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Aula 01 – Insuficiência Mitral: etiologia e fisiopatologia

No novo episódio do Podcast Triple I, Dr. Renato Nemoto explica a classificação, as principais etiologias e a fisiopatologia da insuficiência mitral. Ouça agora.

O conteúdo faz parte da nossa série “Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral”, que já está com aulas disponíveis aqui no site!

Fundamentos em doenças valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 5: radiografia de tórax e eletrocardiograma

Layara Lipari Vicente

     

A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames complementares de grande importância na investigação das valvopatias. Apesar de não fazererm diagnóstico de insuficiência mitral, trazem pistas importantes, principalmente sobre as repercussões desta valvopatia, quando anatomicamente importante. O eletrocardiograma pode ser usado também para a avaliação da presença de arritmias ventriculares e estratificação de risco no caso do prolapso mitral arritmogênico.

Na insuficiência mitral, a falha no fechamento adequado da valva mitral resulta no refluxo de sangue do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo durante a sístole. Este fenômeno desencadeia uma série de alterações fisiopatológicas como a sobrecarga de átrio esquerdo (que aumenta o risco de fibrilação atrial) e sobrecarga de ventrículo esquerdo (por sobrecarga de volume).

Na radiografia de tórax é importante procurar sinais de dilatação do átrio esquerdo como o duplo contorno atrial e o sinal da bailarina (o aumento do átrio esquerdo empurra o brônquio-fonte esquerdo, gerando aumento do ângulo infracarinal). Pode haver, ainda, sinais de congestão, geralmente bilateral, porém, em alguns casos, assimétrica: devido ao eixo anatômico do ventrículo esquerdo e ao grande volume de sangue bombeado na sístole (decorrente também da sobrecarga atrial), o refluxo de sangue através da valva mitral na insuficiência mitral aguda tende a direcionar-se preferencialmente para a direita e para cima (veia pulmonar superior direita – que drena os lobos superior e médio direitos), causando, assim, uma congestão venosa assimétrica (principalmente em campo pulmonar superior direito).

A radiografia de tórax permite também a avaliação etiológica em alguns casos de doença calcífica com a presença de calcificação anular na topografia do anel mitral (MAC – Mitral Annular Calcification). Para os pacientes que já fizeram alguma intervenção valvar, podemos ver sinais ao exame, como fios de sutura do esterno e mesmo o aro da prótese e os clipes usados no reparo mitral percutâneo (TEER – Mitral Transcatheter Edge-to-Edge Repair).

Ao eletrocardiograma, podemos encontrar sinais de sobrecarga de câmaras esquerdas e, em alguns casos, fibrilação atrial. A avaliação inicial do ECG abrange a avaliação de ritmo: em primeiro lugar, procuramos identificar um ritmo sinusal (onda P positiva em D1 e aVF e toda onda p conduz um QRS). Posteriormente, avaliamos o intervalo PR e sinais de sobrecargas de câmaras. Quando a sobrecarga de átrio esquerdo e consequente alteração estrutural leva à distorção do sistema de condução atrial, pode haver evolução para fibrilação atrial: o ritmo deixa de ser sinusal e podemos observar o padrão de ondas f na linha de base e RR irregular.

A sobrecarga de átrio esquerdo pode ser identificada no eletrocardiograma pela presença de uma onda P alargada nas derivações inferiores (II, III e aVF). Além disso, outro sinal clássico é o Sinal de Morris: uma onda P negativa em V1 com duração maior que 40 ms e uma amplitude negativa de pelo menos 1 mm (ou seja, área maior ou igual a 1mm²).

Já para buscar sobrecarga de ventrículo esquerdo, temos diversos critérios e geralmente usamos mais de um para esta avaliação. 

