Colchicina na Prevenção Secundária da Doença Coronária – Análise Crítica dos Estudos LODOCO2, COLCOT e CLEAR SYNERGY OASIS-9

Dra. Luhanda Monti

A inflamação exerce um papel central na patogênese do desenvolvimento, instabilidade e ruptura da placa aterosclerótica na doença arterial coronária (DAC). Apesar dos avanços terapêuticos, pacientes com DAC permanecem sob alto risco de eventos cardiovasculares futuros, sobretudo após sofrerem infarto agudo do miocárdio (IAM), ao que chamamos de risco residual. Diversos estudos reportam que mesmo com os fatores de risco tradicionais controlados e LDL na meta terapêutica, ainda há elevado risco de eventos atribuídos à inflamação crônica residual.  Dessa forma, uma miríade de pesquisas em andamento para preencher esta lacuna. 

Três grandes estudos recentes – LODOCO2, COLCOT e CLEAR SYNERGY OASIS-9 – buscaram elucidar o papel da colchicina neste cenário. LODOCO 2 no cenário de DAC crônica e COLCOT nos agudos, foram positivos em termos prognósticos. Os resultados foram  guiados por redução de IAM e revascularização, sem diferença em mortalidade. Nesse cenário a colchicina foi  aprovada pelo FDA, passando a ser a única droga capaz de reduzir o risco inflamatório residual. Inicialmente com recomendação classe 2b pela diretriz americana de DAC, mais recentemente, recebeu um upgrade para 2a pela última diretriz europeia de DAC crônica. Todavia, para a surpresa de todos, o estudo CLEAR SYNERGY, apresentado do congresso TCT em Washington D.C, não mostrou benefício prognóstico da colchicina iniciada após 72 hora da intervenção coronária percutânea (ICP)  no contexto de pós IAM.  Esses resultados divergentes suscitam questões importantes que merecem uma análise crítica aprofundada e condutas individualizadas na prática. 

Contextualização da teoria inflamatória

O entendimento de que a aterosclerose coronariana é um processo ativo, de incorporação de LDL e cuja inflamação está presente em todas as fases da doença coronária aterosclerótica, data meados do século XIX, sendo corroborado nos anos 1980, após a descoberta de macrófagos e linfócitos T. O ensaio clínico randomizado Canacinumabe Antiinflammatory Thrombosis Outcomes Study (CANTOS), o primeiro a estabelecer a prova de conceito da teoria inflamatória,  demonstrou que em pacientes com histórico de infarto e proteína C reativa  (PCR)  ≥2, a inibição da interleucina-1β ( citocina chave na sinalização de IL-6, um dos fatores mais importantes do complexo imune-inflamatório, que determina o crescimento da placa de ateroma e sua ruptura) pelo anticorpo monoclonal injetável canacinumabe, reduziu o risco de eventos cardiovasculares (CV) em 15% vs.  placebo, sem impactar os níveis de colesterol, embora com a ressalva de aumento ligeiro na incidência de infecções fatais. Em contrapartida, o metotrexato não afetou os resultados CV ou os marcadores inflamatórios no Cardiovascular Inflammation Reduction Trial (CIRT). Desde então, a busca por terapias anti-inflamatórias eficazes na prevenção secundária e redução do risco residual inflamatório tem sido um campo de intensa investigação nas últimas décadas. 

A colchicina emergiu como um candidato promissor, visto que é uma droga barata, com efeitos colaterais não fatais, geralmente bem tolerada e com um potente efeito anti-inflamatório. A droga exerce sua ação anti inflamatória por diversas vias, como a inibição da polimerização da tubulina e  geração de microtúbulos, reduzindo a ativação e migração de neutrófilos aos locais de inflamação. Além disso, vários estudos reportam sua ação em reduzir a ativação do inflamassoma NLRP3, uma plataforma multiproteica que ativa a caspase-1, responsável pela maturação de citocinas pró-inflamatórias como a interleucina-1β (IL-1β), IL-18 e IL-6. Estudos sugerem que a diminuição de IL-1β e  IL-6 (altamente aterogênica), além da inibição de moléculas de adesão, reduz a resposta inflamatória crônica que contribui para a progressão da aterosclerose e a instabilidade das placas coronárias. No sangue, é possível dosar a PCR ultrassensível, que tem relação linear com o aumento do risco CV.

LODOCO2 e COLCOT: Promessa de um Novo Paradigma

Os estudos LODOCO2 e COLCOT publicados em 2020 e 2019, respectivamente,  trouxeram resultados positivos. O LODOCO2, focado em pacientes com DAC crônica estável, demonstrou redução de 31% no risco relativo de eventos CV. De forma similar, o COLCOT, realizado em pacientes pós-infarto recente, mostrou uma redução de 23% no risco de eventos. A redução dos desfechos foi impulsionada  por menores taxas de IAM e revascularização adicional sem haver, no entanto, redução de mortalidade. Esses resultados corroboraram a hipótese inflamatória da aterosclerose e sugeriram um novo paradigma no tratamento da DAC. Em agosto de 2024 a colchicina recebeu um upgrade de recomendação para 2a visando melhora de prognóstico na DAC crônica, pela diretriz europeia. 

CLEAR SYNERGY OASIS-9: Um Contraponto Inesperado

Contrastando com os achados promissores do COLCOT e LODOCO2, o estudo CLEAR SYNERGY OASIS-9 apresentado em novembro de 2024 no congresso do TCT em Washington, não mostrou benefício significativo da colchicina em pacientes pós IAM. O resultado inesperado repartiu opiniões na comunidade cardiológica, mas merece uma reflexão cuidadosa sobre as diferenças metodológicas e contextuais entre as evidências existentes e o impacto na prática. 

