Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 6: atualização dos critérios diagnósticos modificados de Duke

Dr. Maicon Felipe Ribeiro da Cruz

Apesar dos avanços da medicina, a endocardite infecciosa (EI) continua sendo uma patologia com diagnóstico frequentemente desafiador e associada a alta taxa de mortalidade. Os critérios originais de Duke foram inicialmente desenvolvidos em 1994 e modificados em 2000; no entanto, fatores como microbiologia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento evoluíram significativamente nas últimas três décadas, tornando imprescindível a atualização desses critérios.

Os novos Critérios de Duke (2023) propõem mudanças substanciais, incluindo novos métodos diagnósticos microbiológicos, exames de imagem e a inclusão da inspeção intraoperatória como novo Critério Maior.

Na avaliação clínica inicial de pacientes com quadro de febre sem foco infeccioso claro, especialmente em valvulopatas, deve-se considerar o diagnóstico de EI como possível. O fluxograma de atendimento deve contemplar uma abordagem propedêutica adequada, com o objetivo de confirmar esse diagnóstico, sem, contudo, retardar de forma significativa o início da terapia antimicrobiana, que pode ser iniciada empiricamente.

O diagnóstico definitivo de EI é estabelecido quando são preenchidos dois critérios maiores; ou um critério maior associado a três menores; ou ainda, cinco critérios menores. O diagnóstico pode ser rejeitado se houver uma hipótese diagnóstica alternativa bem estabelecida que explique os sinais e sintomas, ou se o paciente apresentar rápida resolução da infecção.

As hemoculturas continuam sendo fundamentais para a identificação do agente etiológico e o direcionamento do tratamento. Microrganismos típicos isolados em dois ou mais conjuntos de hemoculturas configuram um Critério Maior. Já microrganismos atípicos devem ser isolados em três ou mais hemoculturas separadas para serem considerados como Critério Maior. Ressalta-se que os requisitos formais quanto ao tempo de coleta e punções venosas distintas foram removidos, embora a coleta em sítios diferentes continue fortemente recomendada, quando possível.

Com a evolução do conhecimento sobre a microbiota, a lista de microrganismos típicos foi expandida. Além dos agentes tradicionalmente contemplados nos critérios anteriores, consideram-se agora como típicos: Staphylococcus lugdunensis; todas espécies de estreptococos (exceto S. pneumoniae e S. pyogenes); Granulicatella spp; Abiotrophia spp; e Gemella spp. Adicionalmente, patógenos que só são considerados típicos na presença de material protético intracardíaco passaram a incluir: Staphylococcus coagulase-negativa; Corynebacterium striatum; C. jeikeium; Serratia marcescens; Pseudomonas aeruginosa; Cutibacterium acnes; micobactérias não tuberculosas (especialmente M. chimaerae) e Candida spp.

Outros testes microbiológicos que agora podem ser considerados como Critério Maior, especialmente nos casos de EI com hemoculturas negativas, incluem:

  • PCR ou sequenciamento por amplicon/metagenômico para Coxiella burnetii, Bartonella spp ou Tropheryma whipplei no sangue;
  • Imunofluorescência indireta com título ≥1:800 para anticorpos IgG contra Bartonella henselae ou B. quintana.

Essas técnicas apresentam como vantagens a rapidez nos resultados (24–48 horas), mas enfrentam limitações como alto custo e baixa disponibilidade na maioria dos centros brasileiros.

A Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) reforça a importância de outras modalidades de imagem como Critérios Maiores, como a tomografia computadorizada para avaliação de lesões paravalvares e a captação no PET/CT em biopróteses implantadas há mais de três meses. O PET/CT é especialmente útil quando a ecocardiografia é inconclusiva. Em casos de cirurgia recente (menos de três meses), essa modalidade ainda é considerada Critério Menor.