  • Sokolow-Lyon: Onda S em V1 + R em V5 ou V6 (o que for maior) = positivo quando acima de 40 em jovens e 35 para os demais pacientes. 
  • Índice de Cornell = R de aVL + S de V3 = positivo quando superior a 20 em mulheres e 28 em homens.
  • Peguero-Lo Presti = Maior S em qualquer derivação + S de V4 = positivo quando maior ou igual a 23mm em mulheres e 28mm em homens. O interessante desse critério é que leva em consideração a orientação espacial do coração do paciente, que pode ser um pouco desviada.
  • Padrão de strain nas derivações esquerdas = Presença da inversão de onda T com infradesnivelamento do segmento ST.
  • Critérios de Romhilt-Estes = positivo na soma de 5 pontos:

– 3 pontos: QRS (>20mm plano frontal e 30mm horizontal); strain na ausência de ação digitálica; e índice de Morris (aumento da duração da onda P maior que 1mm e da amplitude da onda p também superior a 1mm vistos em V1, denota sobrecarga de átrio esquerdo).

– 2 pontos: desvio do eixo elétrico do QRS além de -30º.

– 1 ponto: Tempo de Ativação Ventricular ou deflexão intrinsecoide >40ms (definida como o tempo desde o início do QRS até o pico da onda R); duração QRS (> 90 ms) em V5 e V6; e padrão strain sob ação do digital.

 

Todos estes critérios se correlacionam com a presença de sobrecarga de ventrículo esquerdo, seja por insuficiência mitral (primária ou secundária) ou outra etiologia. 

Além disso, uma etiologia possível da insuficiência mitral é a secundária a infarto agudo do miocárdio. Nesse caso, podemos identificar os sinais de isquemia aguda, como o supradesnivelamento do segmento ST, ou zonas eletricamente inativas referentes a um infarto antigo. 

Finalmente, vale a pena ressaltar um tema que vem ganhando cada vez mais atenção, que é o prolapso mitral arritmogênico. O prolapso mitral arritmogênico é uma apresentação de prolapso mitral associada a um risco aumentado de arritmias ventriculares e morte súbita cardíaca. Estudos observacionais recentes sugerem que a morte súbita cardíaca relacionada ao prolapso mitral, devido a arritmias ventriculares sustentadas, pode ocorrer com uma frequência anual estimada de 0,2% a 1,9%. Esta condição é caracterizada por várias alterações, incluindo disjunção do anel mitral, folhetos mixomatosos e redundantes, e fibrose ventricular. No eletrocardiograma, são observadas alterações de repolarização, como inversão da onda T nas derivações inferolaterais, prolongamento de intervalo QTc e extrassístoles ventriculares frequentes, muitas vezes originadas dos músculos papilares ou da via de saída do ventrículo esquerdo (morfologia de bloqueio de ramo direito). 

O diagnóstico de prolapso mitral arritmogênico requer a confirmação da presença de prolapso mitral, com ou sem disjunção do anel mitral. É necessário também identificar arritmias ventriculares, que podem ser frequentes (com densidade de extrassístoles ventriculares igual ou superior a 5% do total no holter) ou complexas (incluindo taquicardia ventricular não sustentada, taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular). Além disso, é essencial excluir a presença de outros substratos arrítmicos bem definidos que possam explicar as arritmias observadas. Essas manifestações ao eletrocardiograma — inversão de onda T, prolongamento do intervalo QTc e arritmias ventriculares — são essenciais para a estratificação de risco e o manejo dos pacientes com prolapso mitral arritmogênico.

 

Referências:

  1. Eletrocardiograma em 7 aulas – Temas avançados e outros métodos – Friedmann 2ª edição, editora Manole.
  2. Pastore, CA et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Brasileiros de Cardiologia. 2016, v. 106, n. 4 Suppl 1. https://doi.org/10.5935/abc.20160054.
  3. Wave-maven ECG (https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/displist.asp?ans=1)
  4. https://radiopaedia.org/
  5. https://www.cardiosurgerypost.com/single-post/2017/08/29/anatomia-da-valva-mitral-conceitos-b%C3%A1sicos-e-armadilhas-cir%C3%BArgicas
  6. Deng Y, Liu J, Wu S, Li X, Yu H, Tang L, Xie M, Zhang C. Arrhythmic Mitral Valve Prolapse: A Comprehensive Review. Diagnostics (Basel). 2023 Sep 6;13(18):2868. doi: 10.3390/diagnostics13182868. 
  7. Avi Sabbag, et al, EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society, EP Europace, Volume 24, Issue 12, December 2022, Pages 1981–2003, https://doi.org/10.1093/europace/euac125