Desenho do Estudo: Trata-se de um ECR, multicêntrico, duplo-cego, placebo controlado, cujas análises foram conduzidas com o princípio de intention-to-treat. 

Estudo fatorial 2×2, no qual 7060 pacientes pós IAM foram alocados randomicamente, dentro de 72 horas da ICP índice para receber  colchicina 0,5 mg diariamente versus placebo e espironolactona 25 mg diariamente versus placebo. Aproximadamente 95% dos pacientes apresentaram  IAM com supradesnível de ST (IAM CSST). A mediana de seguimento foi de 3,5 anos. 

Vamos às análises: O seu desenho fatorial 2×2 incluindo a espironolactona introduz fator de confusão e complexidades adicionais. A potencial interação entre colchicina e espironolactona é desconhecida e pode ter mascarado os efeitos individuais da colchicina. O uso da espironolactona no IAM de pacientes com FE ≤40%, possui benefícios cardiovasculares bem estabelecidos, como visto no estudo REMINDER e ALBATROSS. Os três estudos foram robustos em tamanho amostral e tempo de seguimento, embora o CLEAR SYNERGY tenha aumentado sua robustez ao incluir mais pacientes 7.062 vs. LODOCO2 5.522 e COLCOT 4.745.

População e Timing do Tratamento: O LODOCO2 focou na DAC crônica e estável, ao passo que o COLCOT e o CLEAR SYNERGY iniciaram a colchicina em pacientes pós-IAM ainda na fase aguda. Sabemos que DAC crônica e aguda são duas entidades distintas que diferem sobremaneira com relação ao risco de MACE. Seguramente a população do CLEAR era de maior gravidade, até 95% dos pacientes tinham IAM com IAM CSST e os pacientes com IAM sem supra de ST, precisavam atender pelo menos um dos seguintes critérios para serem incluídos: FE ≤45%, diabetes, doença multiarterial, IM prévio ou idade >60 anos. Além disso, mesmo entre COLCOT e CLEAR SYNERGY, que focaram nos casos agudos, houveram diferenças. O CLEAR iniciou o tratamento mais precocemente (média 72 horas após a ICP) , ao passo que o COLCOT teve uma média de 13,5 dias pós evento. Esta diferença pode ter sido crucial, considerando a dinâmica temporal da inflamação no pós-IAM. Embora no estudo CLEAR o PCR tenha tido queda significativa no grupo colchicina, seus níveis ainda se mantiveram altos quando comparado aos outros estudos. 

Contexto Pandemia COVID-19: Único entre os três, o CLEAR SYNERGY foi conduzido durante a pandemia de COVID-19. Este fator não pode ser subestimado, dada a profunda influência da pandemia nos cuidados de saúde, perfis de risco dos pacientes e condução dos estudos. 

RESULTADOS CLEAR SYNERGY

O desfecho primário de eventos CV adversos maiores, composto por morte CV, IAM, acidente vascular cerebral ou revascularização induzida por isquemia, para colchicina vs. placebo em 5 anos, foi: 9,1% vs. 9,3%, razão de risco (HR) 0,99 (intervalo de confiança [IC] de 95% 0,85-1,16), p = 0,93.

Resultados secundários para colchicina vs. placebo em 5 anos:

  • Morte CV: 3,3% vs. 3,2%, HR 1,03 (IC 95% 0,80-1,34)
  • Morte por todas as causas: 4,6% vs. 5,1%, HR 0,90 (IC 95% 0,73-1,12)
  • IAM: 2,9% vs. 3,1%, HR 0,88 (IC 95% 0,66-1,17)
  • Revascularização guiada por isquemia: 4,6% vs. 4,7%, HR 1,01 (IC 95% 0,81-1,17)
  • Níveis de PCR  em 3 meses: 3,0 vs. 4,3 mg/dL, p < 0,001

Resultados de segurança para colchicina vs. placebo:

  • Diarreia: 10,2% vs. 6,6%, p < 0,001
  • Infecção grave: 2,5% vs. 2,9%, p = 0,85

Implicações para a Prática Clínica

  1. Individualização do Tratamento: A colchicina pode ainda ter um papel importante em subgrupos específicos de pacientes, particularmente aqueles com DAC crônica estável ou em fases mais tardias pós-infarto. Em suma, quando o processo inflamatório já não é tão exuberante como em pacientes com IAM na fase precoce. 
  2. Consideração do Perfil de Risco: Pacientes com DAC crônica e evidência de inflamação residual (PCR ≥2) podem ser os candidatos mais apropriados para terapia com colchicina.
  3. Monitoramento Cuidadoso: Ao prescrever colchicina, devemos estar atentos aos efeitos colaterais (gastrointestinais) e interações medicamentosas, dosando risco vs. benefício.
  4. Necessidade de Mais Pesquisas: Estudos adicionais são necessários para esclarecer o papel da colchicina em diferentes subgrupos de pacientes e em diferentes cenários da doença coronária.

Opinião pessoal:

Sob a luz das evidências disponíveis, acredito que a colchicina se designe à pacientes com DAC crônica, com inflamação crônica e de baixo-moderado grau, já sabendo que o objetivo não é reduzir óbito, visto a ausência desse benefício em todos os estudos com a droga, mas de certa forma, melhorar o prognóstico e até qualidade de vida, ao reduzir IAM e revascularização adicional. O benefício parece modesto, mas não o bastante para abandonarmos a única estratégia acessível e custo-eficaz, capaz atuar na redução do risco residual inflamatório em pacientes selecionados com DAC crônica. Por outro lado, não entraria com a droga para pacientes agudos. 