Em relação às atualizações nos critérios menores, destaca-se como fator predisponente um histórico prévio de EI. No campo dos fenômenos vasculares, passam a ser considerados o abscesso cerebral e o abscesso esplênico. A glomerulonefrite mediada por imunocomplexos foi claramente definida nesta revisão, facilitando sua inclusão como critério menor, desde que atenda aos seguintes critérios:

  • Insuficiência renal aguda inexplicada ou piora da função renal, associada a pelo menos dois dos seguintes:
  • Hematúria;
  • Proteinúria;
  • Presença de cilindros urinários;
  • Alterações sorológicas (hipocomplementemia, crioglobulinemia e/ou imunocomplexos circulantes);
  • Biópsia renal compatível.

O novo conjunto de critérios apresenta limitações que deverão ser reavaliadas futuramente. Entre elas, destaca-se a exigência de três hemoculturas positivas para patógenos não típicos, algo nem sempre factível na prática clínica, já que essa quantidade de coletas geralmente só é realizada quando há suspeita explícita de EI. Além disso, diversas técnicas recentemente incorporadas, como o sequenciamento metagenômico e exames de imagem avançados, ainda não estão disponíveis em muitos centros de menor porte.

É imperioso destacar que, diante do avanço do conhecimento médico, a atualização dos critérios modificados era fundamental para que estes continuassem refletindo a prática clínica contemporânea.

Maicon Felipe Ribeiro da Cruz

Referências:

1 – The 2023 Duke-International Society for Cardiovascular Infectious Diseases Criteria for Infective Endocarditis: Updating the Modified Duke Criteria. Clinical Infectious Diseases. 2023, Aug 22;77(4):518-526.

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Os novos critérios de Duke de endocardite infecciosa, atualizados em 2023, propõem mudanças nos métodos diagnósticos microbiológicos, exames de imagem e a inclusão da inspeção intraoperatória como critério maior.

Dr. Vitor Rosa explica o assunto no sexto episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 5: novos métodos de imagem

Dra. Renata Müller

O avanço dos métodos de imagem tem desempenhado um papel crucial no diagnóstico e manejo da endocardite infecciosa (EI), conforme destacado pelas Diretrizes ESC 2023 para o manejo dessa condição. Tradicionalmente, o diagnóstico dependia da combinação de microbiologia e ecocardiografia, mas atualmente, novos exames de imagem, como a tomografia computadorizada (TC) e a PET-CT, estão sendo incorporados para melhorar a precisão diagnóstica. Esses métodos agora fazem parte dos critérios maiores para o diagnóstico da endocardite infecciosa.

A tomografia computadorizada (TC) se destaca por aumentar a sensibilidade diagnóstica, especialmente em casos com próteses valvares, onde o ecocardiograma pode falhar devido à presença de artefatos. A sensibilidade da TC para vegetações chega a 96%, enquanto sua especificidade é de 97% quando comparada aos achados cirúrgicos. Além disso, a TC é recomendada como exame complementar de escolha quando o ecocardiograma transtorácico ou transesofágico apresentam resultados inconclusivos e a suspeição clínica permanece. É particularmente útil para detectar complicações perivalvares, como abscessos, pseudoaneurismas, fístulas e deiscências, com sensibilidade para essas complicações perivalvares de até 100%.

O PET-CT com FDG (fluordesoxiglicose) tem como as duas principais indicações a detecção de infecções intracardíacas e sistêmicas assintomáticas. É um método bastante sensível quando se trata de prótese valvar e infecção de loja de marcapasso, porém, perde acurácia quando o assunto é prótese nativa, com sensibilidade girando em torno de 36% neste cenário. O PET-FDG/CT consegue reclassificar até 11% dos casos “possíveis” de EI em “definitivos”, auxiliando em modificações no tratamento em cerca de 31% dos pacientes.

No entanto, existe o risco de falsos positivos em pacientes submetidos a cirurgias recentes (menos de 3 meses) ou com materiais específicos, como a prótese de Dacron. Por essa razão, o PET-CT deve ser realizado idealmente três meses após a intervenção cirúrgica para evitar interpretações incorretas. Vale ressaltar que um PET-FDG/CT positivo com menos de 3 meses da cirurgia cardíaca, agora pontua como critério menor para o diagnóstico de EI na Diretriz da ESC 2023.