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A radiografia de tórax e o eletrocardiograma são exames que não fecham o diagnóstico de insuficiência mitral, mas são extremamente importantes para ajudar a definir a causa, fatores e complicações associados.

Este é o tema da aula 5 do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral. Desta vez, conduzida pela Dra. Layara Lipari.

Fundamentos em doenças valvares: tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral Aula 4: prolapso arritmogênico

Vitor Emer Egypto Rosa

     

O prolapso de válvula mitral apresenta um risco de arritmias e morte súbita diferente de outras valvopatias, cerca de 3 vezes maior que a população geral. A fisiopatologia desses eventos arrítmicos pode ser explicada pelo estresse físico que o prolapso gera nos músculos papilares e na parede inferior do ventrículo esquerdo, gerando pequenos focos de fibrose. Além disso, a disjunção do anel mitral (inserção anormal do anel mitral na parede atrial), usualmente associada ao prolapso, parece intensificar esse processo. Dessa forma, existe uma necessidade em identificar os pacientes com maior risco de morte súbita (denominados portadores de prolapso arritmogênico maligno), daqueles sem arritmia ou com baixo risco de morte súbita. 

O primeiro passo é suspeitar do prolapso arritmogênico maligno naqueles pacientes que apresentam sintomas como palpitações ou síncope não explicada. Nesses casos, devemos realizar o holter, que definirá o componente arritmogênico naqueles com densidade de extrassístoles ventriculares >5%, taquicardia ventricular (TV) não sustentada, TV sustentada ou fibrilação ventricular. De maneira intuitiva, aqueles com fibrilação ventricular, TV sustentada ou TV com frequência >180 bpm são considerados de alto risco e devem ser avaliado de acordo com as diretrizes sobre tratamento de tais arritmias, independente da doença valvar. 

Já aqueles pacientes sem sinais de alto risco na avaliação inicial, devemos verificar outras características também associadas a pior prognóstico, como: onda T invertida em parede inferior, extrassístoles múltiplas e polimórficas, disjunção do anel mitral, cúspides redundantes, aumento do átrio esquerdo, fração de ejeção menor que 50% e presença de realce tardio. Na presença de 2 ou mais dessas características, devemos reavaliar constantemente tais pacientes em busca de arritmias complexas e/ou de alto risco de morte súbita.

Em relação ao tratamento, as evidências são frustras, mas existem algumas possibilidades:

  1. Tratamento medicamentoso: o uso de betabloqueadores é preferido e indicado, a despeito da carência de evidências na literatura.
  2. CDI: não há evidências contundentes para indicação de CDI para aqueles que não se incluem nas indicações previstas pelas diretrizes de implante de marca-passo/CDI. As recomendações atuais são de individualização, discutindo riscos e benefícios com pacientes e familiares.
  3. Ablação: procedimento tecnicamente difícil, porém pode ser indicado na tentativa de redução dos eventos arrítmicos.
  4. Intervenção cirúrgica mitral: apesar da evidência de redução das arritmias com a cirurgia valvar, não existem evidências para intervir apenas com o intuito de reduzir as arritmias, ou seja, pacientes sem indicação de intervenção definida pela doença valvar em si não devem ser submetidos à cirurgia apenas pela arritmia. 

Referências:

Sabbag A et al. EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed by the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace. 2022 Dec 9;24(12):1981-2003. 