Conclusão

No estudo CLEAR SYNERGY, a colchicina iniciada no pós IAM precoce não reduziu o desfecho composto primário de morte CV, IAM, acidente vascular cerebral, como visto no COLCOT e LODOCO2. 

Os estudos LODOCO2, COLCOT e CLEAR SYNERGY OASIS-9 representam marcos importantes na investigação do papel da colchicina na prevenção secundária. Suas divergências não diminuem a importância de cada um, mas destacam a complexidade da doença coronária e a necessidade de uma abordagem nuançada na interpretação de evidências clínicas. Por ora, em pacientes com DAC crônica, a colchicina permanece como a única medicação para redução do risco inflamatório residual, recomendação classe 2a da diretriz europeia de DAC crônica 2024. Em pacientes agudos, o benefício parece incerto ou muito modesto. Diante de dois estudos divergentes, aguardamos novas evidências. 

Referências: 

Presented by Dr. Sanjit S. Jolly at the Transcatheter Cardiovascular Therapeutics meeting (TCT 2024), Washington, DC, October 29, 2024.

Nidorf SM, Fiolet ATL, Mosterd A, et al. LoDoCo2 Trial Investigators. Colchicine in Patients with Chronic Coronary Disease. N Engl J Med. 2020 Nov 5;383(19):1838-1847.

Hansson GK. Inflammation, atherosclerosis, and coronary artery disease. N Engl J Med 2005;352:1685-95.

Ridker PM, Everett BM, Thuren T, et al. Antiinflammatory therapy with canakinumab for atherosclerotic disease. N Engl J Med 2017;377:1119-31.

Ridker PM, Everett BM, Pradhan A, et al. Low-dose methotrexate for the prevention of atherosclerotic events. N Engl J Med 2019;380:752-62.

Tardif JC, Roubille F, et al. Low-Dose Colchicine after Myocardial Infarction N Engl J Med 2019; NEJMoa1912388

Quando e como revascularizar o paciente na prática?

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Dr. Luiz Augusto Lisboa, Dr. Luís Roberto P. Dallan, Dra. Luhanda Monti e Dr. Carlos Campos discutem um dos temas mais polêmicos da cardiologia na era pós-ISCHEMIA, que é a indicação e escolha da modalidade de revascularização do miocárdio, sob a ótica de um hemodinamicista, uma cardiologista clínica e dois cirurgiões.
Anote na agenda: em breve lançaremos o Curso Fundamentos em Síndrome Coronária Crônica. Nosso time de especialistas trarão até você as principais atualizações sobre o tema. Fique ligado!

 

O coração do maratonista: a ciência do endurance e a saúde cardiovascular

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As atividades de endurance têm algum efeito na saúde cardiovascular? Esse é o tema deste bate-papo entre os Drs. Roger Godinho, Thiago Marinho e Fábio Conejo.

 

 

Segurança a curto e longo prazo da DAC crônica não tratada em pacientes submetidos a TAVI

Marco Antonio Smiderle Gelain, Residente de Hemodinâmica Incor/HCFMUSP

Descubra o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI. Estudo realizado na Cleveland Clinic revela importantes informações sobre essa condição.

Em janeiro de 2024 foi publicado na European Heart Journal um estudo realizado na Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, sobre o impacto da DAC crônica não-revascularizada em pacientes submetidos a TAVI¹. Atualmente, sabemos que DAC crônica e a estenose aórtica (EAo) frequentemente coexistem, em uma frequência de 15 a 80%². Existe também o debate sobre qual seria o melhor momento – e se existe a necessidade – de revascularizar o paciente portador de DAC crônica que vai ser submetido a TAVI. Ambos os cenários – angioplastia em paciente com EAo severa, e TAVI em paciente com DAC severa apresentam riscos importantes específicos. No entanto, artigos dedicados ao estudo do melhor momento da revascularização não renderam recomendações claras³, sendo publicado em 2023 um consenso Europeu⁴ sobre o manejo da DAC crônica em pacientes submetidos a TAVI, porém mantendo-se grande heterogeneidade de condutas entre os diversos serviços de hemodinâmica ao redor do mundo.

O estudo foi uma coorte retrospectiva de pacientes submetidos a TAVI entre 2015 e 2021. Pacientes que já tivessem sido revascularizados com angioplastia foram excluídos do estudo. Os desfechos avaliados foram periprocedimento (complicações como choque cardiogênico, arritmias e morte) e MACE – morte, IAM, AVC e revascularização não planejada – a longo prazo. Os 1911 pacientes incluídos foram categorizados em 4 grupos com relação a DAC crônica: DAC não-obstrutiva (1432 pacientes), DAC de risco intermediário que compreendeu DAC uniarterial >70% (116 pacientes), DAC de risco alto, que compreendeu DAC biarterial >70%, DA proximal >70% ou TCE 50-69% (199 pacientes), e DAC de extremo risco, que compreendeu DAC triarterial >70% ou TCE >70% (164 pacientes). Uma das limitações do estudo foi justamente a divisão desses grupos, que foi arbitrária, e não levou em conta ferramentas consolidadas como o Syntax Score. Entretanto há um consenso de que não houve prejuízo à principal mensagem transmitida pelo estudo.

Para efeito de análise estatística, foram comparados dois grupos: DAC não-obstrutiva x DAC obstrutiva, e também comparados cada grupo de DAC obstrutiva com a DAC não-obstrutiva, com relação aos desfechos do estudo. 