A ressonância magnética (RM), apesar de apresentar limitações devido à baixa resolução espacial e interferência por artefatos de próteses, tem grande utilidade na avaliação de complicações neurológicas e lesões vertebrais associadas à endocardite. Cerca de 60-80% dos pacientes com endocardite apresentam algum grau de lesão neurológica, e a RM se mostrou superior à TC na detecção dessas complicações, contribuindo para a reclassificação diagnóstica de até 25% dos casos.

Parece haver um consenso neste momento de que a estratégia mais adequada é a combinação de métodos. O ecocardiograma transtorácico continua sendo o exame inicial, mas sua combinação com outras modalidades de imagem, como a TC e o PET-CT, é essencial para confirmar diagnósticos complexos, planejar intervenções cirúrgicas e monitorar complicações em pacientes de alto risco. O uso de múltiplas técnicas permite uma avaliação mais abrangente da extensão da doença e das complicações sistêmicas.

Assim, o uso de novas tecnologias de imagem está transformando o diagnóstico e manejo da endocardite infecciosa, oferecendo maior precisão e sensibilidade, especialmente em casos complexos ou com limitações em exames convencionais. A aplicação correta dessas técnicas, conforme destacado pela Diretriz da ESC de 2023, é essencial para garantir um tratamento eficaz e reduzir a morbidade e mortalidade associadas à doença.


Referências Bibliográficas:

  1. Delgado V, et al; ESC Scientific Document Group. 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis. Eur Heart J. 2023 Oct 14;44(39):3948-4042.

  2. Saeedan MB, et al. Role of Cardiac CT in Infective Endocarditis: Current Evidence, Opportunities, and Challenges. Radiol Cardiothorac Imaging. 2021 Feb 18;3(1).

  3. Ten Hove D, Slart RHJA, Sinha B, Glaudemans AWJM, Budde RPJ. 18F-FDG PET/CT in Infective Endocarditis: Indications and Approaches for Standardization. Curr Cardiol Rep. 2021 Aug 7;23(9):130.

  4. de Camargo RA, et al. The Role of 18F-Fluorodeoxyglucose Positron Emission Tomography/Computed Tomography in the Diagnosis of Left-sided Endocarditis: Native vs Prosthetic Valves Endocarditis. Clin Infect Dis. 2020 Feb 3;70(4):583-594.

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Como podemos utilizar os novos métodos de imagem para diagnóstico e pesquisa de complicações da endocardite infecciosa? A Dra. Renata Müller explica sobre o assunto no quinto episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.

 

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 4: ecocardiograma transtorácico e transesofágico

Dra. Daniella Nazzetta

O ecocardiograma é um dos exames mais importantes no manejo de pacientes com endocardite infecciosa (EI). É o primeiro exame de imagem solicitado frente à suspeita da doença e deve ser realizado o mais brevemente possível. O exame é contemplado nos critérios de Duke, e, quando positivo, conta como um critério maior de envolvimento endocárdico. Além de confirmar o diagnóstico da doença, o ecocardiograma pode fornecer informações sobre características e complicações da EI, como tamanho da vegetação, presença de abscesso perivalvar, pseudoaneurisma, deiscência de prótese valvar, fístula e perfuração de folheto.

Inicialmente, um ecocardiograma transtorácico (EcoTT) deve ser realizado no paciente com suspeita da doença. Porém, o exame possui baixa sensibilidade com uma boa especificidade, quando comparado com o ecocardiograma transesofágico (EcoTE), o qual é útil nos pacientes que possuem uma janela acústica limitada, na suspeita de complicações perivalvares, vegetações pequenas, endocardite protética e vegetações associadas a dispositivos eletrônicos implantáveis cardíacos. O EcoTE está fortemente recomendado em pacientes com EcoTT inconclusivo, ou negativo com alta suspeita de EI, ou mesmo quando o exame é positivo e é necessário documentar complicações locais (ex: abscesso perivalvar).