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No novo conteúdo, Dr. Vitor Rosa explica o prolapso arritmogênico: como identificar e conduzir cada caso.

Insuficiência Mitral: como definir a etiologia e gravidade anatômica pelo exame físico

 Dr. João Ricardo Fernandes

         A Insuficiência Mitral (IM), cuja incidência aumenta com a idade, pode ocasionar, na sua história natural, repercussões anatômicas e hemodinâmicas significativas e muitas vezes irreversíveis. Por esses motivos, sua adequada identificação e quantificação são primordiais para decisão terapêutica.

         Apesar do ecocardiograma ser imprescindível na avaliação das doenças valvares, um exame físico detalhado tem papel fundamental na identificação inicial da valvopatia e na definição de sua gravidade anatômica, além de ajudar na determinação da etiologia.

A IM pode ser primária, quando há lesão ou acometimento de um ou ambos os folhetos valvares, ou secundária, a qual se caracteriza pela presença de cúspides e cordas estruturalmente normais. Dentre as etiologias primárias, a IM reumática e a IM degenerativa ou prolapso valvar mitral (PVM) destacam-se.

         A ausculta de um sopro cardíaco, através do estetoscópio, deve sempre ser acompanhada da palpação concomitante de pulso central ou periférico. A identificação de um sopro sistólico, ou seja, que acontece de maneira síncrona à palpação do pulso, que ocupa toda a sístole (holossistólico), mais audível na área mitral (5º espaço intercostal esquerdo, linha hemiclavicular) e com timbre caracterizado como “jato de vapor”, denota a presença de uma regurgitação mitral.

         Para definirmos se uma IM primária é anatomicamente importante através do exame físico, algumas das características propedêuticas abaixo devem estar presentes. Tais características denotam a presença de um jato de regurgitação mitral importante e/ou a ocorrência de complicações anatômicas e hemodinâmicas secundárias à IM. Dentre elas, podemos destacar:

  1. Impulso apical (ictus cordis) dinâmico, alargado e deslocado para a esquerda ou para baixo, sugerindo remodelamento ventricular esquerdo;
  2. Sopro sistólico regurgitativo 4+ ou mais (ou seja, com frêmito palpável);
  3. Irradiação do sopro para linha axilar posterior;
  4. Segunda bulha (B2) hiperfonética, sugerindo hipertensão pulmonar;
  5. Presença de terceira bulha (B3);
  6. Presença de sinais de congestão pulmonar e/ou sistêmica.

         Por outro lado, o sopro associado à IM secundária, especialmente em pacientes com função sistólica do ventrículo esquerdo reduzida, é geralmente de baixa intensidade e pode ser de difícil identificação na ausculta cardíaca.

         Além da gravidade anatômica, no exame físico de um paciente portador de IM, podemos também definir ou sugerir a sua etiologia. O PVM, principal etiologia de IM no mundo, tem achados peculiares à ausculta cardíaca. Destacam-se aqui a presença de uma primeira bulha (B1) normofonética (diferentemente da IM reumática, onde a B1 é comumente hipofonética ou inaudível), associada a um clique protossistólico e um sopro mesotelessistólico. Com o avançar da história natural da IM, pode haver ruptura de cordas principais, tornando a B1 hipofonética ou até mesmo inaudível, e o sopro holossistólico.

         A cúspide acometida no PVM também pode ser identificada pela ausculta cardíaca. Sopros associados à cúspide anterior têm irradiação para axila e região infraescapular esquerda, enquanto que sopros associados ao prolapso da cúspide posterior irradiam para a região anterior do tórax, podendo algumas vezes ser confundidos com sopro sistólico aórtico.

Em suma, apesar do grande avanço de novos métodos de imagem para o diagnóstico e quantificação da IM, o exame físico, e em especial a ausculta cardíaca, ainda tem papel crucial na identificação, definição da gravidade anatômica e avaliação da etiologia da IM.