A idade média dos pacientes foi de 78 anos, com um STS score médio de 5,4%, e 70% apresentavam-se em classe funcional NYHA 3, e fração de ejeção média de 57%. 95% dos procedimentos foram realizados via transfemoral e em 91% dos casos foi utilizada a prótese Edwards SAPIEN 3, que é balão expansível e apresenta um melhor perfil quando pensamos em um acesso mais fácil posteriormente às artérias coronárias.

A taxa de complicações periprocedimento foi baixa, apenas 7 mortes (0,4%) e 1 paciente com necessidade de implante de balão intra-aórtico durante o procedimento. Não houve diferença entre os grupos comparados (p=0.6). Ou seja, uma das grandes mensagens deste artigo foi essa: que houve segurança periprocedimento na realização de TAVI em pacientes com DAC obstrutiva não tratada.

O seguimento médio pós-procedimento dos pacientes foi de 1,32 anos, também não sendo observada diferença de MACE ou morte por todas as causas. Houve, entretanto, aumento da taxa de síndrome coronariana aguda e de revascularização não planejada no grupo de DAC obstrutiva, a qual foi de 1% no grupo de DAC não-obstrutiva e de 2,4 a 4% no grupo de DAC obstrutiva, sem aumento linear conforme a gravidade da DAC, o que pode corroborar uma inadequada classificação inicial dos grupos. A separação das curvas ocorre por volta de 8 a 12 semanas, portanto, caso o paciente permaneça sintomático após o procedimento, existe a recomendação no próprio estudo de que haja um limiar mais baixo para a revascularização desses pacientes. É ressaltado que não houve dificuldade ou impossibilidade de angioplastia nos pacientes submetidos a TAVI. 

Importante frisar que a estratificação dos pacientes com relação a fração de ejeção não mostrou relação com piora de desfechos. 

Como mensagens finais, temos que DAC crônica, independentemente de sua gravidade e extensão e da fração de ejeção, pode ser inicialmente tratada clinicamente em pacientes candidatos a TAVI com segurança. O estudo não dita, porém, que todos devem ser submetidos a TAVI primeiro: pacientes com sintomas coronarianos importantes, síndromes instáveis, lesões coronarianas ostiais, tipo da prótese utilizada podem eventualmente ser submetidos a angioplastia antes. O manejo da DAC crônica após a TAVI pode ser feita de acordo com guidelines específicas, porém pode-se ter um limiar mais baixo para revascularização caso sintomas persistam.

 

Referências

  1. Ian Persits, et al. Impact of untreated chronic obstructive coronary artery disease on outcomes after transcatheter aortic valve replacement. European Heart Journal, 2024. https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehae019
  2. Hajar R. Risk factors for coronary artery disease: historical perspectives. Heart Views 2017;18:109. https://doi.org/10.4103/HEARTVIEWS.HEARTVIEWS_106_17
  3. Patterson T, Clayton T, Dodd M, Khawaja Z, Morice MC, Wilson K, et al. ACTIVATION (PercutAneous Coronary inTervention prIor to transcatheter aortic Valve implantaTION): a randomized clinical trial. JACC Cardiovasc Interv 2021;14:1965–74. https://doi.org/10.1016/j.jcin.2021.06.041

4. Tarantini G, Tang G, Nai Fovino L, Blackman D, Mieghem NMV, Kim WK, et al. Management of coronary artery disease in patients undergoing transcatheter aortic valve implantation. A clinical consensus statement from the European Association of Percutaneous Cardiovascular Interventions in collaboration with the ESC Working Group on Cardiovascular Surgery. EuroIntervention 2023;19:37–52. https://doi.org/10.4244/EIJ-D-22-00958

Revascularização do Miocárdio: quando indicar?

Dra. Luhanda Leonora Cardoso Monti Sousa

Descubra como a revascularização do miocárdio pode melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças cardíacas.

No cenário da doença arterial coronária (DAC) crônica, ainda que a essência do tratamento seja a mudança do estilo de vida e medicamentos para prevenção secundária, a indicação de revascularização do miocárdio, seja através da cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) ou intervenção coronária percutânea (ICP), se designa à melhora de prognóstico e/ou de sintomas refratários a terapia medicamentosa otimizada (TMO) na dose máxima tolerada. Esta última configura a maior parte das indicações, sendo o benefício prognóstico restrito a determinados perfis de pacientes.

No que tange o controle da angina e tolerância ao exercício, diversos ensaios clínicos randomizados (ECR) mostraram que a revascularização é mais efetiva do que a TMO isolada. Em subanálise do ISCHEMIA, quando comparada à estratégia conservadora, a revascularização (74% ICP e 26% CRM) foi superior na melhora da qualidade de vida inferida por angina. Contudo, vale lembrar que a isquemia miocárdica resulta de um complexo processo fisiopatológico, no qual a estenose fixa em coronária epicárdica é apenas uma das possíveis causas. Posto isto, a presença de obstruções moderadas que não justifiquem o quadro anginoso, deve motivar a investigação de outros mecanismos etiológicos envolvidos. Não é incomum que os sintomas se devam à disfunção microvascular e/ou vasoespasmo coronário, além de coexistir mesmo na estenose ≥ 70%. Cabe enfatizar que a CRM inadequada de lesões não obstrutivas, pode levar a progressão da DAC subjacente, ao passo que a ICP inadequada pode resultar em infarto agudo do miocárdio (IAM) periprocedimento, além de não melhorar a angina. Diante do pressuposto, indica-se tratamento intervencionista, visando a melhora da qualidade de vida na angina limitante, quando houver estenose coronária angiograficamente significativa ou hemodinamicamente significativa (FFR ≤ 0,80 ou iwFR ≤ 0,89).

