Arquivo para Tag: estenose aórtica

Aula 6: quais os tratamentos disponíveis

Dra. Daniella Cian Nazzetta

Aprenda sobre os métodos de cálculo da Área Valvar Aórtica na Estenose Aórtica atráves da ecocardiografia.

 

Por se tratar de uma obstrução anatômica da valva aórtica, o tratamento da estenose aórtica baseia-se na abertura do fluxo de sangue através da valva. Dessa forma, temos três tipos de abordagens disponíveis: cirurgia convencional de troca valvar, implante transcateter de bioprótese aórtica (TAVI, do inglês transcatheter aortic valve implantation) e valvoplastia aórtica por cateter balão. 

A indicação clássica e inequívoca de tratamento abrange pacientes com estenose aórtica anatomicamente importante associada a sintomas clássicos como dispneia, angina e/ou síncope. Em alguns casos especiais, os pacientes podem apresentar valvopatia importante, porém sem a presença de sintomas. Nesses casos, para indicação de procedimento, devemos avaliar também a presença de complicadores nos exames de ecocardiograma transtorácico e teste ergométrico. Caso o paciente apresente algum complicador ou marcador de mau prognóstico, deve-se prosseguir para intervenção, mesmo que o paciente não apresente sintomas. 

No caso de pacientes com valvopatia anatomicamente importante, porém na ausência de sintomas e de complicadores, realizamos monitoramento regular, incluindo consultas e realização de ecocardiograma transtorácico pelo menos duas vezes ao ano, ou antes desse período, caso o paciente apresente qualquer sintoma cardiológico.

A escolha do tipo de procedimento deve ser individualizada, levando em consideração alguns fatores como: idade, comorbidades, fragilidade, expectativa de vida, anatomia, escores de risco pré-operatório, dentre outros. A cirurgia convencional de troca valvar aórtica ainda é considerada primeira escolha em pacientes com menos de 70 anos, de baixo risco cirúrgico e sem contraindicações, com classe de recomendação IA. Pode ser considerada em pacientes com mais de 70 anos, de baixo risco, com mesma classe de recomendação, e em pacientes de risco intermediário, a depender da disponibilidade de outros procedimentos, com classe de recomendação IIaA. A escolha da prótese implantada, mecânica ou biológica, deve levar em consideração a idade do paciente (próteses biológicas têm durabilidade menor que a prótese mecânica), risco de sangramento e aderência ao uso de antociagulante (prótese mecânica requer anticoagulação com varfarina ad aeternum).

A realização do procedimento de implante de bioprótese valvar aórtica por via transcateter está indicada para pacientes com mais de 70 anos, com risco cirúrgico intermediário, alto ou proibitivo, com alguma contraindicação à cirurgia convencional e em pacientes com fragilidade, com classe de recomendação IA. Alguns estudos já demonstraram a não inferioridade do procedimento em pacientes mais jovens, porém atualmente a recomendação das Diretrizes Brasileira de Valvopatias é considerar o procedimento a partir de 70 anos. O acesso preferível é o transfemoral, porém o paciente deve ter anatomia elegível para o implante do dispositivo, avaliada através do exame de angiotomografia de aorta. O procedimento também pode ser realizado por acessos alternativos, como transapical, transcarotídeo ou pela artéria subclávia, porém oferece maior risco para esse grupo de pacientes. 

Por último, a valvoplastia aórtica por cateter-balão é um procedimento que consiste na passagem de um cateter com um balão expansível através da valva, promovendo sua abertura. A durabilidade dos resultados da valvoplastia aórtica por cateter-balão é curta, por isso não é considerada como um procedimento definitivo. Assim, está reservada como ponte para terapia (cirurgia ou TAVI) em pacientes com instabilidade hemodinâmica ou com sintomas muito avançados, e como tratamento paliativo em pacientes sintomáticos e com contraindicação a qualquer um dos outros dois procedimentos disponíveis. 

O tratamento medicamentoso é uma opção para alívio dos sintomas até a realização do procedimento, mas não como terapia permanente. O principal medicamento utilizado é a furosemida, diurético de alça, que irá promover melhora da congestão e consequentemente alívio dos sintomas apresentados pelo paciente. Em alguns casos, é necessário associar outros diuréticos para promover bloqueio duplo ou triplo do néfron para alívio da congestão. Porém, apenas com o tratamento definitivo de substituição valvar teremos a melhora definitiva dos sintomas e impacto no prognóstico.

 

Referências:

  1. Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047
  2. Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease [published correction appears in Eur Heart J. 2022 Feb 18;:]. Eur Heart J. 2022;43(7):561-632. doi:10.1093/eurheartj/ehab395
  3. Otto CM, Nishimura RA, Bonow RO, et al. 2020 ACC/AHA Guideline for the Management of Patients With Valvular Heart Disease: Executive Summary: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines [published correction appears in Circulation. 2021 Feb 2;143(5):e228] [published correction appears in Circulation. 2021 Mar 9;143(10):e784]. Circulation. 2021;143(5):e35-e71. doi:10.1161/CIR.0000000000000932
  4. Iung B, Pierard L, Magne J, Messika-Zeitoun D, Pibarot P, Baumgartner H. Great debate: all patients with asymptomatic severe aortic stenosis need valve replacement. Eur Heart J. 2023;44(33):3136-3148. doi:10.1093/eurheartj/ehad355

 

Assista ao vídeo

Vamos falar sobre os tratamentos disponíveis para a Estenose Aórtica? Na nova aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, a Dra. Daniella Nazzetta explica os três tratamentos para a condição e as recomendações de cada um.