 

Referências:

  1. Mann DL, Zipes DP, Libby P, Bonow RO, editors. Braunwald’s Heart Disease: A Textbook of Cardiovascular Medicine. 12th ed. Elsevier; 2021.
  2. Bonow RO, O’Gara PT, Adams DH, Badhwar V, Bavaria JE,Elmariah S, Hung JW, Lindenfeld J, Morris AA, Satpathy R, Whisenant B, Woo YJ. 2020 focused update of the 2017 ACC expert consensus decision pathway on the management of mitral regurgitation. J Am Coll Cardiol 2020;75:2236–70.
  3. Vahanian A, Beyersdorf F, Praz F, Milojevic M, Baldus S, Bauersachs J, et al. 2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease. Eur Heart J. 2021;42(36):4077-4174.

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Vamos assistir a mais uma aula do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral!

No vídeo de hoje, Dr. João Ricardo Fernandes explica como é possível definir a gravidade anatômica e a etiologia através do exame físico. Confira!

 

Insuficiência Mitral: Quais os sintomas e por que surgem?

Fernanda Castiglioni Tessari | Lynnie Arouca

Na insuficiência mitral primária crônica, ocorre uma sobrecarga de volume nas câmaras esquerdas e, com a progressão da doença, o excesso de volume descrito levará ao aumento da pressão de enchimento no átrio esquerdo. Considerando que não existe uma válvula que isole o átrio esquerdo da circulação pulmonar, a sobrecarga se refletirá na elevação da pressão venocapilar pulmonar, gerando, com isso, o surgimento de edema alvéolo-intersticial que prejudicará as trocas gasosas, ocasionando o sintoma de dispneia e fadiga. Em fases mais iniciais, os sintomas podem surgir apenas em situações que aumentam a pressão venocapilar pulmonar, como no esforço físico ou durante a gestação, por exemplo. Com a evolução, o paciente passa a apresentar dispnéia aos mínimos esforços ou até em repouso, ortopneia e dispneia paroxística noturna.

Se a insuficiência mitral primária crônica não for tratada, a persistência desses mecanismos leva à progressão da hipertrofia excêntrica, podendo levar ao remodelamento ventricular excessivo, com fibrose intersticial e redução da capacidade contrátil do VE, gerando disfunção ventricular esquerda e intensificação dos sintomas de insuficiência cardíaca.

Em fases mais avançadas da doença também pode haver remodelamento da circulação pulmonar com hipertensão pulmonar mista e repercussão em câmaras direitas, com insuficiência tricúspide e disfunção ventricular direita. Nesse momento, o paciente pode cursar com piora do edema periférico, ascite, fadiga, hemoptise, dentre outros sintomas de insuficiência cardíaca direita. 

Paralelamente, remodelamento atrial mencionado pode levar à instabilidade elétrica e surgimento de arritmias atriais, em especial a fibrilação atrial. Assim, dentre os possíveis sintomas associados a essa valvopatia, a presença de palpitações e a ocorrência de fenômenos embólicos (como AVC/AIT, obstrução arterial periférica aguda e abdome agudo vascular) podem acontecer.

Do mesmo modo, no caso da insuficiência mitral secundária, a regurgitação mitral pode contribuir para a intensificação ou dificultar o controle dos sintomas de insuficiência cardíaca provocados pela doença de base, com piora da dispneia, intolerância aos esforços e sinais de baixo débito cardíaco.  

Devemos também estar atentos aos pacientes portadores de prolapso de válvula mitral. Em alguns casos, ele pode se apresentar no formato de uma entidade denominada prolapso arritmogênico. Nesses pacientes, a presença de fibrose miocárdica, notadamente nos músculos papilares, causada pelo tracionamento das cordoalhas tendíneas, leva a eventos arrítmicos ventriculares. Esses eventos variam desde extrassístoles ventriculares frequentes ( 5%) – que podem se manifestar clinicamente com palpitações – até arritmias ventriculares complexas (TVNS, TV e FV) – podendo desencadear episódios de síncope ou mesmo morte súbita. Desse modo, sempre que houver sintomas de palpitações e/ou síncope no contexto de prolapso de válvula mitral, é importante se atentar ao rastreio do prolapso arritmogênico, mesmo na ausência de refluxo mitral importante.

