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Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 3: apresentação clínica e uso de biomarcadores para avaliação diagnóstica e prognóstica

Fernanda Castiglioni Tessari

A suspeição de endocardite infecciosa (EI) se dá a partir a interpretação conjunta da história clínica, achados do exame físico, exames laboratoriais e de imagem. A apresentação clínica muito variável torna o diagnóstico desafiador, sendo que de maneira geral devemos sempre considerar a possibilidade de EI em pacientes com febre de origem indeterminada na presença de fatores de risco, especialmente na presença de hemoculturas positivas para germes típicos, como veremos adiante neste curso. 

A depender do agente etiológico e do status clínico do paciente, a endocardite infecciosa pode apresentar-se de duas formas: aguda e subaguda ou crônica. A forma aguda caracteriza-se por ser uma doença agressiva, de rápida evolução e alta letalidade, cursando com destruição valvar e insuficiência cardíaca aguda. Já a apresentação subaguda ou crônica caracteriza-se por seu curso indolente, com febre baixa e sintomas constitucionais inespecíficos. 

A avaliação clínica inicial inclui a pesquisa de fatores de risco e a realização de um exame físico minucioso buscando sinais característicos da EI e também possíveis portas de entrada para os microorganismos causadores da doença, como má higiene bucal e doenças periodontais, por exemplo. Entretanto, devemos ter em mente que a ausência destes sinais de maneira isolada não exclui o diagnóstico de EI.

Febre é o sintoma mais comum (quase 80% dos casos), e é frequente a presença de sopro cardíaco (mais de 60% dos casos) e de insuficiência cardíaca (cerca de 30%). Eventos embólicos e distúrbios de condução são complicações relativamente frequentes, assim como eventos vasculares e imunológicos classicamente associados à EI.

Fenômenos Vasculares Fenômenos imunológicos
Eventos embólicos arteriais periféricos e viscerais (ex: infarto esplênico) Nódulos de Osler (pequenas elevações dolorosas na face anterior da ponta dos dedos)
Lesões de Janeway (pequenas lesões indolores eritematosas ou hemorrágicas nas palmas das mãos e planta dos pés) Manchas de Roth (manchas retinianas hemorrágicas com centro esbranquiçado)
Hemorragia conjuntival Fator reumatoide positivo
Aneurisma micótico, hemorragia intracraniana Glomerulonefrite

 

Pacientes idosos e imunocomprometidos podem cursar com apresentações atípicas, e alto grau de suspeição deve ser dado aos portadores de dispositivos intracardíacos e próteses valvares.

Dentre os exames laboratoriais, anemia, leucocitose ou leucopenia com presença de células imaturas e provas inflamatórias elevadas, como proteína C reativa, VHS e procalcitonina, estão presentes na maioria dos casos. A pesquisa de marcadores de disfunção orgânica, como aumento de creatinina sérica e bilirrubinas, lactato elevado e plaquetopenia auxilia na avaliação da gravidade e prognóstico da doença. O aumento de BNP ou NT-pro-BNP e troponina, do mesmo modo, associa-se a maior risco de complicações e piores desfechos. Entretanto, ainda não foram encontrados biomarcadores específicos para o diagnóstico da EI, sendo utilizados para avaliação da gravidade e resposta ao tratamento. Neste contexto, PCR e procalcitonina são os principais marcadores utilizados para monitorizar a resposta à antibioticoterapia. Outros biomarcadores vêm sendo propostos para auxiliar no diagnóstico e avaliação prognóstica da EI, como interleucina-6, cistatina C, moléculas de adesão e outras proteínas de fase aguda, porém ainda são alvos de futuros estudos.      

Referências bibliográficas

Delgado, Victoria et al. “2023 ESC Guidelines for the management of endocarditis.” European heart journal vol. 44,39 (2023): 3948-4042. doi:10.1093/eurheartj/ehad193

Snipsøyr, Magnus G et al. “A systematic review of biomarkers in the diagnosis of infective endocarditis.” International journal of cardiology vol. 202 (2016): 564-70. doi:10.1016/j.ijcard.2015.09.028

 

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O diagnóstico de endocardite infecciosa pode ser muito desafiador, já que a doença pode se apresentar de diversas maneiras.

No 3º episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa, a Dra. Fernanda Tessari explica quais são essas manifestações clínicas da doença e como o uso de biomarcadores pode auxiliar no diagnóstico e prognóstico

 

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa Episódio 2: novas tendências nos perfis clínico e etiológico

Dr. João Ricardo Fernandes

A Endocardite Infecciosa (EI) tem acometido, nos últimos anos, pacientes progressivamente mais idosos, os quais apresentam, como fatores predisponentes, valvopatias degenerativas (como estenose aórtica e insuficiência mitral), dispositivos intracardíacos (marcapasso, cardiodesfibrilador implantável, dispositivos de assistência circulatória) e cateteres de longa permanência. Pacientes com múltiplas comorbidades, assim como os imunossuprimidos, também têm apresentado maior incidência de EI.

Além disso, com o aumento do emprego de dispositivos de implante transcateter — principalmente o TAVI (implante transcateter de prótese aórtica), mas também procedimentos como o fechamento de defeitos septais e de apêndice atrial (estes com maior risco nos primeiros seis meses após o implante) — novas populações sob risco de EI têm sido identificadas.

A despeito da longa história da EI e dos avanços no seu diagnóstico e tratamento, ainda há dificuldades significativas em sua abordagem. Manifestações atípicas e quadros subagudos são cada vez mais frequentes, assim como a presença de microrganismos com maior resistência antimicrobiana. Por esses motivos, o primeiro passo para mitigar o subdiagnóstico é manter um alto grau de suspeição clínica. Por ser uma patologia de apresentação variada e caracterizada por sinais e sintomas inespecíficos — muitos dos quais compartilhados por doenças reumatológicas, neoplásicas, neurológicas, autoimunes, entre outras —, a suspeita clínica é imprescindível para que se empreguem técnicas de diagnóstico precoce e adequado. O caminho diagnóstico, por sua vez, é constituído por dois grandes pilares: microbiológico e por imagem.