 

Estenose aórtica: tratamento

Assista ao vídeo

Vamos falar sobre os tratamentos disponíveis para a Estenose Aórtica? Na nova aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, a Dra. Daniella Nazzetta explica os três tratamentos para a condição e as recomendações de cada um.

 

Aula 5: diagnóstico ecocardiográfico

Dra. Lynnie Arouca

Aprenda sobre os métodos de cálculo da Área Valvar Aórtica na Estenose Aórtica atráves da ecocardiografia.

 

A ecocardiografia é um método essencial e não invasivo para o diagnóstico e avaliação da Estenose Aórtica (EA), fornecendo informações relevantes sobre a gravidade anatômica e definição etiológica.  

Os principais indicadores hemodinâmicos ecocardiográficos recomendados para avaliação clínica da gravidade da EA são: área valvar (AV) aórtica, gradiente médio (GM) de pressão transvalvar e velocidade máxima (Vmax) do jato aórtico. A partir desses valores, também podemos realizar outras subanálises, como a avaliação da AV indexada (AVi) pela superfície corpórea e a relação das velocidades entre via de saída de ventrículo esquerdo (VSVE) e válvula aórtica (VA). Cada um desses parâmetros será abordado individualmente, a seguir. 

Em relação à AV, existem 2 métodos principais para seu cálculo: a Equação de continuidade e a Planimetria. Na primeira técnica, a AV é calculada indiretamente, a partir do princípio de conservação de massa, através de uma fórmula específica. Nessa equação são utilizados a área de secção transversal da VSVE, a Vmax VSVE e a Vmax VA para calcular, de maneira confiável indireta, a AV aórtica. Já a segunda forma, que consiste na aferição direta do tamanho do orifício valvar, possui algumas limitações. Primeiramente, o ângulo de visualização da válvula aórtica por ecocardiografia transtorácica frequentemente não é favorável, podendo levar a erros na medida do orifício valvar. Além disso, muitas vezes existe uma calcificação dos folhetos, no contexto de EA, o que pode dificultar a delimitação anatômica exata da área valvar. Assim, esse outro método possui acurácia limitada, sendo reservado apenas como medida alternativa. Por fim, AV aórtica é considerada importante quando é ≤ 1,0 cm2.

Em contexto de extremos de superfície corpórea (SC), podemos ainda indexar a AV, para uma interpretação mais individualizada em termos de gravidade anatômica. Por exemplo, uma AV 1,2 cm2, ainda que seja um valor absoluto de moderada, se aplicada a um paciente que possua altura de 1,90 m e peso de 100 kg (SC 2,30 m2), a AVi (AV dividida pela SC) será de 0,52 cm2/m2, isto é, representará uma repercussão de importante (≤ 0,6 cm2/m2). Assim, a AVi permite uma compreensão personalizada da gravidade anatômica, nesse perfil de paciente. 

Na EA importante clássica, existe uma elevação no GM, definida como > 40 mmHg. Esse cálculo é feito pela diferença entre a pressão sistólica do VE (PSVE) e a pressão pós estenose na aorta (equivalente a pressão diastólica VE). Considerando a estenose valvar, hemodinamicamente haverá um aumento da pressão intraventricular, logo uma maior diferença de pressão entre as cavidades VE-AO, justificando a elevação dos gradientes quanto pior a gravidade anatômica. Na EA, existem ainda situações em que o gradiente não é elevado, apesar de AV de importante, mas esse tema (EA de baixo-fluxo e baixo-gradiente) será abordado em outra aula, individualmente.

É possível também estimar a gravidade de EA através da análise das velocidades de fluxo. Através da física, sabemos que quanto menor o diâmetro de um pertuito, maior será a velocidade do fluido que corre através dele. De forma didática, uma analogia útil é o exemplo do dedo pressionando a ponta de uma mangueira com fluxo de água. Em outras palavras, quanto mais apertado o dedo e, consequente, menor o orifício de saída de água da mangueira, mais rápido e distante o jato de água irá alcançar. Semelhantemente, quanto pior a estenose valvar, mais rápida é a velocidade do sangue que flui através dela. Por definição, é considerada importante Vmax > 4 m/s.

Por fim, o último parâmetro que podemos utilizar para determinação da gravidade anatômica é a relação entre as velocidades de fluxo na VSVE e na VA. Conforme descrito acima, sabemos que a velocidade na VA estará aumentada, em decorrência do orifício valvar estenótico. Logo, se compararmos as velocidades através da fórmula VSVE / VA, o valor do denominador será maior quanto pior a EA e, portanto, menor será relação. Assim, é definida como importante a relação das velocidades < 0,25.

Além de informações essenciais a respeito da gravidade anatômica, a ecocardiografia também pode contribuir na avaliação da EA, evidenciando características sobre a etiologia da doença. Na valvopatia reumática é possível visualizar fusão de comissuras e calcificação central, enquanto na degenerativa observamos um padrão de calcificação mais difuso. Podemos ver ainda fusão de folhetos, na etiologia bivalvularizada.  Dessa forma, podemos acrescentar informações relevantes no seguimento do paciente.

Apesar de os dados ecocardiográficos serem indispensáveis na análise da EA, é importante destacar que a classificação da gravidade anatômica valvar deve ser baseada em uma abordagem integrativa, combinando dados de história clínica e informações propedêuticas, além dos métodos de imagens complementares. E em relação a esse último, também vale salientar que a interpretação de dados baseada em medição específica isolada ecocardiográfica tem pouco poder, devendo sempre valorizar o conjunto de parâmetros para avaliação valvar completa.