Assim, entendendo a origem dos principais sintomas na insuficiência mitral, fica simples compreender quais são eles. Resumidamente, então, podem acontecer: palpitações (por fibrilação atrial e/ou prolapso arritmogênico), dispneia e fadiga (por congestão venocapilar pulmonar e redução do débito cardíaco), síncope (no contexto do prolapso arritmogênico) e fenômenos embólicos (secundários à fibrilação atrial). 

 

Referências bibliográficas

El Sabbagh, A., Reddy, Y. N. V., & Nishimura, R. A. (2018). Mitral Valve Regurgitation in the Contemporary Era: Insights Into Diagnosis, Management, and Future Directions. JACC. Cardiovascular imaging, 11(4), 628–643. https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2018.01.009

 

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047

 

Sabbag, A., Essayagh, B., Barrera, J. D. R., Basso, C., Berni, A., Cosyns, B., Deharo, J. C., Deneke, T., Di Biase, L., Enriquez-Sarano, M., Donal, E., Imai, K., Lim, H. S., Marsan, N. A., Turagam, M. K., Peichl, P., Po, S. S., Haugaa, K. H., Shah, D., de Riva Silva, M., … Lancellotti, P. (2022). EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace: European pacing, arrhythmias, and cardiac electrophysiology : journal of the working groups on cardiac pacing, arrhythmias, and cardiac cellular electrophysiology of the European Society of Cardiology, 24(12), 1981–2003. https://doi.org/10.1093/europace/euac125

 

Insuficiência Mitral: quais são os sintomas e por que surgem?

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Mais uma aula do nosso curso Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral está disponível. No novo conteúdo, a Dra. Lynnie Arouca explica quais são os sintomas da valvopatia, como identificá-las e o porquê surgem.

Confira o artigo aqui!

Etiologia e Fisiopatologia da Insuficiência Mitral

Renato Nemoto

A insuficiência mitral pode ser primária, causada por alterações estruturais das válvulas, cordas tendíneas ou músculos papilares, ou secundária, devido à dilatação atrial ou ventricular.

Etiologia

A insuficiência mitral (IM) é dividida em:

Primária: quando o problema ocorre nas cúspides, cordoalhas tendíneas, músculos papilares e/ou anel valvar, sendo as principais etiologias o prolapso mitral, doença reumática e degenerativa (MAC – mitral anullus calcification). 

Secundária: decorrente da dilatação atrial e/ou ventricular

A classificação de Carpentier divide as principais causas de IM primária e secundária, como vemos a seguir. 

1) Na IM primária:

– Tipo I: apresenta movimentação e posição normais das cúspides, sendo a regurgitação decorrente de uma perfuração nos folhetos, na maioria das vezes secundária a uma endocardite infecciosa. 

– Tipo II: ocorre por movimento excessivo dos folhetos, sendo o protótipo o prolapso mitral. É uma degeneração mixomatosa das cúspides, com excesso de tecido em um ou mais escalopes das cúspides, ocasionando uma alteração de conformação e movimentação em direção ao átrio esquerdo. As cordoalhas em geral são alongadas, e o anel mais dilatado do que o normal. Quando essa cúspide fica instável, pela ruptura de cordoalhas tendíneas, e ocorre o deslocamento da ponta do folheto em direção ao átrio esquerdo, temos o flail, uma forma mais avançada do prolapso mitral. Quando a degeneração mixomatosa atinge vários segmentos, temos a doença de Barlow, com vários segmentos redundantes, gerando uma válvula por vezes completamente distorcida.