Quanto ao perfil microbiológico, atualmente, os principais microrganismos causadores de EI são o Staphylococcus aureus, os estreptococos orais e os estafilococos coagulase-negativos. Particularmente na população idosa, o Enterococcus faecalis também tem ganhado destaque.

Algumas décadas atrás, em nosso meio, os Streptococcus sp. destacavam-se como principais causadores de EI, especialmente em jovens portadores de doença valvar reumática. Todavia, com a mudança no perfil epidemiológico e o aumento dos casos associados aos cuidados de saúde (estimados em até 25% do total), os Staphylococcus sp., incluindo cepas resistentes, e germes gram-negativos têm sido cada vez mais identificados em hemoculturas de pacientes com diagnóstico de EI.

Com o aumento da incidência de EI causada por germes mais agressivos e resistentes, complicações embólicas também têm sido frequentemente observadas, destacando-se a importância da busca ativa por focos de acometimento extracardíaco, tanto para auxiliar no estabelecimento do diagnóstico quanto para definição do prognóstico e da melhor estratégia terapêutica.

Cabe destacar que uma porcentagem variável dos casos — que pode chegar a 10% — está associada a hemoculturas negativas. Os principais motivos incluem o uso prévio de antibióticos (muitas vezes de forma desnecessária), EI causada por fungos ou por bactérias de crescimento difícil em meios de cultura, as chamadas fastidiosas. Para a adequada identificação desses agentes, deve-se recorrer a testes sorológicos (Coxiella burnetii, Bartonella spp., Aspergillus spp., Mycoplasma pneumoniae, Brucella spp., Legionella pneumophila), ou a ensaios de reação em cadeia da polimerase (PCR), técnica que permite a amplificação de sequências específicas de DNA — útil para germes como Tropheryma whipplei e Bartonella spp.

Essas mudanças nos perfis clínico e microbiológico da EI reforçam a importância de uma abordagem diagnóstica completa, precoce e personalizada, com o objetivo de garantir tratamento eficaz e melhores desfechos aos pacientes.

 

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Você sabe identificar os perfis clínico e etiológico da endocardite infecciosa?

Apesar de ter um perfil pré-estabelecido, ele tem mudado nos últimos anos e o Dr. João Ricardo Fernandes explica sobre o assunto no segundo episódio da série Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa.

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa – Episódio 1: fisiopatologia

Marcelo Kirschbaum

A endocardite infecciosa (EI) é um problema de saúde pública global, cuja relevância vem crescendo devido ao aumento de sua incidência. Esse fenômeno está associado principalmente ao envelhecimento populacional, ao uso mais frequente de dispositivos vasculares invasivos e ao incremento de procedimentos de cirurgia cardíaca que envolvem próteses intracardíacas e endovasculares.

 

Em 2019, a incidência de EI foi estimada em 13,9 casos por 100.000 pessoas por ano, sendo responsável por mais de 66.000 mortes globalmente. Apesar dos avanços tecnológicos e do desenvolvimento de novas terapias antibióticas, a mortalidade intra-hospitalar da doença continua elevada, alcançando até 40% em alguns centros de referência. Assim, o diagnóstico precoce e preciso é essencial para possibilitar o tratamento adequado, aumentando as chances de sucesso terapêutico e reduzindo a morbidade associada.

 

Descrita pela primeira vez em 1646 por Lazare Rivière, a endocardite infecciosa é definida como uma doença do endocárdio que apresenta predileção por acometer as valvas cardíacas. A condição ocorre após a adesão bacteriana ou fúngica ao tecido endocárdico, preferencialmente em áreas com lesões endoteliais. Os locais mais frequentemente acometidos incluem valvas cardíacas lesionadas ou portadoras de próteses, além de dispositivos vasculares. Após a adesão bacteriana, desencadeia-se uma cascata inflamatória mediada por citocinas, integrinas e fatores teciduais, resultando no recrutamento de células do sistema imune.

 

Monócitos e plaquetas são atraídos e ativados na região afetada, promovendo a produção de fibronectina, que contribui para a formação de um trombo. A interação entre o trombo e o crescimento do microrganismo responsável pela EI cria um ambiente favorável ao desenvolvimento de uma vegetação, estrutura fundamental para o diagnóstico da doença. Em muitos casos, a configuração dessa vegetação dificulta a ação terapêutica, tornando a absorção de antibióticos um grande desafio e complicando o tratamento eficaz da EI.

 

As bactérias mais frequentemente associadas à EI variam de acordo com o perfil do paciente, a porta de entrada da infecção e o ambiente microbiológico hospitalar. O Staphylococcus aureus é o agente etiológico predominante, sendo frequentemente relacionado ao uso de dispositivos invasivos e infecções associadas aos cuidados de saúde. Já os estreptococos do grupo viridans, que habitam a cavidade oral, são comumente associados a infecções adquiridas na comunidade, especialmente em pacientes com doença valvar prévia. Outros agentes relevantes incluem os enterococos, frequentemente relacionados a infecções do trato gastrointestinal ou urinário, e os bacilos gram-negativos do grupo HACEK, menos prevalentes, mas importantes em casos específicos. A identificação do agente causal é essencial para guiar a escolha da terapia antimicrobiana adequada.

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Acabamos de lançar mais uma série exclusiva: Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre endocardite infecciosa. No primeiro episódio, Dr. Marcelo Kirschbaum fala da fisiopatologia e alguns dados históricos globais da doença.