 

 

 

Assista ao vídeo

Nesta nova aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, a Dra. Lynnie Arouca explica como diagnosticar a condição através do exame de ecocardiograma.

As aulas anteriores também estão disponíveis aqui no site – confira!

 

Aula 4: radiografia de tórax e eletrocardiograma

Dra. Layara Lipari

Conheça as doenças valvares, em especial a Estenose Aórtica. Descubra como identificar os sintomas através de exames como radiografia de tórax e eletrocardiograma.

 

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma não fazem diagnóstico de Estenose Aórtica, mas trazem pistas importantes, principalmente sobre as repercussões desta valvopatia, quando anatomicamente importante.

Para analisar essas repercussões, precisamos partir da fisiopatologia. Na Estenose Aórtica, pela obstrução à saída do fluxo de sangue do coração, temos um aumento da pressão dentro do ventrículo esquerdo. O remodelamento que ocorre em resposta ao aumento de pressão é a hipertrofia concêntrica (sarcômeros replicando-se em paralelo), diferente da sobrecarga de volume, em que ocorre a hipertrofia excêntrica (replicação dos sarcômeros em série).

Na radiografia de tórax vale a pena atentar para a presença de calcificação na topografia da valva aórtica, seja na imagem em perfil ou póstero-anterior, como uma pista da etiologia, bem como na presença de alargamento do mediastino ou sinais de aortopatia. 

A radiografia de tórax pode ser normal mesmo na presença de Estenose Aórtica importante com hipertrofia ventricular, pois como a hipertrofia é concêntrica, pode não haver alteração da silhueta cardíaca. Em alguns casos, principalmente em fases mais avançadas da doença com sobrecarga e aumento de câmaras esquerdas, podemos encontrar aumento de silhueta cardíaca. Quando há aumento do átrio esquerdo, podemos encontrar o sinal do duplo contorno e o sinal da bailarina, que é a retificação e elevação do brônquio-fonte esquerdo, sob o qual está apoiado o átrio esquerdo. 

Para os pacientes que já fizeram alguma intervenção valvar, podemos ver sinais ao exame, como fios de sutura do esterno e mesmo a presença de prótese – das mais antigas, como a bola-gaiola ou Starr-Edwards (que já não é mais utilizada), até as mais recentes, incluindo próteses de implante transcateter.

Ao eletrocardiograma, podemos encontrar sinais de sobrecarga de câmaras esquerdas (ou apenas de ventrículo esquerdo), podendo haver ainda fibrilação atrial, bloqueio do ramo esquerdo e bloqueio atrioventricular de primeiro grau. 

Quando avaliamos o eletrocardiograma, iniciamos pela avaliação do ritmo – procurando identificar um ritmo sinusal (onda P positiva em D1 e aVF e toda onda p conduz). Já para olhar sobrecarga de ventrículo esquerdo, temos diversos critérios e geralmente usamos mais de um para esta avaliação. 

  • Sokolow-Lyon: Onda S em V1 + R em V5  ou V6 (o que for maior) = positivo quando acima de 40 em jovens e 35 para os demais pacientes. 
  • Índice de Cornell = R de aVL + S de V3 = positivo quando superior a 20 em mulheres e 28 em homens.
  • Peguero-Lo Presti = Maior S em qualquer derivação + S de V4 = positivo quando maior ou igual a 23mm em mulheres e 28mm em homens. O interessante desse critério é que leva em consideração que a orientação espacial do coração do paciente, que pode ser um pouco desviado (principalmente nos casos de sobrecargas).
  • Padrão de strain nas derivações esquerdas = Presença da inversão de onda T com infradesnivelamento do segmento ST.
  • Critérios de Romhilt-Estes = positivo na soma de 5 pontos:

3 pontos: QRS (>20mm plano frontal e 30mm horizontal); strain na ausência de ação digitálica; e índice de Morris (aumento da duração da onda P maior que 1mm e da amplitude da onda p também superior a 1mm vistos em V1, denota sobrecarga de átrio esquerdo).

2 pontos: desvio do eixo elétrico do QRS além de -30º.

1 ponto: Tempo de Ativação Ventricular ou deflexão intrinsecoide >40ms (definida como o tempo desde o início do QRS até o pico da onda R); duração QRS (> 90 ms) em V5 e V6; e padrão strain sob ação do digital.

 

Todos estes critérios se correlacionam com a presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo, seja por estenose aórtica ou outra etiologia. 

Outra alteração eletrocardiográfica que podemos encontrar é a presença de bloqueio atrioventricular de primeiro grau, definida pela presença de intervalo PR acima de 200 ms, fixo e sem bloqueio na condução AV (ou seja, toda onda P conduz). Vale a pena lembrar da anatomia valvar e do esqueleto fibroso do coração, em que há proximidade importante da valva aórtica com o nó atrioventricular e com o ramo esquerdo. A evolução da valvopatia principalmente com calcificação do anel valvar e regiões adjacentes pode levar a bloqueio atrioventricular de primeiro grau e/ou a bloqueio de ramo esquerdo. O bloqueio de ramo esquerdo é visto no eletrocardiograma como aumento da duração do QRS superior a 120ms. 

A sobrecarga de átrio esquerdo com alteração estrutural pode levar também a distorção do sistema de condução atrial, levando a fibrilação atrial, vista no eletrocardiograma pelo padrão de ondas f na linha de base e RR irregular. 