– Tipo IIIA: há uma restrição de mobilidade dos folhetos tanto na sístole quanto na diástole. Ocorre na doença reumática, pela distorção dos folhetos e aparato valvar gerada pelo acometimento reumático, e também na doença degenerativa (calcífica), que quando acomete o anel mitral, é denominada MAC.

2) Na IM secundária:

– Tipo I: envolve a IM atrial, quando a regurgitação é secundária à dilatação do átrio esquerdo (principalmente pela fibrilação atrial) ou pela dilatação ventricular secundária a uma cardiomiopatia não-isquêmica.

– Tipo IIIB: é a IM secundária à dilatação ventricular secundária à miocardiopatia isquêmica.

Outras causas de IM incluem alterações congênitas, como o cleft, e medicamentosa (ergotamina, bromocriptina, cabergolina).

Fisiopatologia

Na IM, o fluxo de sangue que vai do ventrículo esquerdo para o átrio esquerdo na sístole causa uma sobrecarga de volume para o ventrículo esquerdo, átrio esquerdo, capilares pulmonares e assim por diante. Para manter a complacência e acomodar cada vez mais volume, há um aumento dos sarcômeros, ocasionando aumento dos diâmetros do ventrículo esquerdo e, com a evolução, hipertrofia excêntrica. Esse aumento do ventrículo esquerdo inicialmente mantém a fração de ejeção preservada, mas à medida que a doença progride, a tensão na parede do ventrículo esquerdo aumenta, a pós-carga aumenta, e a contratilidade reduz, causando queda na fração de ejeção. 

O átrio esquerdo terá um aumento do seu diâmetro e volume, para aumentar a complacência e redução das pressões pulmonares. Com a progressão da doença e consequente congestão retrógrada, há aumento da pressão arterial pulmonar, podendo causar disfunção das câmaras direitas e insuficiência tricúspide em fases mais avançadas.

 

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Insuficiência Mitral: etiologia e fisiopatologia

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Hoje começamos mais uma série de conteúdos especiais: Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre Insuficiência Mitral.

Vamos trazer até você tópicos diversos abordando todos os aspectos referentes a essa valvopatia. Neste primeiro vídeo, Dr. Renato Nemoto fala sobre a etiologia e a fisiopatologia da condição.

Em breve, traremos mais temas sobre o assunto – acompanhe!

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Fim da linha para os DOACs nas próteses mecânicas?

Renato Nemoto

Este artigo discutirá o avanço das próteses mecânicas no mundo moderno. Saiba quais são os Benefícios e Desvantagens dos diferentes tipos de próteses para usuários.

Não há dúvidas que os pacientes que possuem prótese valvar mecânica estão mais sujeitos a trombose de prótese, necessitando de anticoagulação contínua. Atualmente, a única opção validada pelos estudos é a varfarina, sabidamente difícil de utilizar na prática por seu ajuste de dose individualizado, infindável número de interações medicamentosas e alimentares, além da possibilidade de episódios de intoxicação com risco de sangramentos. Desde o surgimento dos anticoagulantes diretos (DOACs – rivaroxabana, edoxabana, apixabana e dabigatrana), tenta-se validar seu uso para esse cenário, o que significaria pelo menos maior comodidade aos pacientes.

Um estudo chamado Re-ALIGN comparou o uso da dabigatrana em pacientes com prótese mecânica aórtica ou mitral versus a varfarina e foi interrompido precocemente devido ao maior número de eventos tanto tromboembólicos quanto de sangramento com o DOAC.

Foi desenvolvida uma prótese mecânica chamada On-X, planejada e construída com material e características que reduzem o turbilhonamento de sangue, reduzindo a chance de trombose e, pelo estudo inicial (PROACT), toleraria inclusive uma menor dose de varfarina, com faixa de INR entre 1,5 e 2,0 para posição aórtica. A partir daí, foi desenhado um estudo para avaliar se os pacientes portadores dessa prótese poderiam ser anticoagulados com DOAC.