Deve-se considerar repetir o exame de ecocardiograma durante a EI não complicada para avaliar complicações assintomáticas e o tamanho das vegetações. O momento e a modalidade do ecocardiograma a ser repetido dependem dos achados do primeiro exame, o tipo de microrganismo identificado e da resposta à antibioticoterapia. Mas, no geral, deve-se repetir o exame de 5 a 7 dias após um ecocardiograma inicial normal ou inconclusivo, caso a suspeita da infecção seja alta, e em paciente com infecção diagnosticada, quando existe alto risco de complicações (ex: germes agressivos ou pacientes com próteses valvares).

O ecocardiograma pode apresentar resultado falso-positivo em até 15% dos casos, principalmente em pacientes com lesões valvares graves, como prolapso da valva mitral, alterações degenerativas e pacientes com próteses valvares. O diagnóstico em pacientes com valvas protéticas pode ser mais desafiador, tendo o ecocardiograma, tanto transtorácico quanto o transesofágico, uma sensibilidade e especificidade menores quando comparados com pacientes com valvas nativas. Em algumas situações, pode ser difícil diferenciar vegetações de trombos, prolapsos de cúspide, principalmente quando há corda rota, tumores cardíacos, alterações mixomatosas ou vegetações não infecciosas. Nos casos duvidosos, podemos lançar mão de outros métodos de imagem como a tomografia cardíaca.

 

Tabela 1. Recomendações do papel do ecocardiograma na EI segundo as diretrizes europeias (ESC)

 

Recomendação Classe Nível de evidência
  • Diagnóstico
EcoTT é recomendado como a modalidade de imagem de primeira linha na suspeita de EI I B
EcoTE é recomendado para todos os pacientes com suspeita clínica de EI e um EcoTT negativo ou não diagnóstico I B
EcoTE é recomendado para pacientes com suspeita clínica de EI quando há uma válvula cardíaca protética ou um dispositivo intracardíaco I B
Repetir o EcoTT e/ou EcoTE dentro de 5 a 7 dias é recomendado em casos de exame inicialmente negativo ou inconclusivo, quando a suspeita clínica de EI permanece alta I C
EcoTE é recomendado para pacientes com suspeita de EI, mesmo com EcoTT positivo (exceto na EI isolada do lado direito em válvula nativa, com exame de EcoTT de boa qualidade e achados ecocardiográficos inequívocos) I C
A realização de ecocardiograma deve ser considerada em casos de bacteremia por S. aureus, E. faecalis e algumas espécies de Streptococcus IIa B
  • Acompanhamento do tratamento medicamentoso
Repetir o EcoTT e/ou EcoTE é recomendado na suspeita de uma nova complicação da EI (novo sopro, embolia, febre e bacteremia persistentes, IC, abscesso, BAV) I B
EcoTE é recomendado quando o paciente está estável, antes da transição da terapia antibiótica intravenosa para oral I B
Durante o acompanhamento da EI não complicada, deve-se considerar novo EcoTT e/ou EcoTE para detectar novas complicações silenciosas. O melhor momento depende dos achados iniciais, do tipo de microrganismo e da resposta inicial à terapia IIa B
  • Ecocardiograma intraoperatório
O ecocardiograma intraoperatório é recomendado em todos os casos de EI que necessitam de cirurgia I C
  • Acompanhamento após o término do tratamento
EcoTT e/ou EcoTE são recomendados ao final da terapia antibiótica para avaliação da morfologia e função cardíaca e das válvulas em pacientes com EI que não passaram por cirurgia I C

 

Bibliografia:

  1. Cordeiro Fernandes, J. R., Pezzute Lopes, M., Focaccia Siciliano, R., & Tavares Veronese, E. (2022). Endocardite infecciosa. Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, 32(2), 183-194.

 

  1. Coisne, A., Lancellotti, P., Habib, G., Garbi, M., Dahl, J. S., Barbanti, M., Vannan, M. A., Vassiliou, V. S., Dudek, D., Chioncel, O., Waltenberger, J. L., Johnson, V. L., De Paulis, R., Citro, R., Pibarot, P., & EuroValve Consortium (2023). ACC/AHA and ESC/EACTS Guidelines for the Management of Valvular Heart Diseases: JACC Guideline Comparison. Journal of the American College of Cardiology82(8), 721–734. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2023.05.061.