O benefício prognóstico da revascularização consiste no aumento de sobrevida global, redução de IAM e morte cardiovascular. Para tanto, o maior benefício se impõe aos pacientes com DAC extensa e maior área de miocárdio sob risco. Outrossim, a ponderação da expectativa de vida se faz necessária, visto que a vantagem se dá no longo prazo. De acordo com as últimas diretrizes, as maiores evidências recaem sobre a lesão de TCE ≥ 50% com isquemia documentada ou ≥ 70% independente de outras características, a miocardiopatia isquêmica com FE ≤ 35% (se estendendo à FE ≤ 50% com menor evidência), artéria derradeira e DAC triarterial com acometimento da artéria descendente anterior (ADA) proximal. A isquemia ≥ 10%, que por anos foi uma indicação prognóstica de intervenção, a despeito de evidências oriundas de estudos observacionais, como Hachamovitch 2 e subanálises de ECR, perdeu esta indicação após a publicação do ISCHEMIA. No estudo FAME 2, embora a ICP (FFR ≤ 0,8) vs. TMO tenha reduzido o desfecho primário este foi impulsionado por redução de revascularização urgente, sem diferença para morte ou IAM.

De fato, estudos que compararam TMO vs. revascularização (ICP ou CRM), como MASS II, ERACI II, COURAGE e metanálises recentes incluindo o ISCHEMIA, não mostraram maior sobrevida global com a estratégia intervencionista inicial na população de DAC crônica em geral. No seguimento de 5,7 anos do ISCHEMIA EXTEND, a menor mortalidade cardiovascular no grupo intervencionista foi diluída por um aumento de morte por causas não cardíacas no mesmo grupo, resultando na ausência de diferença estatística em mortalidade por todas as causas, mas não ficou claro o motivo pelo qual ocorreram mais mortes não cardíacas. Não obstante, a tomada de decisão assertiva exige bom senso e individualização. Há de convir que há uma heterogeneidade quanto ao burden aterosclerótico nesses estudos, com uma tendência a serem de menor complexidade.  O conceito de prognóstico vai além da redução de óbito por todas as causas, muito utilizado como desfecho primário principal por estudos pragmáticos. Mesmo no ISCHEMIA, tivemos maior incidência de IAM espontâneo no grupo conservador, ao passo que a análise de subgrupo dos multiarteriais com lesões ≥ 70% do ISCHEMIA EXTEND, mostrou uma tendência de menor mortalidade cardiovascular com a revascularização.  Outrossim, pacientes com DAC são heterogêneos, muitas vezes excluídos dos ECR que guiam a nossa prática. O seguimento de 10 anos do estudo MASS II, no qual a DAC era mais complexa, a CRM cursou com menor incidência do desfecho composto primário de morte por todas as causas, IAM e angina com necessidade de nova revascularização, do que a TMO e ICP, guiado sobretudo por IAM e angina. Embora, não tenha ocorrido diferença estatística em termos de morte total, houve um incremento de quase o dobro em morte cardiovascular e IAM para o grupo em TMO isolada. Na seara da DAC com fração de ejeção ≤ 35%, novamente, apenas nos 10 anos de seguimento do STICH a CRM atingiu superioridade prognóstica sobre a TMO, ao passo que no REVIVED PCI, a ICP, com todas as ressalvas da população do estudo, a ICP não obteve o mesmo êxito.

Desde os resultados do estudo Veterans Administration Cooperative Study of Surgery for Coronary Arterial Occlusive Disease, mesmo o tratamento clínico da época sendo inferior ao que temos hoje, ninguém nunca teve a “audácia” de randomizar para TMO vs. intervenção os pacientes com lesão grave em TCE, dada extensa área de miocárdio em risco e, o mesmo raciocínio vale para lesão em artéria derradeira.

Dessa forma, haverá candidatos à TMO exclusiva, enquanto outros precisarão de algum tipo de intervenção ao longo da vida. Na ausência de sintomas ou características anatômicas de alto risco que justifiquem uma intervenção, a presença de isquemia não mais guia intervenção prognóstica isolada, mas ainda representa um marcador de DAC mais grave a depender dos achados associados a isquemia, como a dilatação ventricular no estresse ou queda ≥ 10 pontos da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Isto posto, a escolha entre TMO isolada inicial e algum tipo de intervenção deve ser compartilhada com o paciente, informando-o sobre os riscos e benefícios de cada estratégia. Em alguns casos, caberá ao Heart Team, a tomada de decisão caso-a-caso. A figura 1, deve ser usada para auxiliar a escolha da estratégia inicial, mas não como guia definitivo, visto se tratar de decisões de probabilidade, nas quais qualquer fluxograma está aquém do ideal.

Figura 1: Fluxograma de indicação para revascularização do miocárdio

Fonte: Sousa LLCM, César LAM. Quando e como indicar a revascularização do miocárdio. Sociedade Brasileira de Cardiologia. PROCARDIOL Ciclo 17.

