Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 6: atualização dos critérios diagnósticos modificados de Duke
Dr. Maicon Felipe Ribeiro da Cruz
Apesar dos avanços da medicina, a endocardite infecciosa (EI) continua sendo uma patologia com diagnóstico frequentemente desafiador e associada a alta taxa de mortalidade. Os critérios originais de Duke foram inicialmente desenvolvidos em 1994 e modificados em 2000; no entanto, fatores como microbiologia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento evoluíram significativamente nas últimas três décadas, tornando imprescindível a atualização desses critérios.
Os novos Critérios de Duke (2023) propõem mudanças substanciais, incluindo novos métodos diagnósticos microbiológicos, exames de imagem e a inclusão da inspeção intraoperatória como novo Critério Maior.
Na avaliação clínica inicial de pacientes com quadro de febre sem foco infeccioso claro, especialmente em valvulopatas, deve-se considerar o diagnóstico de EI como possível. O fluxograma de atendimento deve contemplar uma abordagem propedêutica adequada, com o objetivo de confirmar esse diagnóstico, sem, contudo, retardar de forma significativa o início da terapia antimicrobiana, que pode ser iniciada empiricamente.
O diagnóstico definitivo de EI é estabelecido quando são preenchidos dois critérios maiores; ou um critério maior associado a três menores; ou ainda, cinco critérios menores. O diagnóstico pode ser rejeitado se houver uma hipótese diagnóstica alternativa bem estabelecida que explique os sinais e sintomas, ou se o paciente apresentar rápida resolução da infecção.
As hemoculturas continuam sendo fundamentais para a identificação do agente etiológico e o direcionamento do tratamento. Microrganismos típicos isolados em dois ou mais conjuntos de hemoculturas configuram um Critério Maior. Já microrganismos atípicos devem ser isolados em três ou mais hemoculturas separadas para serem considerados como Critério Maior. Ressalta-se que os requisitos formais quanto ao tempo de coleta e punções venosas distintas foram removidos, embora a coleta em sítios diferentes continue fortemente recomendada, quando possível.
Com a evolução do conhecimento sobre a microbiota, a lista de microrganismos típicos foi expandida. Além dos agentes tradicionalmente contemplados nos critérios anteriores, consideram-se agora como típicos: Staphylococcus lugdunensis; todas espécies de estreptococos (exceto S. pneumoniae e S. pyogenes); Granulicatella spp; Abiotrophia spp; e Gemella spp. Adicionalmente, patógenos que só são considerados típicos na presença de material protético intracardíaco passaram a incluir: Staphylococcus coagulase-negativa; Corynebacterium striatum; C. jeikeium; Serratia marcescens; Pseudomonas aeruginosa; Cutibacterium acnes; micobactérias não tuberculosas (especialmente M. chimaerae) e Candida spp.
Outros testes microbiológicos que agora podem ser considerados como Critério Maior, especialmente nos casos de EI com hemoculturas negativas, incluem:
- PCR ou sequenciamento por amplicon/metagenômico para Coxiella burnetii, Bartonella spp ou Tropheryma whipplei no sangue;
- Imunofluorescência indireta com título ≥1:800 para anticorpos IgG contra Bartonella henselae ou B. quintana.
Essas técnicas apresentam como vantagens a rapidez nos resultados (24–48 horas), mas enfrentam limitações como alto custo e baixa disponibilidade na maioria dos centros brasileiros.
A Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) reforça a importância de outras modalidades de imagem como Critérios Maiores, como a tomografia computadorizada para avaliação de lesões paravalvares e a captação no PET/CT em biopróteses implantadas há mais de três meses. O PET/CT é especialmente útil quando a ecocardiografia é inconclusiva. Em casos de cirurgia recente (menos de três meses), essa modalidade ainda é considerada Critério Menor.
Em relação às atualizações nos critérios menores, destaca-se como fator predisponente um histórico prévio de EI. No campo dos fenômenos vasculares, passam a ser considerados o abscesso cerebral e o abscesso esplênico. A glomerulonefrite mediada por imunocomplexos foi claramente definida nesta revisão, facilitando sua inclusão como critério menor, desde que atenda aos seguintes critérios:
- Insuficiência renal aguda inexplicada ou piora da função renal, associada a pelo menos dois dos seguintes:
- Hematúria;
- Proteinúria;
- Presença de cilindros urinários;
- Alterações sorológicas (hipocomplementemia, crioglobulinemia e/ou imunocomplexos circulantes);
- Biópsia renal compatível.
O novo conjunto de critérios apresenta limitações que deverão ser reavaliadas futuramente. Entre elas, destaca-se a exigência de três hemoculturas positivas para patógenos não típicos, algo nem sempre factível na prática clínica, já que essa quantidade de coletas geralmente só é realizada quando há suspeita explícita de EI. Além disso, diversas técnicas recentemente incorporadas, como o sequenciamento metagenômico e exames de imagem avançados, ainda não estão disponíveis em muitos centros de menor porte.
É imperioso destacar que, diante do avanço do conhecimento médico, a atualização dos critérios modificados era fundamental para que estes continuassem refletindo a prática clínica contemporânea.
Maicon Felipe Ribeiro da Cruz
Referências:
1 – The 2023 Duke-International Society for Cardiovascular Infectious Diseases Criteria for Infective Endocarditis: Updating the Modified Duke Criteria. Clinical Infectious Diseases. 2023, Aug 22;77(4):518-526.
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Os novos critérios de Duke de endocardite infecciosa, atualizados em 2023, propõem mudanças nos métodos diagnósticos microbiológicos, exames de imagem e a inclusão da inspeção intraoperatória como critério maior.
Dr. Vitor Rosa explica o assunto no sexto episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.