 

  1. Delgado, V., Ajmone Marsan, N., de Waha, S., Bonaros, N., Brida, M., Burri, H., Caselli, S., Doenst, T., Ederhy, S., Erba, P. A., Foldager, D., Fosbøl, E. L., Kovac, J., Mestres, C. A., Miller, O. I., Miro, J. M., Pazdernik, M., Pizzi, M. N., Quintana, E., Rasmussen, T. B., … ESC Scientific Document Group (2023). 2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis. European heart journal44(39), 3948–4042. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehad193

 

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Quando realizar e quais achados esperar no ecocardiograma transtorácico e transesofágico para detecção e acompanhamento da endocardite infecciosa?

A Dra. Daniella Nazzetta explica sobre o assunto no quarto episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.

 

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 3: apresentação clínica e uso de biomarcadores para avaliação diagnóstica e prognóstica

Fernanda Castiglioni Tessari

A suspeição de endocardite infecciosa (EI) se dá a partir a interpretação conjunta da história clínica, achados do exame físico, exames laboratoriais e de imagem. A apresentação clínica muito variável torna o diagnóstico desafiador, sendo que de maneira geral devemos sempre considerar a possibilidade de EI em pacientes com febre de origem indeterminada na presença de fatores de risco, especialmente na presença de hemoculturas positivas para germes típicos, como veremos adiante neste curso. 

A depender do agente etiológico e do status clínico do paciente, a endocardite infecciosa pode apresentar-se de duas formas: aguda e subaguda ou crônica. A forma aguda caracteriza-se por ser uma doença agressiva, de rápida evolução e alta letalidade, cursando com destruição valvar e insuficiência cardíaca aguda. Já a apresentação subaguda ou crônica caracteriza-se por seu curso indolente, com febre baixa e sintomas constitucionais inespecíficos. 

A avaliação clínica inicial inclui a pesquisa de fatores de risco e a realização de um exame físico minucioso buscando sinais característicos da EI e também possíveis portas de entrada para os microorganismos causadores da doença, como má higiene bucal e doenças periodontais, por exemplo. Entretanto, devemos ter em mente que a ausência destes sinais de maneira isolada não exclui o diagnóstico de EI.

Febre é o sintoma mais comum (quase 80% dos casos), e é frequente a presença de sopro cardíaco (mais de 60% dos casos) e de insuficiência cardíaca (cerca de 30%). Eventos embólicos e distúrbios de condução são complicações relativamente frequentes, assim como eventos vasculares e imunológicos classicamente associados à EI.

Fenômenos Vasculares Fenômenos imunológicos
Eventos embólicos arteriais periféricos e viscerais (ex: infarto esplênico) Nódulos de Osler (pequenas elevações dolorosas na face anterior da ponta dos dedos)
Lesões de Janeway (pequenas lesões indolores eritematosas ou hemorrágicas nas palmas das mãos e planta dos pés) Manchas de Roth (manchas retinianas hemorrágicas com centro esbranquiçado)
Hemorragia conjuntival Fator reumatoide positivo
Aneurisma micótico, hemorragia intracraniana Glomerulonefrite

 

Pacientes idosos e imunocomprometidos podem cursar com apresentações atípicas, e alto grau de suspeição deve ser dado aos portadores de dispositivos intracardíacos e próteses valvares.

Dentre os exames laboratoriais, anemia, leucocitose ou leucopenia com presença de células imaturas e provas inflamatórias elevadas, como proteína C reativa, VHS e procalcitonina, estão presentes na maioria dos casos. A pesquisa de marcadores de disfunção orgânica, como aumento de creatinina sérica e bilirrubinas, lactato elevado e plaquetopenia auxilia na avaliação da gravidade e prognóstico da doença. O aumento de BNP ou NT-pro-BNP e troponina, do mesmo modo, associa-se a maior risco de complicações e piores desfechos. Entretanto, ainda não foram encontrados biomarcadores específicos para o diagnóstico da EI, sendo utilizados para avaliação da gravidade e resposta ao tratamento. Neste contexto, PCR e procalcitonina são os principais marcadores utilizados para monitorizar a resposta à antibioticoterapia. Outros biomarcadores vêm sendo propostos para auxiliar no diagnóstico e avaliação prognóstica da EI, como interleucina-6, cistatina C, moléculas de adesão e outras proteínas de fase aguda, porém ainda são alvos de futuros estudos.      