Referências:

 

  1. Neumann FJ, Sousa-Uva M, Ahlsson A, Alfonso F, Banning AP, Benedetto U, et al. 2018 ESC/EACTS guidelines on myocardial revascularization. Eur Heart J. 2019 Jan;40(2):87–165. https://doi. org/10.1093/eurheartj/ehy394
  2. Lawton JS, Tamis-Holland JE, Bangalore S, Bates ER, Beckie TM, Bischoff JM, et al. 2021 ACC/ AHA/SCAI guideline for coronary artery revas- cularization: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Cir- culation. 2022 Jan;145(3):e18–114.
  3. WindeckerS,StorteckyS,StefaniniGG,daCosta BR, Rutjes AW, Di Nisio M, et al. Revascularisa- tion versus medical treatment in patients with stable coronary artery disease: network meta- -analysis. BMJ. 2014 Jun;348:g3859. https:// doi.org/10.1136/bmj.g3859
  4. Sousa LLCM, César LAM. Quando e como indicar a revascularização do miocárdio. In: Sociedade Brasileira de Cardiologia; Précoma DB, Freitas Junior AF, Mioto BM, Barros IML, Spineti PPM, organizadores. PROCARDIOL Programa de Atualização em Cardiologia: Ciclo 17. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2023. p. 9–58. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 2).
  5. MaronDJ, HochmanJS, ReynoldsHR, Bangalore S, O’Brien SM, Boden WE, et al. Initial invasive or conservative strategy for stable coronary disease. N Engl J Med. 2020;382(15):1395–407. https:// doi.org/10.1056/NEJMoa1915922
  6. Cesar LA, Ferreira JF, Armaganijan D, Gowdak LH, Mansur AP, Bodanese LC, et al.Diretriz de Doença Coronária Estável. Arq Bras Cardiol. 2014 Aug;103(2 Suppl 2):1–56. https:// doi.org/10.5935/abc.2014S004
  7. Virani SS, Newby LK, Arnold SV, Bittner V, Brewer LC, Demeter SH, et al. 2023AHA/ACC/ACCP/ASPC/NLA/PCNA Guideline for the Management of Patients With Chronic Coronary Disease: A Report of the American Heart Association/American College of Cardiology Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. Circulation. 2023 Aug 29;148(9):e9-e119.
  8. Sousa LLCM, Gowdak LHW. Tratamento invasivo: Bases para a decisão. Insuficiência Coronária Crônca. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo, 2022; 32(4): 460-466.INSS 2595-4644-Versão online.

 

Select trial: Semaglutida na obesidade com aterosclerose manifesta

Dra. Luhanda Monti

Dra. Luhanda Monti Estima-se que até 2035 mais de 60% da população esteja acima do peso. Saiba como controlar o Select trial para evitar problemas cardiovasculares

Estima-se que até 2035 mais de 60% da população esteja acima do peso. Em 2015, o sobrepeso e a obesidade foram responsáveis por 4 milhões de mortes a nível mundial, das quais mais de dois terços se deveram às doenças cardiovasculares (CV).  A associação de sobrepeso e obesidade com a resistência insulínica e diabetes tipo 2 (DM2), dislipidemia e hipertensão, componentes da síndrome metabólica, explica porque podem elevar o número de mortes CV e doenças cardiometabólicas. Não obstante, estudos recentes advogam que a obesidade já é um fator de risco cardiovascular independente, visto o estado inflamatório e pró-trombótico crônico em que o indivíduo se encontra. 

Em pacientes com DM2, estudos robustos, como o SUSTAIN-6 (Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes), já haviam mostrado o benefício da Semaglutida, um análogo do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1), no que tange à redução dos desfechos cardiovasculares. No que diz respeito ao tratamento da obesidade e sobrepeso, a Semaglutida 2,4 mg (Wegovy) mostrou-se altamente eficaz nos estudos STEP (Semaglutide Treatment Effect in People with obesity) 1 e STEP 2, sendo aprovada pela ANVISA para uso no Brasil em 2023. No entanto, restava saber se em pacientes com sobrepeso e obesidade, mas sem DM2, a droga seria capaz de reduzir desfechos CV. 

Neste cenário foi desenhado o estudo SELECT (Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes). Trata-se de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, multicêntrico, placebo controlado, cujas análises foram conduzidas com o princípio de intention-to-treat. O objetivo foi avaliar o impacto da Semaglutida 2,4 mg semanal na redução de eventos CV em pacientes com sobrepeso ou obesidade, sem diabetes e portadores de doença CV. Foram randomizados 17.604 participantes para receber Semaglutida 2,4 mg na dose máxima de 2,4 mg 1 vez por semana versus placebo.

Regime: 0,24 mg uma vez por semana e a dose foi aumentada a cada 4 semanas (para doses uma vez por semana de 0,5, 1,0, 1,7 e 2,4 mg)

Meta: Dose alvo de 2,4 mg a ser atingida após 16 semanas. 

Critérios de inclusão:

  • ≥ 45 anos
  • IMC ≥ 27
  • Doença CV: infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) ou doença arterial periférica (DAOP)

 

Critérios de exclusão:

  • Diabetes ou HbA1c≥ 6,5%
  • Uso de agonista de GLP1 ≤ 90 dias
  • Evento isquêmico agudo ≤ 60 dias
  • IC NYHA IV
  • Revascularização coronária planejada
  • Pancreatite
  • Neoplasia endócrina múltipla

 

Desfecho primário composto: Morte por causas CV, infarto do miocárdio não fatal ou acidente vascular cerebral não fatal em uma análise do tempo até o primeiro evento.

Desfechos secundários: Morte por qualquer causa; componentes individuais do desfecho primário.

A segurança também foi avaliada.

Com relação ao baseline, os grupos eram homogêneos, com predomínio do sexo masculino (72,5%), idade média de 61,6 ± 8,9 anos e IMC de 33,34 ± 5,04 kg/m2. Portanto, a maioria, já com obesidade de fato. No que tange às doenças CV prévias, chama a atenção que a maior parte, até 67% dos pacientes, tinha histórico de IAM, mais se parecendo um trial de doença coronária crônica (já que os agudos foram excluídos) em pacientes com sobrepeso ou obesidade, seguido por AVC (23,3%) e doença arterial periférica (8,6%). Além disso, 24,3% tinham diagnóstico de insuficiência cardíaca. Dois terços dos participantes (66%) tinham HbA na faixa de pré-diabetes (5,7%-6,4%). Entre os grupos de aumento da HbA1c, a prevalência de todos os fatores de risco CV aumentou.

