do local da prótese, da prótese implantada e da presença ou não de outros fatores de risco tromboembólicos associados.
Tendo em vista o maior risco trombótico da prótese mecânica em posição mitral, para estes pacientes recomenda-se um INR alvo de 3,0, com uma margem de 0,5 (entre 2,5 e 3,5), independente da presença ou não de fatores de risco associados. Nestes pacientes, tais valores de INR demonstraram benefício na redução de eventos tromboembólicos quando comparados a um alvo mais baixo (2,0-3,0).
Já na posição aórtica, os guidelines atuais fazem algumas ponderações:
- Na ausência de fatores de risco associado, devemos manter o INR entre 2,0 e 3,0. Exceção pode ser feita à nova prótese On-X, que permite INR mais baixo (entre 1,5 e 2,0) em associação com dose baixa de ácido acetilsalicílico (75-100 mg) após 3 meses da cirurgia.
- Na coexistência de fatores de risco tromboembólicos, como fibrilação atrial, estados de hipercoagulabilidade, evento tromboembólico prévio ou disfunção ventricular grave, ou no caso de próteses de gerações antigas (ex: bola-gaiola), recomenda-se manter o INR mais elevado, entre 2,5 e 3,5. Entretanto, esta é uma recomendação discutível, pois, apesar do aumento do risco de complicações tromboembólicas, não há evidências na literatura de que alvos maiores de INR tenham benefício adicional nessa população.
Já na presença de prótese mecânica em ambas as posições, o alvo de INR recomendado segue aquele indicado para prótese mitral, ou seja, entre 2,5 e 3,5.
QUANDO ASSOCIAR AAS?
A abordagem do paciente portador de prótese valvar mecânica que sofre um evento tromboembólico e que se encontra devidamente anticoagulado ainda é alvo de debate. As diretrizes sugerem aumentar o alvo do INR em 0,5 ou associar um antiplaquetário (AAS em baixa dose). Entretanto, não há estudos comparando estas duas estratégias, devendo a decisão ser baseada na história do paciente, considerando também o risco de sangramento.
Em outro cenário, a associação de AAS ao antagonista de vitamina K também pode ser considerada em pacientes portadores de doença aterosclerótica que apresentam muito alto risco trombótico e baixo risco de sangramento.
Referências:
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