Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral: insuficiência mitral aguda
Fernanda Castiglioni Tessari
A insuficiência mitral (IM) aguda trata-se de uma entidade a parte, com etiologias, fisiopatologia e abordagem terapêutica distintas da insuficiência mitral crônica.
As principais etiologia são:
Rotura de cordoalha tendínea
Endocardite infecciosa
Ruptura de musculo papilar complicando o infarto agudo do miocárdio, especialmente no acometimento de coronária direita e isquemia de músculo papilar posteromedial
Trauma
Para compreender a fisiopatologia da IM aguda, devemos ter em mente que estaremos lidando com câmaras esquerdas não remodeladas, de forma diferente do que ocorre na IM crônica, em que o refluxo mitral leva, a longo prazo, à dilatação de câmaras para comportar a sobrecarga de volume. Assim, o volume diastólico final do ventrículo esquerdo (VE) é mantido e ocorre um refluxo súbito de sangue para o átrio esquerdo (AE), com consequente sobrecarga de pressão abrupta no AE, aumento da pressão capilar pulmonar e congestão pulmonar. Além disso, como a pressão no AE é menor que a pressão sistêmica, o volume do VE é preferencialmente ejetado retrogradamente, com consequente redução do débito cardíaco.
O principal sintoma decorrente da IM aguda é a dispneia, podendo ocorrer aos esforços ou mesmo em repouso, além de ortopneia e dispneia paroxística noturna. A principal complicação é o edema agudo de pulmão e casos mais graves podem evoluir com hipotensão, arritmias e choque cardiogênico.
Ao exame físico, normalmente encontramos um sopro protossistólico, e não holossistólico como visto na IM importante crônica. Isso ocorre pois a pressão no AE sobe rapidamente e logo se iguala à pressão do VE no final da sístole. Também podem estar presentes sinais de congestão pulmonar, com estertores crepitantes bilaterais, podendo evoluir com insuficiência respiratória aguda no edema agudo de pulmão. Turgência jugular patológica e sinais de baixo débito cardíaco podem ocorrer, com taquicardia reflexa e hipotensão arterial.
Quanto aos exames complementares, as alterações não são tão expressivas. O eletrocardiograma irá mostrar alterações associadas a causa de base, como alterações isquêmicas no caso da ruptura de músculo papilar após IAM, por exemplo. A radiografia de tórax apresenta área cardíaca normal, podendo haver sinais de congestão pulmonar. O Ultrassom Point-of-Care apresenta linhas B pulmonares, inferindo congestão, e pode auxiliar na avaliação da função ventricular e débito cardíaco, quando há suspeita de choque cardiogênico.
O ecocardiograma mostra câmaras esquerdas de dimensões normais ou discretamente dilatadas, e evidencia o refluxo mitral importante, podendo também mostrar suspeitas da etiologia, como uma vegetação ou perfuração de cúspide na endocardite, ou disfunção segmentar no IAM, por exemplo. O ecocardiograma transesofágico pode ser útil para auxiliar na definição etiológica, caso o paciente apresente condições hemodinâmicas para a realização. Vale ainda notar que pode ocorrer um aumento da fração de ejeção do VE (FEVE), uma vez que este consegue se esvaziar tanto para o AE quanto para a aorta, gerando redução do volume sistólico final e, portanto, superestimando a FEVE.
O tratamento engloba duas fases: 1) a fase de compensação clínica e hemodinâmica visa reduzir a pós-carga do VE, favorecendo o esvaziamento do VE para a aorta em detrimento do AE (redução da fração regurgitante), e redução das pressões de enchimento. Assim, são utilizados vasodilatadores endovenosos (nitratos) e diuréticos. Em casos mais graves, que evoluem com choque cardiogênico, podemos lançar mão de inotrópicos e dispositivos de assistência ventricular, como balão intra-aórtico; 2) o tratamento definitivo compreende a cirurgia de troca ou plástica mitral, sendo, de maneira geral, indicada a cirurgia precoce, que associa-se a melhores desfechos e menores taxas de mortalidade. Em pacientes com risco cirúrgico proibitivo, a abordagem percutânea (MitraClip) pode ser considerada. Além disso, deve ser realizado o tratamento da causa de base, como a revascularização miocárdica no caso da IM secundária a um IAM, ou antibioticoterapia na endocardite infecciosa, por exemplo.
Referências bibliográficas
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Writing Committee Members; Otto CM, Nishimura RA, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP 3rd, Gentile F, Jneid H, Krieger EV, Mack M, McLeod C, O’Gara PT, Rigolin VH, Sundt TM 3rd, Thompson A, Toly C. 2020 ACC/AHA Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2021 Feb 2;77(4):e25-e197. doi: 10.1016/j.jacc.2020.11.018. Epub 2020 Dec 17. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2021 Feb 2;77(4):509. doi: 10.1016/j.jacc.2020.12.040. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2021 Mar 9;77(9):1275. doi: 10.1016/j.jacc.2021.02.007. Erratum in: J Am Coll Cardiol. 2023 Aug 29;82(9):969. doi: 10.1016/j.jacc.2023.07.010. PMID: 33342586.
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