 

Resultados:

A exposição média (±DP) à Semaglutida ou placebo de 34,2±13,7 meses. Após a o segmento médio de 39,8±9,4 meses, o desfecho composto primário ocorreu em 569 dos 8.803 pacientes (6,5%) no grupo Semaglutida e em 701 dos 8.801 pacientes (8,0%) no grupo placebo (taxa de risco, 0,80; intervalo de confiança de 95%, 0,72 a 0,90; P<0,001). Eventos adversos que levaram à descontinuação permanente do produto experimental ocorreram em 1.461 pacientes (16,6%) no grupo Semaglutida e 718 pacientes (8,2%) no grupo placebo (P<0,001).

 

Discussão

Desfechos:

 

Em pacientes do grupo Semaglutida, houve uma redução de 20% no risco de novos eventos CV (morte CV, AVC e IAM não fatais) e todos os três componentes do desfecho primário contribuíram para a redução de MACE demonstrada. Os desfechos secundários confirmatórios (morte CV, insuficiência cardíaca ou morte por qualquer causa) foram numericamente reduzidos no grupo Semaglutida; todavia, como a diferença entre os grupos em relação à morte por causas CV não atendeu ao valor P exigido para testes hierárquicos, o teste de superioridade não foi realizado para os demais desfechos secundários confirmatórios. Contudo, os benefícios foram consistentes em todos os subgrupos pré-especificados.

Perda ponderal e metabolismo:

 

Ao final do estudo, 77% dos pacientes alcançaram a dose máxima (2,4 mg), o que levou à perda ponderal de -9,4%, bem como redução da circunferência abdominal. A melhora de marcadores inflamatórios (principalmente PCR) foi significativa, chamando a atenção para redução da inflamação crônica.

Segurança e tolerância:

Semaglutida se mostrou segura, não havendo eventos fatais, sendo os eventos cardiovasculares significativamente mais frequentes no grupo placebo. Seus principais efeitos adversos foram os gastrointestinais, sendo significativamente mais frequentes no grupo Semaglutida. No geral, a droga foi bem tolerada, com taxa de descontinuação relacionada aos eventos adversos de 16%, em sua maioria, gastrointestinais

Conclusão:

Em pacientes com doença cardiovascular preexistente e com sobrepeso ou obesidade, mas sem diabetes, a semaglutida subcutânea na dose de 2,4 mg uma vez por semana foi superior ao placebo na redução do desfecho composto de morte por causas cardiovasculares, miocárdio não fatal infarto ou acidente vascular cerebral não fatal em um acompanhamento médio de 39,8 meses.

 

Key points

 

  • Redução ocorreu logo após o início do tratamento, com as curvas se abrindo muito precocemente;
  • Neste estudo, a Semaglutida reduziu o peso corporal em média 9,4%, o que é superior à redução alcançada com outras abordagens não cirúrgicas (atrás apenas da bariátrica que reduz até 20%);
  • Medicamentos da classe dos análogos do GLP-1 em animais com ou sem diabetes reduziram inflamação, melhoraram a função endotelial e ventricular esquerda, além de terem estabilizado a placa aterosclerótica e reduzido a agregação plaquetária;
  • Reduções no excesso de gordura corporal anormal melhoram o ambiente pró-inflamatório e pró-trombótico sistêmico associado à obesidade, além de reduzir também gordura perivascular;
  • Os efeitos vão além da perda de peso, redução de glicose e controle dos fatores de risco tradicionais;
  • Evidências sugerem efeitos pleiotrópicos e cardiometabólicos por múltiplas vias interligadas;
  • A incidência de eventos adversos graves foi menor entre os pacientes designados para receber Semaglutida do que entre aqueles designados para receber placebo.

 

 

Referência:

 

Lincoff AM, Brown-Frandsen K, Colhoun HM, Deanfield J, Emerson SS, Esbjerg S, et al. SELECT Trial Investigators. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Obesity without Diabetes. N Engl J Med. 2023 Dec 14;389(24):2221-2232. doi: 10.1056/NEJMoa2307563. Epub 2023 Nov 11.

 

Select Trial – Semaglutida na obesidade sem diabetes

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Dra. Luhanda Monti faz uma apresentação do estudo científico “Semaglutida e os resultados cardiovasculares em pacientes com obesidade ou sobrepeso, na presença de doença cardiovascular estabelecida, mas sem diabetes”.

Confira os detalhes e a conclusão do estudo!

 

Reabilitação com exercício físico na Angina Refratária

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Reabilitação com exercício físico na Angina Refratária” é o tema desse episódio de discussão com especialistas, apresentado pelas Dras. Luciana Dourado e a Luhanda Monti.

 

Investigação Inicial da Doença Coronária Crônica

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Dra. Luhanda Monti traz uma apresentação detalhada sobre “Investigação inicial da doenças coronária crônica: teste anatômico ou funcional?”. Entenda como funciona esse manejo no consultório.

 

Segurança Cardiovascular da Terapia de Reposição com Testosterona

Dr. Roger Godinho

Uma saúde cardíaca ideal. Reveja conselhos práticos sobre ocorrências e prevenção de problemas cardiovasculares.

