A cirurgia precoce, ou early surgery, em insuficiëncia mitral é um termo usado para referir-
se à indicação cirúrgica para pacientes com insuficiência mitral importante assintomática e
sem complicadores clássicos: fração de ejeção do ventrículo esquerdo inferior a 60%,
diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo inferior a 40mm, ausência de fibrilação atrial e de
hipertensão pulmonar.
Tal cirurgia precoce consiste em uma cirurgia conservadora, com plástica da valva mitral.
Assim, é fundamental que a anatomia valvar seja favorável e que o tratamento cirúrgico
ocorra em uma instituição que seja centro de excelência em plástica mitral. Os centros de
excelência são avaliados pela presença de mortalidade em 30 dias inferior a 1%,
complicações maiores inferiores a 2%, taxa de sucesso superior a 90% (ou 95% nos casos
de acometimento do segmento P2) e presença de insuficiência mitral importante residual
igual ou inferior a 5% em 5 anos.
Do lado oposto, existe ainda a conduta de Watchful Waiting, que consiste no seguimento
clínico individualizado ao paciente, no intuito de detectar precocemente o surgimento de
sintomas e/ou complicadores. Cabe especificar que, caso seja esta a conduta de escolha, a
vigilância do paciente deve ser feita de forma ativa com a realização de avaliação clínica,
eletrocardiograma e ecocardiograma a cada 6 meses ou mais precocemente em caso de
sintomas.
Apesar de ser a conduta preferencial nas diretrizes nacionais e internacionais, os principais
trabalhos sobre early surgery estão sujeitos a algumas críticas. Em dois deles, foi
observada redução de eventos combinados no grupo submetido a cirurgia precoce. Os
eventos agrupados nesse desfecho primário incluíam o desenvolvimento de sintomas de
insuficiência cardíaca, que não corresponde a um marcador de evolução desfavorável, mas
sim uma mudança de categoria do paciente, que não deve ser mais avaliado para Watchful
Waiting ou Early Surgery, mas sim para intervenção cirúrgica com indicação pela presença
de sintomas. Além disso, em um desses trabalhos, não houve diferença entre os grupos
com relação à mortalidade cardiovascular. Ademais, a maior crítica para ambos os estudos
é o conceito de Watchful Waiting, que não foi aplicável no grupo que se manteve em
seguimento clínico, pois as avaliações eram feitas a cada 6 ou 12 meses, presencialmente
ou por telefone.
Um terceiro trabalho sobre o tema também mostrou benefícios para o grupo de cirurgia
precoce, contudo o grupo de seguimento clínico novamente não representava o que
classificamos como seguimento individualizado e ativo, uma vez que era realizado a critério
do clínico e não há mais informações sobre este seguimento. Foram incluídos também
neste trabalho pacientes com fibrilação atrial e hipertensão pulmonar, que são indicações
atuais de abordagem cirúrgica com nível de evidência IIa B e, portanto, tais pacientes não
podem ser classificados como cirurgia precoce.
Ambas as condutas apresentam evidências favoráveis e desfavoráveis. Contudo, não há
nenhum trabalho prospectivo head-to-head comparando as duas estratégias. Os estudos
desenvolvidos até o momento apresentam algumas limitações na execução, metodologia ou
mesmo seleção de pacientes, de modo que não há indicação ou contraindicação inequívoca
e a decisão deve ser individualizada, contando com o apoio do Heart Team e compartilhada
com o paciente.
À luz das evidências atuais, a Diretriz Brasileira de Valvopatias de 2020 estabelece a
indicação de cirurgia precoce para pacientes com insuficiência mitral importante
assintomáticos, sem complicadores, com prolapso mitral e anatomia favorável em nível de
evidência IIa, assim como as diretrizes americana e europeia.