Finalmente, vale a pena comentar que alguns casos de Estenose Aórtica importante podem não apresentar sobrecarga de ventrículo esquerdo, mas sim sinais de baixa voltagem ao eletrocardiograma. Nestes casos, em que a ausculta vai direcionar para uma hipótese, porém o eletrocardiograma mostra este padrão de baixa voltagem, é importante lembrar da amiloidose cardíaca, visto que pacientes idosos portadores de estenose aórtica grave de baixo fluxo e baixo gradiente podem apresentar amiloidose em até 10% a 15% dos casos.

 

  1. Eletrocardiograma em 7 aulas – Temas avançados e outros métodos – Friedmann 2ª edição, editora Manole. 
  2. Pastore, CA et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Brasileiros de Cardiologia. 2016, v. 106, n. 4 Suppl 1. https://doi.org/10.5935/abc.20160054
  3. Wave-maven ECG (https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/displist.asp?ans=1) 
  4. Anderson RH. The surgical anatomy of the aortic root, in: Multimedia Manual of Cardiothoracic Surgery, doi:10.1510/ mmcts. 2006.002527 
  5. Simões MV, Fernandes F, Marcondes-Braga FG, Scheinberg P, Correia E de B, Rohde LEP, et al. Posicionamento sobre Diagnóstico e Tratamento da Amiloidose Cardíaca – 2021. Arq Bras Cardiol 2021Sep;117(3):561–98. Available from: https://doi.org/10.36660/abc.20210718 
  6. https://radiopaedia.org/ 

Assista ao vídeo

Vamos falar sobre radiografia de tórax e eletrocardiograma na Estenose Aórtica? A Dra. Layara Lipari conduz nossa 4ª aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica!

As aulas anteriores estão disponíveis aqui no site – confira!

 

Aula 3: como definir a gravidade anatômica pelo exame físico

Dr. Renato Nemoto

Descubra os sinais físicos que indicam a importância da estenose aórtica. Saiba mais sobre os sintomas, como pulso tardio e sopro sistólico.

No paciente com estenose aórtica (EAo), existem seis características no exame físico que denotam a importância anatômica dessa valvopatia, ou seja, definem que a EAo é importante. São eles:

– Pulso parvus et tardus;

– Sopro sistólico ejetivo com pico telessistólico

– Hipofonese de B2;

– Hipofonese de B1;

– Fenômeno de Gallavardin;

– Desdobramento paradoxal de B2.

O pulso arterial normal possui uma amplitude e duração definidas. No caso da EAo, pela dificuldade de ejeção do sangue do ventrículo esquerdo, esse pulso será pouco amplo (parvus em latim) e com duração prolongada, acima de 320ms (tardus). No entanto, há situações em que a redução da complacência arterial faz com que essa amplitude aumente, gerando um pulso aparentemente normal mesmo com uma EAo importante. Atenção especial se dá para os idosos (população predominante da EAo) com arterioloesclerose aórtica. O enrijecimento do vaso leva a uma maior amplitude do pulso, podendo gerar um falso negativo em relação ao pulso característico da EAo importante. 

O sopro característico da estenose aórtica é sistólico, rude, ejetivo, com irradiação para a fúrcula, e apresenta um formato em crescendo e decrescendo, também chamado de formato em diamante. Isso ocorre pela dificuldade de passagem do sangue pela valva (som em crescendo) e à medida que o sangue passa, gera a fase decrescente do sopro. Quando a valvopatia não é importante, o pico do sopro ocorre no meio da sístole, ou seja, é mesossistólico. Contudo, quanto maior a gravidade da EAo, mais difícil se torna a passagem de sangue pela válvula, aumentando a fase em crescendo do sopro, levando o pico mais para o final da sístole, ou seja, telessistólico. O principal diferencial com o sopro da EAo é o sopro da cardiomiopatia hipertrófica (CMH), que também gera um sopro sistólico ejetivo em formato de diamante, devido à obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo. Podemos diferenciá-los por meio de manobras e situações:

– Na EAo, as situações que aumentam o retorno venoso aumentam o sopro: elevação das pernas, agachamento, o batimento após uma extrassístole;

– Na CMH, as situações que reduzem o retorno venoso possibilitam uma maior obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo devido o efeito Venturi e aumento do movimento sistólico anterior da mitral: manobra de Valsalva e preensão palmar, por exemplo;

A segunda bulha é o som resultante do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Na EAo importante, há uma significativa restrição da mobilidade da válvula aórtica, reduzindo o som, o que chamamos de hipofonese da B2. Já a hipofonese da primeira bulha (fechamento das valvar mitral e tricúspide) é explicada na EAo importante devido à elevação da pressão diastólica, o que reduz a amplitude do movimento da valva mitral, causando uma redução do som gerado.

A quinta característica de importância da EAo no exame físico é o fenômeno de Gallavardin. À medida que a calcificação na valva aórtica aumenta e a valvopatia fica cada vez mais importante, há um maior turbilhonamento de sangue nesta região. Como o arcabouço mitral fica muito próximo ao anel aórtico, pode haver reverberação desse turbilhonamento, gerando um sopro sistólico no foco mitral. A diferenciação de uma insuficiência mitral se dá pelo formato em crescendo e decrescendo, mas principalmente pelo timbre. Para ser o fenômeno de Gallavardin, esse sopro mitral deve ser agudo, piante.