Em meio às inúmeras discussões sobre suplementação hormonal para fins de ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo, a segurança cardiovascular do uso médico da terapia de reposição com testosterona em homens de meia-idade e idosos com hipogonadismo surge como um tema de intenso debate e interesse clínico significativo. Historicamente, a terapia de reposição com testosterona tem sido utilizada para tratar os sintomas de hipogonadismo, condição caracterizada por baixos níveis de testosterona, que pode afetar negativamente a qualidade de vida, a saúde sexual, a massa óssea, e a composição corporal. No entanto, o impacto dessa terapia na saúde cardiovascular dos pacientes permanece um campo de investigação aberto, marcado por preocupações e dados conflitantes.

O estudo TRAVERSE, publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em julho de 2023, foi concebido para elucidar essas incertezas, investigando os efeitos da terapia de reposição com testosterona na incidência de eventos cardíacos adversos maiores em um grupo específico de homens com alto risco cardiovascular. Este estudo assume uma importância particular no contexto atual da prática médica, onde a tomada de decisão clínica deve ser justificada por evidências claras e confiáveis, especialmente em tratamentos que afetam uma parcela significativa da população masculina.

 

O estudo TRAVERSE foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo e de não inferioridade. Foram randomizados 5246 homens entre 45 e 80 anos com doença cardiovascular pré-existente ou alto risco de desenvolvê-la, que reportaram um ou mais sintomas de hipogonadismo, como diminuição do desejo sexual, diminuição do número de ereções espontâneas, fadiga, humor depressivo, diminuição de pelos axilares, púbicos ou diminuição da frequência do barbear ou fogachos. Além disso, os indivíduos precisavam apresentar duas medidas de testosterona em jejum menores que 300 ng/dL. Doença cardiovascular foi definida como evidência clínica ou angiográfica de doença arterial coronariana, doença cerebrovascular ou doença arterial periférica. O aumento do risco cardiovascular foi definido pela presença de três ou mais dos seguintes fatores de risco: hipertensão, dislipidemia, tabagismo atual, doença renal crônica estágio 3, diabetes, níveis elevados de proteína C-reativa de alta sensibilidade, idade maior que 65 anos, ou um escore de cálcio coronariano acima do percentil 75 para idade e raça. A partir disso, os participantes foram aleatoriamente designados para receber gel de testosterona a 1,62%, transdérmico, ou placebo. A dose de testosterona foi ajustada com o intuito de manter os níveis séricos entre 350 e 750 nd/dL no grupo “testosterona”. No grupo placebo a dose foi ajustada utilizando o método sham*. O objetivo principal foi avaliar a ocorrência do primeiro evento de um composto de morte por causas cardiovasculares, infarto do miocárdio não fatal ou acidente vascular cerebral não fatal.

 

Os pacientes foram tratados durante uma média de 21,7 meses e acompanhados por 33,0 meses. O desfecho primário foi observado em 182 (7,0%) indivíduos no grupo de testosterona e 190 (7,3%) no grupo placebo. Não foram observadas diferenças clinicamente significativas na incidência de eventos cardiovasculares secundários entre os grupos de estudo. Entretanto, a incidência de embolia pulmonar foi maior no grupo da testosterona (0,9% vs. 0,5% no grupo placebo). As arritmias não fatais que exigiram intervenção ocorreram em 134 pacientes (5,2%) no grupo da testosterona e em 87 pacientes (3,3%) no grupo placebo (P = 0,001); fibrilação atrial ocorreu em 91 pacientes (3,5%) e 63 pacientes (2,4%), respectivamente (P = 0,02), e lesão renal aguda ocorreu em 60 pacientes (2,3%) e 40 pacientes (1,5%), respectivamente (P = 0,04). O câncer de próstata ocorreu em 12 pacientes (0,5%) no grupo da testosterona e em 11 pacientes (0,4%) no grupo placebo (P = 0,87). 

 

Esses dados demonstram a não inferioridade da testosterona em relação ao placebo quanto ao risco de eventos cardíacos adversos maiores, a despeito do aumento na incidência de fibrilação atrial, lesão renal aguda e embolia pulmonar no grupo tratado com testosterona.

 

O artigo conclui que a terapia de reposição com testosterona, quando comparada com placebo, não resultou em um aumento do risco cardiovascular global em homens com hipogonadismo e elevado risco cardiovascular. Contudo, chama atenção a maior frequência de outros eventos adversos, o que levanta questões importantes sobre o perfil de segurança da terapia em determinadas populações (portadores de doença renal crônica, arritmia atrial, trombofilia ou indivíduos com antecedentes de eventos tromboembólicos), e da necessidade de um acompanhamento individual rigoroso.

 

Pontos Fortes

Amostra e Desenho do Estudo: Grande tamanho amostral e um desenho de estudo meticuloso reforçam a validade dos resultados.

Relevância Clínica: Fornece dados cruciais que podem guiar práticas clínicas na terapia de reposição de testosterona.

Robustez Estatística: Análises estatísticas rigorosas e bem fundamentadas.

 

Pontos Fracos

Generalização: A seleção de participantes com alto risco cardiovascular pode limitar a aplicabilidade dos resultados a uma população mais ampla.

Adesão e Retenção: Taxas de adesão e retenção relativamente baixas podem ter influenciado os resultados.

 

* O método sham é uma técnica utilizada em estudos clínicos para simular uma intervenção médica ou cirúrgica. Ele serve como um controle placebo, onde os participantes passam por um procedimento falso que imita o real em todos os aspectos, exceto pelo fato de que a intervenção terapêutica efetiva não é realmente realizada. Isso permite aos pesquisadores testar os efeitos da expectativa e do condicionamento psicológico em estudos para determinar a eficácia real de um tratamento.

 

Referência

  1. Lincoff, A. M. et al. (2023). Cardiovascular safety of testosterone-replacement therapy. The New England Journal of Medicine, 389(2).