Na avaliação pré-operatória, quando solicitar cateterismo cardíaco? E o cateterismo de câmaras direitas?

Daniella Cian Nazzetta | Lucas José Neves Tachotti Pires

Pacientes portadores de doença valvar necessitam, primeiramente, de avaliação da gravidade anatômica da lesão em questão, sendo este o primeiro passo do algoritmo para diagnóstico anatômico sugerido pela Diretriz Brasileira de Valvopatias. Se a valvopatia for considerada importante de acordo com os critérios estabelecidos, o paciente, quando na presença de sintomas ou fatores complicadores, possui indicação de intervenção valvar, seja ela percutânea ou cirúrgica.

Uma vez indicada a abordagem, o paciente necessita de uma minuciosa avaliação pré-operatória, que inclui: avaliação odontológica, exames laboratoriais com sorologias específicas e, conforme o perfil de risco cardiovascular do paciente, avaliação de coronariopatia. A presença de doença arterial coronariana (DAC) obstrutiva deve ser diagnosticada pois caso seja necessário, a revascularização miocárdica pode ser realizada concomitantemente à cirurgia valvar. Pacientes com idade maior que 40 anos, suspeita de DAC, fatores de risco para aterosclerose (diabetes mellitus, dislipidemia, hipertensão, obesidade, entre outros), evento coronariano prévio, angina, disfunção ventricular sem diagnóstico definido ou com avaliação etiológica compatível com insuficiência mitral secundária, devem realizar exame para avaliação anatômica coronariana.

Mas qual o melhor exame para realizar tal avaliação no contexto pré-operatório? Sabemos que a cineangiocoronariografia é o exame padrão-ouro para identificação de lesões coronarianas e também possibilita, em um mesmo tempo, o tratamento percutâneo de tais obstruções, se indicado. Por outro lado, trata-se de um exame invasivo e apesar do baixo risco, não é isento de complicações. Em pacientes de risco baixo ou intermediário de DAC, mas que ainda se encaixam nos critérios acima para investigação pré-operatória de coronariopatia, pode ser solicitada a angiotomografia de coronárias, como opção à cinecoronariografia. Entretanto, para sua realização o paciente deve ter uma frequência cardíaca próxima de 60 batimentos por minuto, para que o exame tenha uma qualidade de imagem adequada. Uma vez realizada a angiotomografia, se forem encontradas lesões moderadas, importantes ou duvidosas, é imprescindível a realização posterior do exame invasivo.

O cateterismo cardíaco pode também ser indicado para medir as pressões das câmaras direitas e esquerdas do coração, assim como as pressões da vasculatura pulmonar. Geralmente é indicado quando a avaliação ecocardiográfica da valva é inconclusiva e/ou discrepante dos achados clínicos, auxiliando na definição de gravidade anatômica da valvopatia. Na estenose mitral (EMi), é definida a valvopatia como importante quando o gradiente entre a pressão capilar pulmonar (considerada como equivalente à pressão no átrio esquerdo) e a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo é ≥ 10 mmHg, o que pode ocorrer espontaneamente ou após prova com atropina e volume. A medida de pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) ≥ 50 mmHg no repouso (tanto pelo cateterismo cardíaco quanto pelo ecocardiograma) é considerado um complicador da valvopatia mitral, indicando assim procedimento valvar mesmo na ausência de sintomas.

Nos pacientes com insuficiência mitral (IMi), o cateterismo cardíaco também tem sua aplicabilidade. Assim como nos casos de EMi, está bem indicado na presença de discrepância entre os dados clínicos e ecocardiográficos. O exame define IMi como sendo importante quando vemos na ventriculografia a presença de um jato regurgitante > 3+. Além disso, a valvopatia pode trazer repercussões nas pressões pulmonares, também tendo como complicador uma PSAP ≥ 50 mmHg no repouso. A curva de pressão capilar pulmonar pode, ainda, apresentar um padrão de onda V gigante, compatível com aumento importante das pressões do átrio esquerdo durante a diástole atrial.

A avaliação invasiva das valvopatias aórticas também pode ser realizada. No caso da estenose aórtica, através da medida das pressões na raiz da aorta e no ventrículo esquerdo. Uma diferença (gradiente) maior que 50mmHg nas pressões sistólicas de pico entre estas duas localizações caracteriza a estenose como importante. No caso da insuficiência aórtica, por outro lado, é possível a caracterização do jato regurgitante na aortografia. Após a injeção de contraste na raiz da aorta, se houver regurgitação significativa do contraste para o ventrículo esquerdo, a insuficiência pode ser caracterizada como importante. Como um outro achado da insuficiência aórtica, a curva de pressão da raiz aórtica pode apresentar uma queda significativa da pressão diastólica, podendo chegar a valores próximos aos da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo.

Referências

  1. 1- Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047

    2- Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease. EuroIntervention. 2022;17(14):e1126-e1196. Published 2022 Feb 4. doi:10.4244/EIJ-E-21-00009

    3- Authors/Task Force members, Windecker S, Kolh P, et al. 2014 ESC/EACTS Guidelines on myocardial revascularization: The Task Force on Myocardial Revascularization of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS)Developed with the special contribution of the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions (EAPCI). Eur Heart J. 2014;35(37):2541-2619. doi:10.1093/eurheartj/ehu278.

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