Por último, o desdobramento paradoxal da B2. Como falado acima, a B2 é composta pelo som do fechamento das valvas aórtica e pulmonar. Fisiologicamente, a valva aórtica fecha ligeiramente antes da pulmonar, mas praticamente juntas, gerando a B2. Quando inspiramos, há aumento do retorno venoso, e pode ocorrer um atraso do componente pulmonar, e o fechamento das valvas ocorre em momentos distintos, gerando um som “TRÁ”, chamado de desdobramento caso fisiológico da B2. Na EAo importante, pela dificuldade de passagem de sangue pela valva aórtica, o componente aórtico é naturalmente atrasado (desdobramento fixo da B2). Se o paciente apresentar desdobramento fisiológico, quando inspirar há um atraso do componente pulmonar, que irá encontrar o componente aórtico já atrasado. Contudo, na expiração, esse componente pulmonar retorna à normalidade, mas o aórtico permanece atrasado, gerando o fechamento das valvas em momento distinto, ocasionando o som de desdobramento, mas como nesse caso ocorre na expiração, é chamado de desdobramento paradoxal da B2.

Qualquer um desses achados sugere uma estenose aórtica anatomicamente importante e corrobora para a correta hipótese diagnóstica mesmo antes de exames complementares.      

 

Assista ao vídeo

Na terceira aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, o Dr. Renato Nemoto explica como é definida a gravidade anatômica da condição através do exame físico.

 

 

Segurança a curto e longo prazo da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI

Marco Antonio Smiderle Gelain, Residente de Hemodinâmica Incor/HCFMUSP

Descubra o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI. Estudo realizado na Cleveland Clinic revela importantes informações sobre essa condição.

Em janeiro de 2024 foi publicado na European Heart Journal um estudo realizado na Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, sobre o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI¹. Atualmente, sabemos que DAC crônica e a estenose aórtica (EAo) frequentemente coexistem, em uma frequência de 15 a 80%². Existe também o debate sobre qual seria o melhor momento – e se existe a necessidade – de revascularizar o paciente portador de DAC crônica que vai ser submetido a TAVI. Ambos os cenários – angioplastia em paciente com EAo severa, e TAVI em paciente com DAC severa apresentam riscos importantes específicos. No entanto, artigos dedicados ao estudo do melhor momento da revascularização não renderam recomendações claras³, sendo publicado em 2023 um consenso Europeu⁴ sobre o manejo da DAC crônica em pacientes submetidos a TAVI, porém mantendo-se grande heterogeneidade de condutas entre os diversos serviços de hemodinâmica ao redor do mundo.

O estudo foi uma coorte retrospectiva de pacientes submetidos a TAVI entre 2015 e 2021. Pacientes que já tivessem sido revascularizados com angioplastia foram excluídos do estudo. Os desfechos avaliados foram periprocedimento (complicações como choque cardiogênico, arritmias e morte) e MACE – morte, IAM, AVC e revascularização não planejada – a longo prazo. Os 1911 pacientes incluídos foram categorizados em 4 grupos com relação a DAC crônica: DAC não-obstrutiva (1432 pacientes), DAC de risco intermediário que compreendeu DAC uniarterial >70% (116 pacientes), DAC de risco alto, que compreendeu DAC biarterial >70%, DA proximal >70% ou TCE 50-69% (199 pacientes), e DAC de extremo risco, que compreendeu DAC triarterial >70% ou TCE >70% (164 pacientes). Uma das limitações do estudo foi justamente a divisão desses grupos, que foi arbitrária, e não levou em conta ferramentas consolidadas como o Syntax Score. Entretanto há um consenso de que não houve prejuízo à principal mensagem transmitida pelo estudo.

Para efeito de análise estatística, foram comparados dois grupos: DAC não-obstrutiva x DAC obstrutiva, e também comparados cada grupo de DAC obstrutiva com a DAC não-obstrutiva, com relação aos desfechos do estudo. 

A idade média dos pacientes foi de 78 anos, com um STS score médio de 5,4%, e 70% apresentavam-se em classe funcional NYHA 3, e fração de ejeção média de 57%. 95% dos procedimentos foram realizados via transfemoral e em 91% dos casos foi utilizada a prótese Edwards SAPIEN 3, que é balão expansível e apresenta um melhor perfil quando pensamos em um acesso mais fácil posteriormente às artérias coronárias.

A taxa de complicações periprocedimento foi baixa, apenas 7 mortes (0,4%) e 1 paciente com necessidade de implante de balão intra-aórtico durante o procedimento. Não houve diferença entre os grupos comparados (p=0.6). Ou seja, uma das grandes mensagens deste artigo foi essa: que houve segurança periprocedimento na realização de TAVI em pacientes com DAC obstrutiva não tratada.

O seguimento médio pós-procedimento dos pacientes foi de 1,32 anos, também não sendo observada diferença de MACE ou morte por todas as causas. Houve, entretanto, aumento da taxa de síndrome coronariana aguda e de revascularização não planejada no grupo de DAC obstrutiva, a qual foi de 1% no grupo de DAC não-obstrutiva e de 2,4 a 4% no grupo de DAC obstrutiva, sem aumento linear conforme a gravidade da DAC, o que pode corroborar uma inadequada classificação inicial dos grupos. A separação das curvas ocorre por volta de 8 a 12 semanas, portanto, caso o paciente permaneça sintomático após o procedimento, existe a recomendação no próprio estudo de que haja um limiar mais baixo para a revascularização desses pacientes. É ressaltado que não houve dificuldade ou impossibilidade de angioplastia nos pacientes submetidos a TAVI. 

