Lipoproteína e Estenose Aórtica

Tiago Bignoto

A calcificação valvar é o ponto central da etiopatogenia da estenose aórtica mais prevalente nos países desenvolvidos e esse processo tem vários níveis evolutivos, começando com um quadro de esclerose valvar, podendo chegar inclusive em avançados graus de estenose aórtica, com repercussão hemodinâmica considerável.

Diversos fatores de risco são conhecidos e que tem impacto direto nessa evolução e no grau de deposição de cálcio, como hipertensão arterial, diabetes, tabagismo e elevados níveis séricos de colesterol LDL, mas pouco se sabe se isso poderia ocorrer como um acelerador de um processo já iniciado ou se seria responsável por dar o start na lesão.

Em uma análise de uma população dinamarquesa, elevados valores de IMC e lipoproteína (a) estiveram correlacionados com doença cardiovascular, de forma geral, elevando seu risco em 3,5 vezes.

Os mecanismos relacionados a lipoproteínas e essa elevada incidência de doenças cardiovasculares estão intimamente ligados ao processo aterosclerótico, influenciando não só na doença coronariana obstrutiva, mas também na degeneração calcifica da valva aórtica.

Em fases iniciais, o endotélio que recobre a valva é lesado e um processo inflamatório localizado leva a deposição dessas partículas de lipoproteínas. Esse processo inflamatório leva à diferenciação de células intersticiais em osteoblastos que por sua vez levam a calcificação, demonstrando que o processo aterosclerótico pode ocorrer em topografias distintas, como coronárias, valvas e endotélio vascular periférico.

Já a análise da elevação do risco cardiovascular pelo IMC elevado é multifatorial e diversas vias podem contribuir para esses desfechos. A elevação da pressão arterial e até mesmo o remodelamento ventricular podem levar a lesões endoteliais, enquanto há uma forte correlação da obesidade com elevados níveis de lipoproteínas.

Assim, surge um ambiente propício de lesão endotelial e deposição das partículas com processo inflamatório localizado ainda maior.

Inatividade física associados a dietas pouco saudáveis também figuram entre fatores de risco que podem estar associados ao IMC elevado e que podem ser responsáveis pela progressão dessas patologias cardiovasculares.

Mas uma novidade desta publicação é que, em análise multivariável, a obesidade, marcada pela elevação do IMC, se mostrou como variável independente de risco para doença cardiovascular e degeneração calcífica, demonstrando que outros efeitos podem existir além desses citados acima.

Outro aspecto que essa avaliação nos trouxe foi a predição de eventos em 10 anos de acordo com fatores como sexo, idade, IMC e concentração sérica de lipoproteínas. A análise combinada de todos esses fatores, nos aponta para o pior perfil de risco que elevaria a possibilidade de desfechos cardiovasculares negativos em até 14% nesses 10 anos.

Esse estudo dinamarquês não encontrou uma interação entre lipoproteína(a) e IMC em sua associação com degeneração calcífica da valva aórtica. Assim, a associação entre lipoproteína elevada (a) e estenose aórtica não é afetado pelo IMC e vice-versa, indicando que o aumento dos riscos em indivíduos com lipoproteína(a) elevada e IMC elevado são aditivos e não sinérgicos.

A compreensão dessas correlações e a identificação de novos fatores de risco associados a doenças cardiovasculares e especialmente aos processos degenerativos que impactam as valvas cardíacas é fundamental não só para propor terapias profiláticas, mas também abrem novas janelas de possibilidades terapêuticas, agindo diretamente nos níveis de IMC e lipoproteínas, embora, até o momento, não exista terapia comprovada que levasse a retardo do processo ou até mesmo regressão da aterosclerose e calcificação.

Já foram testados fármacos que atuassem diretamente na redução dos níveis séricos de lipídios, como as estatinas e o inibidor da PCSK9 e não foram encontrados resultados favoráveis. Da mesma forma, outros fármacos ligados ao emagrecimento também não demonstraram benefícios.

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