Referências bibliográficas

Delgado, Victoria et al. “2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis.” European heart journal vol. 44,39 (2023): 3948-4042. doi:10.1093/eurheartj/ehad193

Snipsøyr, Magnus G et al. “A systematic review of biomarkers in the diagnosis of infective endocarditis.” International journal of cardiology vol. 202 (2016): 564-70. doi:10.1016/j.ijcard.2015.09.028

 

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O diagnóstico de endocardite infecciosa pode ser muito desafiador, já que a doença pode se apresentar de diversas maneiras.

No 3º episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa, a Dra. Fernanda Tessari explica quais são essas manifestações clínicas da doença e como o uso de biomarcadores pode auxiliar no diagnóstico e prognóstico

 

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 2: novas tendências nos perfis clínico e etiológico

Dr. João Ricardo Fernandes

A Endocardite Infecciosa (EI) tem acometido, nos últimos anos, pacientes progressivamente mais idosos, os quais apresentam, como fatores predisponentes, valvopatias degenerativas (como estenose aórtica e insuficiência mitral), dispositivos intracardíacos (marcapasso, cardiodesfibrilador implantável, dispositivos de assistência circulatória) e cateteres de longa permanência. Pacientes com múltiplas comorbidades, assim como os imunossuprimidos, também têm apresentado maior incidência de EI.

Além disso, com o aumento do emprego de dispositivos de implante transcateter — principalmente o TAVI (implante transcateter de prótese aórtica), mas também procedimentos como o fechamento de defeitos septais e de apêndice atrial (estes com maior risco nos primeiros seis meses após o implante) — novas populações sob risco de EI têm sido identificadas.

A despeito da longa história da EI e dos avanços no seu diagnóstico e tratamento, ainda há dificuldades significativas em sua abordagem. Manifestações atípicas e quadros subagudos são cada vez mais frequentes, assim como a presença de microrganismos com maior resistência antimicrobiana. Por esses motivos, o primeiro passo para mitigar o subdiagnóstico é manter um alto grau de suspeição clínica. Por ser uma patologia de apresentação variada e caracterizada por sinais e sintomas inespecíficos — muitos dos quais compartilhados por doenças reumatológicas, neoplásicas, neurológicas, autoimunes, entre outras —, a suspeita clínica é imprescindível para que se empreguem técnicas de diagnóstico precoce e adequado. O caminho diagnóstico, por sua vez, é constituído por dois grandes pilares: microbiológico e por imagem.

Quanto ao perfil microbiológico, atualmente, os principais microrganismos causadores de EI são o Staphylococcus aureus, os estreptococos orais e os estafilococos coagulase-negativos. Particularmente na população idosa, o Enterococcus faecalis também tem ganhado destaque.

Algumas décadas atrás, em nosso meio, os Streptococcus sp. destacavam-se como principais causadores de EI, especialmente em jovens portadores de doença valvar reumática. Todavia, com a mudança no perfil epidemiológico e o aumento dos casos associados aos cuidados de saúde (estimados em até 25% do total), os Staphylococcus sp., incluindo cepas resistentes, e germes gram-negativos têm sido cada vez mais identificados em hemoculturas de pacientes com diagnóstico de EI.

Com o aumento da incidência de EI causada por germes mais agressivos e resistentes, complicações embólicas também têm sido frequentemente observadas, destacando-se a importância da busca ativa por focos de acometimento extracardíaco, tanto para auxiliar no estabelecimento do diagnóstico quanto para definição do prognóstico e da melhor estratégia terapêutica.