Importante frisar que a estratificação dos pacientes com relação a fração de ejeção não mostrou relação com piora de desfechos. 

Como mensagens finais, temos que DAC crônica, independentemente de sua gravidade e extensão e da fração de ejeção, pode ser inicialmente tratada clinicamente em pacientes candidatos a TAVI com segurança. O estudo não dita, porém, que todos devem ser submetidos a TAVI primeiro: pacientes com sintomas coronarianos importantes, síndromes instáveis, lesões coronarianas ostiais, tipo da prótese utilizada podem eventualmente ser submetidos a angioplastia antes. O manejo da DAC crônica após a TAVI pode ser feita de acordo com guidelines específicas, porém pode-se ter um limiar mais baixo para revascularização caso sintomas persistam.

 

Referências

  1. Ian Persits, et al. Impact of untreated chronic obstructive coronary artery disease on outcomes after transcatheter aortic valve replacement. European Heart Journal, 2024. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae019
  2. Hajar R. Risk factors for coronary artery disease: historical perspectives. Heart Views 2017;18:109. https://doi.org/10.4103/HEARTVIEWS.HEARTVIEWS_106_17
  3. Patterson T, Clayton T, Dodd M, Khawaja Z, Morice MC, Wilson K, et al. ACTIVATION (PercutAneous Coronary inTervention prIor to transcatheter aortic Valve implantaTION): a randomized clinical trial. JACC Cardiovasc Interv 2021;14:1965–74. https://doi.org/10.1016/j.jcin.2021.06.041

4. Tarantini G, Tang G, Nai Fovino L, Blackman D, Mieghem NMV, Kim WK, et al. Management of coronary artery disease in patients undergoing transcatheter aortic valve implantation. A clinical consensus statement from the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions in collaboration with the ESC Working Group on Cardiovascular Surgery. EuroIntervention 2023;19:37–52. https://doi.org/10.4244/EIJ-D-22-00958

Fundamentos em Doenças Valvares: tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica – quais são e por que surgem os sintomas?

Dr Vitor Emer Egypto Rosa

Saiba mais sobre a estenose aórtica: sintomas, prognóstico e opções de tratamento. Descubra como essa doença valvar pode afetar a sua saúde.

Até o presente momento, a presença de sintomas no contexto de uma doença valvar anatomicamente importante é um dos marcadores prognósticos mais bem estabelecido. Ross e Braunwald já demonstraram em 1968 que, em pacientes com estenose aórtica importante, a presença de sintomas ocasionava uma mortalidade de cerca de 50% em 2 anos. Além disso, a sobrevida era diferente a depender do tipo de sintoma: pacientes com angina apresentavam sobrevida média de 5 anos, síncope de 3 anos e insuficiência cardíaca de 2 anos. Esses achados prognósticos foram corroborados na publicação do PARTNER 1, coorte B, com seus resultados de 3 anos. Nesse estudo, pacientes com estenose aórtica importante, que eram inoperáveis, foram randomizados para TAVI versus tratamento clínico e, esses últimos, apresentaram uma mortalidade de cerca de 80% em 3 anos. 

Assim, dado esse prognóstico sombrio em pacientes sintomáticos com estenose aórtica importante e em tratamento clínico, ficou estabelecido desde cedo que a presença de sintomas é indicativa de intervenção valvar, seja cirúrgica ou transcateter. Dessa forma, é imperativo reconhecer e entender porque surgem tais sintomas.

O primeiro deles é a dispneia. Aprendemos, em aulas anteriores, que a maneira de o ventrículo esquerdo suportar o excesso de pós-carga é através de hipertrofia concêntrica, que leva também à disfunção diastólica e redução da cavidade. Por conseguinte, a famosa curva de pressão versus volume “sobe”. Em outras palavras, com os mesmos volumes, as pressões intraventriculares ficam extremamente altas. E essas pressões são transmitidas ao átrio esquerdo e ao capilar pulmonar, levando à congestão venocapilar pulmonar, justificando a dispneia com características de insuficiência cardíaca que esses pacientes apresentam. 

O segundo sintoma é a angina com características típicas de isquemia. Em decorrência da hipertrofia concêntrica, ocorre uma redução de capilaridade e uma redução do gradiente transmiocárdico. Em outras palavras, para que ocorra a perfusão subendocárdica, a pressão “fora do coração” é bem maior que a pressão intracavitária. Com o aumento da pressão intracavitária já citado no parágrafo anterior, ocorre uma redução nessa diferença de pressão fora/dentro, gerando uma isquemia subendocárdica. Em momentos que ocorre aumento da demanda de O2, como na atividade física, essa redução de perfusão aumenta, gerando o sintoma de angina.

Para finalizar a tríade clássica, o paciente pode apresentar quadro de síncope. Independente das características da síncope ou pré-síncope, mesmo que surjam etiologia vasovagal/situacional, tal sintoma na presença de estenose aórtica importante é um marcador prognóstico. E é explicado por uma incapacidade adaptativa. Se nos recordarmos da fórmula: pressão arterial = volume ejetado x frequência cardíaca x resistência vascular periférica, entendemos facilmente tal sintoma. Quando fazemos uma atividade física, a resistência vascular periférica cai, então aumentamos a frequência cardíaca e volume ejetado para compensar e manter a pressão arterial estável. Entretanto, pacientes com estenose aórtica importante não conseguem aumentar o volume ejetado, pois a pós-carga é fixa (o orifício valvar não aumenta!). E eles também não têm benefício com o aumento da frequência cardíaca: para portadores de estenose aórtica importante, quanto maior o tempo de sístole, melhor para esvaziar o ventrículo, sendo a taquicardia deletéria. Dessa forma, tais pacientes ficam muito dependentes de variações da resistência vascular periférica, sendo mais sujeitos a variações da pressão arterial e síncope.

