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ESTENOSE AÓRTICA: ETIOLOGIAS E FISIOPATOLOGIA

Dra. Fernanda C. Tessari

Descubra como a estenose aórtica afeta o coração e quais são as opções de tratamento disponíveis.

A estenose aórtica está presente em cerca de 12% da população acima dos 75 anos de idade, sendo que, com o envelhecimento, esses números tendem a aumentar ainda mais, com incidência de novos diagnósticos em 5 a cada 1000 pessoas ao ano.

As três principais etiologias da estenose aórtica são: degenerativa ou calcifica, válvula aórtica bicúspide e febre reumática. Outras causas menos comuns englobam doenças congênitas, como válvula aórtica unicúspide, aterosclerose da aorta e válvula aórtica na hipercolesterolemia familiar, lesão actínica (por radioterapia) e obstrução fixa da via de saída do ventrículo esquerdo, como na membrana supra ou subvalvar.

A estenose aórtica degenerativa é a causa mais frequente em adultos idosos.  Atualmente, cerca de 1 a 2% da população, acima de 65 anos, e 12% das pessoas com mais de 75 anos apresentam estenose aórtica degenerativa, sendo que estes números tendem a aumentar nas próximas décadas devido ao envelhecimento da população, principalmente em países desenvolvidos, mas também no Brasil. Alguns fatores de risco cardiovasculares estão associados ao desenvolvimento dessa valvopatia, como idade avançada, obesidade, hipertensão arterial, síndrome metabólica, dislipidemia, tabagismo e disfunção renal.  

O processo de degeneração valvar envolve a injúria e inflamação endotelial, com infiltração lipídica, principalmente de LDL-colesterol e Lp(a), e aumento do estresse oxidativo. Consequentemente, ocorre a atração de células inflamatórias e produção de citocinas que levam à mineralização da matriz extracelular, neovascularização e diferenciação de osteoblastos, resultando na fibrocalcificação do aparato valvar. De maneira contra intuitiva, apesar de compartilhar vias em comum com a fisiopatologia da ateromatose arterial, alguns estudos avaliaram o efeito da redução dos níveis de colesterol na progressão da estenose aórtica com o uso de diferentes estatinas, como os trials SEAS, SALTIRE e ASTRONOMER, mas não demonstraram benefício em retardar a progressão da doença ou evitar procedimentos valvares. Além disso, a ocorrência de Estenose Aórtica em vários membros da mesma família também sugere a participação de componentes genéticos no desenvolvimento da doença, sendo descritos alguns polimorfismos genéticos associados à calcificação valvar. 

A presença de alterações morfológicas da válvula aórtica, como no caso de válvula aórtica bicúspide (VAB), aumenta o risco e velocidade de progressão do processo degenerativo, o que explica a ocorrência de estenose aórtica importante em pessoas mais jovens, notadamente entre 40 e 50 anos de idade. A VAB é uma alteração congênita da válvula aórtica, presente em cerca de 1% a 2% da população, sendo mais prevalente no sexo masculino. Decorre da fusão de 2 cúspides, sendo mais comum a fusão entre as cúspides coronarianas direita e esquerda (70% a 80% dos casos), seguida pela fusão das cúspides coronariana direita e não coronariana (20% a 30% dos casos), sendo raro o envolvimento das cúspides coronariana esquerda e não coronariana. 

Em parte dos casos é possível visualizar uma rafe no local de fusão das cúspides, aparentando a presença de 3 folhetos, mas a abertura valvar durante a sístole ocorre com apenas 2 comissuras. Consequentemente, ocorre alteração da abertura valvar, turbilhonamento do fluxo sanguíneo e aceleração do processo degenerativo da válvula aórtica. Além de resultar em redução do orifício de abertura valvar, o fechamento incompleto também pode causar insuficiência aórtica. A VAB também está associada a doenças da aorta, notadamente com dilatação da aorta ascendente relacionada à degeneração acelerada da camada média da aorta, podendo ocorrer de forma independente da lesão valvar. Além disso, o risco de dissecção de aorta é de 5 a 9 vezes mais alto do que na população em geral. Alguns estudos também têm sugerido uma associação entre a VAB e prolapso da válvula mitral.

Já a estenose aórtica reumática resulta de um processo inflamatório provocado tanto por episódios recorrentes de febre reumática aguda quanto por um processo autoimune crônico causado pela reação cruzada entre uma proteína estreptocócica e o aparato valvar. Ocorre deposição de tecido fibroso no aparato valvar, provocando adesão e fusão das comissuras e cúspides, com enrijecimento e retração das bordas livres dos folhetos valvares. Além disso, ocorre a deposição de nódulos calcificados em ambas as superfícies da válvula, resultando em redução de seu orifício. Devido à presença de retração das cúspides, frequentemente está associada a algum grau de insuficiência aórtica, promovendo dupla lesão valvar. Além disso, na maioria dos casos há também envolvimento, concomitante ou não, da válvula mitral. 

Independente da etiologia da doença valvar, o aumento excessivo da pós-carga provocada pela estenose aórtica sobre o ventrículo esquerdo tipicamente resulta em hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo, com espessamento de suas paredes, a princípio mantendo a função sistólica. Em contrapartida, o aumento da massa de miócitos resulta em fibrose intersticial, diminuição da complacência do ventrículo esquerdo e disfunção diastólica. 

Assim, a hipertrofia ventricular gera um aumento do consumo de O2 pelo ventrículo esquerdo e, ao mesmo tempo, a redução do tempo diastólico e o aumento da pressão diastólica do ventrículo esquerdo. Assim, ocorre redução do gradiente de pressão transmiocárdico, resultando em redução da pressão de perfusão coronariana, principalmente na região subendocárdica. Consequentemente, ocorre um desbalanço entre consumo e oferta miocárdica de O2, levando à isquemia e disfunção ventricular.

De maneira interessante, parece haver uma diferença entre sexos no que diz respeito ao remodelamento ventricular na estenose aórtica. Mulheres exibem com mais frequência hipertrofia concêntrica, disfunção diastólica e estresse sistólico da parede ventricular normal ou ligeiramente alterado. Já os homens apresentam com mais frequência hipertrofia excêntrica de ventrículo esquerdo, dilatação de câmaras, estresse sistólico de parede ventricular excessivo e disfunção sistólica. Tais diferenças entre sexos ainda não são bem compreendidas, mas parece haver uma relação com fatores hormonais e expressão gênica relacionada à deposição de colágeno, indução de fibrose e hipertrofia de miócitos.  

Referências

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Neste primeiro vídeo, a Dra. Fernanda C. Tessari fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da condição.

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