Devemos utilizar betabloqueadores nos pacientes com infarto agudo do miocárdio e com fração de ejeção normal?
Drs. Luciano Moreira Baracioli e Wendelly Beserra Silva
O uso de betabloqueador (BB) vem desde o início da década 70, quando da publicação do professor Eugene Braunwald et al, que demonstraram o racional fisiopatológico do uso dos BB nos pacientes acometidos por infarto agudo do miocárdio (IAM), com a notória redução da área de necrose e diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio, ainda na era pré-reperfusão1.
Posteriormente, novos estudos se fizeram necessários para avaliar o papel dos BB frente à terapia de reperfusão; sendo o estudo COMMIT um dos principais. Neste estudo foram avaliados cerca de 45.000 pacientes com IAM com até 24 horas de evolução (maioria submetida à terapia fibrinolítica) e randomizados para uso de metoprolol IV seguido de VO “versus” placebo. Nenhum dos dois desfechos primários apresentou diferença significativa até a alta hospitalar ou até 4 semanas: 1- morte, reinfarto ou para cardiorrespiratória (9,4% no grupo metoprolol versus 9,9% no placebo, p=0,1); 2- mortalidade por qualquer causa (7,7% versus 7,8%, p=0,69)2.
No contexto dos pacientes pós-IAM com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida é bem sabido a importância do uso dos BB na redução de “desfechos duros”, incluindo mortalidade; e as diretrizes (nacional e internacionais) recomendam o seu uso como classe I e nível de recomendação A.
Contudo, e nos pacientes infartados com FEVE normal? Como seguem essas evidências?
Estudo nacional publicado em 2018 analisou a mortalidade a curto e longo prazos (até 17 anos) em 2921 pacientes com síndrome coronária aguda sem elevação do segmento ST quanto ao uso ou não de BB nas primeiras 24 horas e na alta hospitalar. E o uso de BB na alta foi significativamente eficaz somente para os pacientes com FEVE < 55%, não havendo diferença de mortalidade no longo prazo naqueles pacientes com FEVE > 55%3.
Mais recentemente, tivemos a publicação do estudo REDUCE-AMI, realizado na Nova Zelândia, Estônia e majoritariamente na Suécia (95% da amostra). Estudo prospectivo, aberto e que randomizou, entre 2017 e 2023, um total de 5020 pacientes com IAM, que foram submetidos à cineangiocoronariografia e apresentavam FEVE >50%, para uso a longo prazo de Metoprolol (ao menos 100 mg 1 vez ao dia) ou Bisoprolol (ao menos 5mg 1 vez ao dia) versus “não BB” (distribuição 1:1). A mediana da idade foi de 65 anos, 22,5% do sexo feminino, 35% tiveram IAM com elevação do segmento ST e intervenção coronária percutânea foi realizado em 95,5% dos pacientes. A mediana de seguimento foi de 3,5 anos e o desfecho primário (composto de morte por todas as causas e reinfarto) não apresentou diferença estatística (7,9% no grupo BB e 8,3% no grupo “não BB”, HR=0,96; IC 95%=0,79-1,16; P=0,64). Também não houve diferença entre os grupos em relação aos desfechos secundários (morte de qualquer causa ou cardiovascular, infarto do miocárdio, hospitalização por fibrilação atrial ou por insuficiência cardíaca) e desfechos de segurança (hospitalização por bradicardia, bloqueio AV de segundo ou terceiro grau, hipotensão, síncope ou asma).
Portanto, evidências importantes vêm surgindo para o não uso rotineiro de BB a longo prazo (ou mesmo após alta hospitalar) no pacientes pós-IAM e com FEVE preservada.
Referências:
- Maroko PR, Kjekshus JK, Sobel BE, et al. Factors influencing infarct size following experimental coronary artery occlusions. Circulation. 1971 Jan;43(1):67-82.
- Chen ZM, Pan HC, Chen YP, et al; COMMIT (ClOpidogrel and Metoprolol in Myocardial Infarction Trial) collaborative group. Early intravenous then oral metoprolol in 45,852 patients with acute myocardial infarction: randomised placebo-controlled trial. Lancet. 2005 Nov 5;366(9497):1622-32.
- Nicolau, J.C., Furtado, R.H.M., Baracioli, L.M. et al. The Use of Oral Beta-Blockers and Clinical Outcomes in Patients with Non-ST-Segment Elevation Acute Coronary Syndromes: a Long-Term Follow-Up Study. Cardiovasc Drugs Ther 201;32:435–442.
- Yndigegn T, Lindahl B, Mars K, et al. Beta-Blockers after Myocardial Infarction and Preserved Ejection Fraction. N Engl J Med 2024 Apr 7;390. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38587241/
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