Por fim, devemos lembrar que naqueles pacientes em que temos dúvidas em relação aos sintomas de angina e dispneia, o teste de estresse físico é uma ferramenta segura. Mas apenas se existem dúvidas em relação aos sintomas, pois tal exame é formalmente contraindicado naqueles com sintomas óbvios.

 

Referências:

Circulation 1968;38:61-7. 

Circulation. 2014 Oct 21;130(17):1483-92 

Arq. Bras. Cardiol. 2020; 115(4): 720-775 

Assista ao vídeo

Na nossa segunda aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, o Dr. Vitor Rosa explica quais são os sintomas da condição!

 

 

Estenose aórtica: quais são os sintomas?

Assista ao vídeo

Na nossa segunda aula de Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Estenose Aórtica, o Dr. Vitor Rosa explica quais são os sintomas da condição!

 

 

ESTENOSE AÓRTICA: ETIOLOGIAS E FISIOPATOLOGIA

Dra. Fernanda C. Tessari

Descubra como a estenose aórtica afeta o coração e quais são as opções de tratamento disponíveis.

A estenose aórtica está presente em cerca de 12% da população acima dos 75 anos de idade, sendo que, com o envelhecimento, esses números tendem a aumentar ainda mais, com incidência de novos diagnósticos em 5 a cada 1000 pessoas ao ano.

As três principais etiologias da estenose aórtica são: degenerativa ou calcifica, válvula aórtica bicúspide e febre reumática. Outras causas menos comuns englobam doenças congênitas, como válvula aórtica unicúspide, aterosclerose da aorta e válvula aórtica na hipercolesterolemia familiar, lesão actínica (por radioterapia) e obstrução fixa da via de saída do ventrículo esquerdo, como na membrana supra ou subvalvar.

A estenose aórtica degenerativa é a causa mais frequente em adultos idosos.  Atualmente, cerca de 1 a 2% da população, acima de 65 anos, e 12% das pessoas com mais de 75 anos apresentam estenose aórtica degenerativa, sendo que estes números tendem a aumentar nas próximas décadas devido ao envelhecimento da população, principalmente em países desenvolvidos, mas também no Brasil. Alguns fatores de risco cardiovasculares estão associados ao desenvolvimento dessa valvopatia, como idade avançada, obesidade, hipertensão arterial, síndrome metabólica, dislipidemia, tabagismo e disfunção renal.  

O processo de degeneração valvar envolve a injúria e inflamação endotelial, com infiltração lipídica, principalmente de LDL-colesterol e Lp(a), e aumento do estresse oxidativo. Consequentemente, ocorre a atração de células inflamatórias e produção de citocinas que levam à mineralização da matriz extracelular, neovascularização e diferenciação de osteoblastos, resultando na fibrocalcificação do aparato valvar. De maneira contra intuitiva, apesar de compartilhar vias em comum com a fisiopatologia da ateromatose arterial, alguns estudos avaliaram o efeito da redução dos níveis de colesterol na progressão da estenose aórtica com o uso de diferentes estatinas, como os trials SEAS, SALTIRE e ASTRONOMER, mas não demonstraram benefício em retardar a progressão da doença ou evitar procedimentos valvares. Além disso, a ocorrência de Estenose Aórtica em vários membros da mesma família também sugere a participação de componentes genéticos no desenvolvimento da doença, sendo descritos alguns polimorfismos genéticos associados à calcificação valvar. 

A presença de alterações morfológicas da válvula aórtica, como no caso de válvula aórtica bicúspide (VAB), aumenta o risco e velocidade de progressão do processo degenerativo, o que explica a ocorrência de estenose aórtica importante em pessoas mais jovens, notadamente entre 40 e 50 anos de idade. A VAB é uma alteração congênita da válvula aórtica, presente em cerca de 1% a 2% da população, sendo mais prevalente no sexo masculino. Decorre da fusão de 2 cúspides, sendo mais comum a fusão entre as cúspides coronarianas direita e esquerda (70% a 80% dos casos), seguida pela fusão das cúspides coronariana direita e não coronariana (20% a 30% dos casos), sendo raro o envolvimento das cúspides coronariana esquerda e não coronariana. 

Em parte dos casos é possível visualizar uma rafe no local de fusão das cúspides, aparentando a presença de 3 folhetos, mas a abertura valvar durante a sístole ocorre com apenas 2 comissuras. Consequentemente, ocorre alteração da abertura valvar, turbilhonamento do fluxo sanguíneo e aceleração do processo degenerativo da válvula aórtica. Além de resultar em redução do orifício de abertura valvar, o fechamento incompleto também pode causar insuficiência aórtica. A VAB também está associada a doenças da aorta, notadamente com dilatação da aorta ascendente relacionada à degeneração acelerada da camada média da aorta, podendo ocorrer de forma independente da lesão valvar. Além disso, o risco de dissecção de aorta é de 5 a 9 vezes mais alto do que na população em geral. Alguns estudos também têm sugerido uma associação entre a VAB e prolapso da válvula mitral.