O estudo PROACT-Xa foi multicêntrico, aberto, de não inferioridade:

  • Apixabana (maior dose possível de acordo com idade, peso e creatinina) vs varfarina (INR entre 2-3)
  • Prótese mecânica aórtica implantada há menos de 3 meses (menor chance de trombose do que posição mitral)
  • 94% estavam em uso concomitante de AAS

Desfechos:

  • primário: composto de trombose de prótese ou embolia associada à prótese
  • secundários: sangramentos maiores e menores

O estudo foi interrompido precocemente (863 pacientes foram avaliados) devido a um maior número de eventos tromboembólicos no grupo da apixabana (20 vs 6). A não inferioridade não foi alcançada, e a taxa de sangramento foi semelhante entre os grupos.

Como conclusão, não há perspectivas ainda para o uso de DOACs nos pacientes com prótese valvar mecânica. O cenário do estudo era o mais promissor até hoje, devido às características da prótese e avaliação somente da posição aórtica. Mesmo assim, a apixabana não demonstrou segurança, restando a varfarina como única opção segura e eficaz nesse perfil de pacientes.

Emergências em Valvopatias: Como manejar um paciente com Insuficiência Mitral no Departamento de Emergência?

Renato Nemoto

Seguindo com a série de tratamento de valvopatias no Departamento de Emergência, chegamos agora na Insuficiência Mitral, valvopatia que gera uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, causando congestão a partir dessa câmara.

Seguindo com a série de tratamento de valvopatias no Departamento de Emergência, chegamos agora na Insuficiência Mitral, valvopatia que gera uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, causando congestão a partir dessa câmara.

Quando crônica, ocorre remodelamento excêntrico do ventrículo esquerdo, átrio esquerdo, e congestão pulmonar. Quanto maior o tempo de evolução, maior a chance de hipertensão pulmonar. A dilatação do átrio esquerdo favorece o surgimento de arritmias atriais, podendo apresentar no Departamento de Emergência fibrilação atrial de alta resposta, taquicardia atrial, dentre outras. Caso estável, a preferência em geral é por controle de frequência cardíaca devido remodelamento cardíaco, e se a arritmia gera instabilidade hemodinâmica, deve-se proceder à cardioversão elétrica.

Quando a apresentação é com insuficiência cardíaca, a abordagem se dá com diureticoterapia e vasodilatação, para redução das pressões de enchimento, redução da fração regurgitante e alívio da congestão. A redução da frequência cardíaca objetivando FC em torno de 50-60bpm é deletéria, pois gera o aumento da fração regurgitante, piorando a congestão. Em caso de choque cardiogênico, a associação de inotrópicos, suporte ventricular esquerdo, como o balão intra-aórtico, são efetivas como suporte até resolução da valvopatia.

Já quando a Insuficiência mitral é aguda, as consequências são diferentes. As principais causas de IMi aguda são endocardite infecciosa, isquêmica, ruptura espontânea de cordoalha, trauma, ruptura de prótese, pós procedimentos percutâneos. A sobrecarga nas câmaras esquerdas ocorre de forma abrupta, não tendo o VE e o AE tempo para se adaptar. Dessa maneira, com a pouca complacência quando comparado com a IMi crônica, o resultado é congestão pulmonar, na maioria das vezes edema agudo de pulmão e instabilidade hemodinâmica. A abordagem também envolve diureticoterapia, vasodilatação se possível, inotrópicos e suporte ventricular esquerdo.

O tratamento definitivo é cirúrgico, ficando o tratamento percutâneo (MitraCLip) para os casos de alto ou proibitivo risco cirúrgico, tendo inclusive alguma evidência em casos de choque cardiogênico (https://triplei.com.br/mitraclip-no-tratamento-de-choque-cardiogenico/).

 

Referências:

Accorsi, TAD et al. Emergências Relacionadas à Doença Valvar Cardíaca: Uma Revisão Abrangente da Abordagem Inicial no Departamento de Emergência. Arq. bras. cardiol ; 120(5): e20220707, 2023.