Cabe destacar que uma porcentagem variável dos casos — que pode chegar a 10% — está associada a hemoculturas negativas. Os principais motivos incluem o uso prévio de antibióticos (muitas vezes de forma desnecessária), EI causada por fungos ou por bactérias de crescimento difícil em meios de cultura, as chamadas fastidiosas. Para a adequada identificação desses agentes, deve-se recorrer a testes sorológicos (Coxiella burnetii, Bartonella spp., Aspergillus spp., Mycoplasma pneumoniae, Brucella spp., Legionella pneumophila), ou a ensaios de reação em cadeia da polimerase (PCR), técnica que permite a amplificação de sequências específicas de DNA — útil para germes como Tropheryma whipplei e Bartonella spp.

Essas mudanças nos perfis clínico e microbiológico da EI reforçam a importância de uma abordagem diagnóstica completa, precoce e personalizada, com o objetivo de garantir tratamento eficaz e melhores desfechos aos pacientes.

 

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Você sabe identificar os perfis clínico e etiológico da endocardite infecciosa?

Apesar de ter um perfil pré-estabelecido, ele tem mudado nos últimos anos e o Dr. João Ricardo Fernandes explica sobre o assunto no segundo episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa – Episódio 1: fisiopatologia

Marcelo Kirschbaum

A endocardite infecciosa (EI) é um problema de saúde pública global, cuja relevância vem crescendo devido ao aumento de sua incidência. Esse fenômeno está associado principalmente ao envelhecimento populacional, ao uso mais frequente de dispositivos vasculares invasivos e ao incremento de procedimentos de cirurgia cardíaca que envolvem próteses intracardíacas e endovasculares.

 

Em 2019, a incidência de EI foi estimada em 13,9 casos por 100.000 pessoas por ano, sendo responsável por mais de 66.000 mortes globalmente. Apesar dos avanços tecnológicos e do desenvolvimento de novas terapias antibióticas, a mortalidade intra-hospitalar da doença continua elevada, alcançando até 40% em alguns centros de referência. Assim, o diagnóstico precoce e preciso é essencial para possibilitar o tratamento adequado, aumentando as chances de sucesso terapêutico e reduzindo a morbidade associada.

 

Descrita pela primeira vez em 1646 por Lazare Rivière, a endocardite infecciosa é definida como uma doença do endocárdio que apresenta predileção por acometer as valvas cardíacas. A condição ocorre após a adesão bacteriana ou fúngica ao tecido endocárdico, preferencialmente em áreas com lesões endoteliais. Os locais mais frequentemente acometidos incluem valvas cardíacas lesionadas ou portadoras de próteses, além de dispositivos vasculares. Após a adesão bacteriana, desencadeia-se uma cascata inflamatória mediada por citocinas, integrinas e fatores teciduais, resultando no recrutamento de células do sistema imune.

 

Monócitos e plaquetas são atraídos e ativados na região afetada, promovendo a produção de fibronectina, que contribui para a formação de um trombo. A interação entre o trombo e o crescimento do microrganismo responsável pela EI cria um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma vegetação, estrutura fundamental para o diagnóstico da doença. Em muitos casos, a configuração dessa vegetação dificulta a ação terapêutica, tornando a absorção de antibióticos um grande desafio e complicando o tratamento eficaz da EI.

 

As bactérias mais frequentemente associadas à EI variam de acordo com o perfil do paciente, a porta de entrada da infecção e o ambiente microbiológico hospitalar. O Staphylococcus aureus é o agente etiológico predominante, sendo frequentemente relacionado ao uso de dispositivos invasivos e infecções associadas aos cuidados de saúde. Já os estreptococos do grupo viridans, que habitam a cavidade oral, são comumente associados a infecções adquiridas na comunidade, especialmente em pacientes com doença valvar prévia. Outros agentes relevantes incluem os enterococos, frequentemente relacionados a infecções do trato gastrointestinal ou urinário, e os bacilos gram-negativos do grupo HACEK, menos prevalentes, mas importantes em casos específicos. A identificação do agente causal é essencial para guiar a escolha da terapia antimicrobiana adequada.

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Acabamos de lançar mais uma série exclusiva: Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa. No primeiro episódio, Dr. Marcelo Kirschbaum fala da fisiopatologia e alguns dados históricos globais da doença.