Já a estenose aórtica reumática resulta de um processo inflamatório provocado tanto por episódios recorrentes de febre reumática aguda quanto por um processo autoimune crônico causado pela reação cruzada entre uma proteína estreptocócica e o aparato valvar. Ocorre deposição de tecido fibroso no aparato valvar, provocando adesão e fusão das comissuras e cúspides, com enrijecimento e retração das bordas livres dos folhetos valvares. Além disso, ocorre a deposição de nódulos calcificados em ambas as superfícies da válvula, resultando em redução de seu orifício. Devido à presença de retração das cúspides, frequentemente está associada a algum grau de insuficiência aórtica, promovendo dupla lesão valvar. Além disso, na maioria dos casos há também envolvimento, concomitante ou não, da válvula mitral. 

Independente da etiologia da doença valvar, o aumento excessivo da pós-carga provocada pela estenose aórtica sobre o ventrículo esquerdo tipicamente resulta em hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, com espessamento de suas paredes, a princípio mantendo a função sistólica. Em contrapartida, o aumento da massa de miócitos resulta em fibrose intersticial, diminuição da complacência do ventrículo esquerdo e disfunção diastólica. 

Assim, a hipertrofia ventricular gera um aumento do consumo de O2 pelo ventrículo esquerdo e, ao mesmo tempo, a redução do tempo diastólico e o aumento da pressão diastólica do ventrículo esquerdo. Assim, ocorre redução do gradiente de pressão transmiocárdico, resultando em redução da pressão de perfusão coronariana, principalmente na região subendocárdica. Consequentemente, ocorre um desbalanço entre consumo e oferta miocárdica de O2, levando à isquemia e disfunção ventricular.

De maneira interessante, parece haver uma diferença entre sexos no que diz respeito ao remodelamento ventricular na estenose aórtica. Mulheres exibem com mais frequência hipertrofia concêntrica, disfunção diastólica e estresse sistólico da parede ventricular normal ou ligeiramente alterado. Já os homens apresentam com mais frequência hipertrofia excêntrica de ventrículo esquerdo, dilatação de câmaras, estresse sistólico de parede ventricular excessivo e disfunção sistólica. Tais diferenças entre sexos ainda não são bem compreendidas, mas parece haver uma relação com fatores hormonais e expressão gênica relacionada à deposição de colágeno, indução de fibrose e hipertrofia de miócitos.  

Referências

Braunwald

https://www.escardio.org/Journals/E-Journal-of-Cardiology-Practice/Volume-18/epidemiology-of-aortic-valve-stenosis-as-and-of-aortic-valve-incompetence-ai#:~:text=It%20is%20present%20in%20about,years%20and%20older%20%5B13%5D.

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. (2020). 115(4):720-775

Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, Milojevic M, Baldus S, Bauersachs J, Capodanno D, Conradi L, De Bonis M, De Paulis R, Delgado V, Freemantle N, Gilard M, Haugaa KH, Jeppsson A, Jüni P, Pierard L, Prendergast PD, Sádaba JR, Tribouilloy C, Wojakowski W. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease: Developed by the Task Force for the management of valvular heart disease of the European Society of Cardiology (ESC) and the European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS), Eu Heart J. 2022, Volume 43, Issue 7, 14  :561–632 

Chan, K. L., Teo, K., Dumesnil, J. G., Ni, A., Tam, J., & ASTRONOMER Investigators (2010). Effect of Lipid lowering with rosuvastatin on progression of aortic stenosis: results of the aortic stenosis progression observation: measuring effects of rosuvastatin (ASTRONOMER) trial. Circulation121(2), 306–314. https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.109.900027

Cowell, S. J., Newby, D. E., Prescott, R. J., Bloomfield, P., Reid, J., Northridge, D. B., Boon, N. A., & Scottish Aortic Stenosis and Lipid Lowering Trial, Impact on Regression (SALTIRE) Investigators (2005). A randomized trial of intensive lipid-lowering therapy in calcific aortic stenosis. The New England journal of medicine352(23), 2389–2397. https://doi.org/10.1056/NEJMoa043876

Rossebø, A. B., Pedersen, T. R., Boman, K., Brudi, P., Chambers, J. B., Egstrup, K., Gerdts, E., Gohlke-Bärwolf, C., Holme, I., Kesäniemi, Y. A., Malbecq, W., Nienaber, C. A., Ray, S., Skjaerpe, T., Wachtell, K., Willenheimer, R., & SEAS Investigators (2008). Intensive lipid lowering with simvastatin and ezetimibe in aortic stenosis. The New England journal of medicine359(13), 1343–1356. https://doi.org/10.1056/NEJMoa0804602

Iribarren, A. C., AlBadri, A., Wei, J., Nelson, M. D., Li, D., Makkar, R., & Merz, C. N. B. (2022). Sex differences in aortic stenosis: Identification of knowledge gaps for sex-specific personalized medicine. American heart journal plus : cardiology research and practice21, 100197. https://doi.org/10.1016/j.ahjo.2022.100197

 

Assista ao vídeo

Neste primeiro vídeo, a Dra. Fernanda C. Tessari fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da condição.

Continue acompanhando nosso site. Em breve, traremos mais conteúdos sobre o assunto!

 

 

TAVI na Estenose Aórtica de Baixo Risco

Assista ao vídeo

No vídeo “TAVI na estenose aórtica de baixo risco”, Dr. Vitor Rosa traz uma discussão dos resultados do seguimento de 5 anos do estudo PARTNER 3.

Quer saber mais sobre estenose aórtica? Acesse bit.ly/3i_TAVIaortico