FAME 3 trial – 5 anos:PCI ou CABG na DAC triarterial? Insights contemporâneos
Dra. Luhanda Monti
O estudo FAME 3, publicado no The Lancet em abril de 2025 com resultados de 5 anos de seguimento, redefine paradigmas no tratamento da doença arterial coronariana (DAC) triarterial. Ao comparar a intervenção coronária percutânea (PCI) guiada por reserva fracionada de fluxo (FFR) com a cirurgia de revascularização miocárdica (CABG), o ensaio oferece insights contemporâneos valiosos para orientar decisões clínicas em cenários complexos
Desenho do estudo:
Trata-se de um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, de não inferioridade, que comparou ICP guiada por FFR usando stents liberadores de zotarolimus de última geração versus CABG em 1500 pacientes com DAC triarterial, sem envolvimento de tronco de coronária esquerda (TCE), Syntax médio de 38. Realizado em 48 hospitais na Europa, EUA, Canadá, Austrália e Ásia.
Os principais critérios de exclusão foram choque cardiogênico, infarto agudo do miocárdio ( IAM) com supra de ST em 5 dias e fração de ejeção < 30%.
Desfechos:
O desfecho primário de 1 ano foi eventos cardiovasculares e cerebrovasculares adversos maiores, definidos como morte por qualquer causa, IAM, acidente vascular cerebral (AVC) ou revascularização repetida.
Desfecho primário de 5 anos: Utilizou um desfecho primário composto de morte por todas as causas, IM ou AVC.
Figura 1: Dados demográficos dos pacientes, lesões e procedimentos
Principais Resultados do Estudo
Aos 5 anos de seguimento, a PCI atingiu a não inferioridade à CABG para o desfecho primário composto de morte, AVC ou IAM. Entretanto, é digno de nota que o grupo submetido à PCI apresentou maior incidência de IAM e necessidade de revascularização repetida em comparação à CABG.
Diferença entre os resultados de 1 ano e 5 anos de seguimento:
Na análise de 1 ano, o desfecho primário ocorreu em 10,6% e 6,9% dos pacientes nos grupos PCI e CABG guiados por FFR, respectivamente, com HR 1,5 IC 95% 1,1 – 2,2] e P = 0,35 para não inferioridade ( Figura 2 ). PCI, portanto, não conseguiu atingir a não inferioridade em relação à CABG 1 .
Na análise de 5 anos, o desfecho primário, um composto de morte por todas as causas, IAM e AVC, ocorreu em 16% e 14,1% na PCI e CABG guiadas por FFR, respectivamente, com HR de 1,16 [IC 9,5% 0,89 – 1,52], P = 0,27, sem diferença significativa entre as coortes ( Figura 2 ).
FIGURA 2:
NEJM 2021 e The Lancet 2025.
Figura 3: Desfechos secundários aos 5 anos
Avanços Tecnológicos:
Stents farmacológicos de última geração e a otimização da técnica pela FFR minimizaram diferenças históricas entre PCI e CABG, sugerindo que a evolução tecnológica possa equalizar desfechos em longo prazo.
Discussão:
Avanços Tecnológicos:
Stents farmacológicos de última geração e a otimização da técnica pela FFR minimizaram diferenças históricas entre ICP e CRM, sugerindo que a evolução tecnológica possa equalizar desfechos em longo prazo. A taxa de uso da imagem intravascular para guiar o procedimento foi baixa (12%) e isso reflete as taxas de imagem nos EUA e no mundo – portanto, o resultado do estudo é generalizável para a prática atual do mundo real. Considerando a miríade recente de dados demonstrando os benefícios nos resultados da PCI com imagem intravascular, é possível que o uso possa ter contribuído para os resultados no braço de PCI e talvez, estudos futuros ampliando o uso de imagem, possam mostrar mais benefícios.
Aplicação na Prática Clínica
A escolha entre PCI e CRM deve considerar:
- Complexidade anatômica das lesões (ex.: calcificação extensa ou bifurcações, padrão anatômico- uni ou multiarterial com ou sem acometimento de TCE).
- Características clínicas (idade, comorbidades, fragilidade e risco cirúrgico, risco de sangramento, função ventricular, presença de diabetes e outras comorbidades).
- Preferências do paciente quanto à invasividade do procedimento.
Historicamente a CABG tem se mostrado superior à PCI no cenário de DAC crônica multiarterial de elevada complexidade anatômica, como o próprio estudo Syntax mostrou, sobretudo quando se trata de pacientes diabéticos. No entanto, a cardiologia intervencionista evoluiu estrondosamente e parece estar alcançando resultados semelhantes também em pacientes de maior complexidade anatômica.
O FAME 3 veio a atualizar as evidências, deixando a mensagem de que a PCI pode ter resultados semelhantes em termos de mortalidade no longo prazo, embora as custas de uma maiores taxas de IAM e revascularização adicional, o que é condizente com as diferenças de cada método. A CABG tem maior potencial de atingir uma revascularização completa pois by-passa todo o território doente, ao passo que a PCI trata lesões focais. Em pacientes jovens e multiarteriais e com baixo risco cirúrgico, a CABG continua sendo a primeira opção. No entanto, caso haja algum empecílio à CABG, como risco cirúrgico, ausência de factibilidade técnica, ou negativa por parte do paciente, a PCI contemporânea se torna uma opção bastante atrativa mesmo em pacientes de elevada complexidade anatômica.
Papel do HEART TEAM
O heart team composto por um cirurgião cardíaco, um cardiologista clínico e um hemodinamicista, é essencial para analisar a factibilidade técnica e os riscos inerentes tanto à ICP quanto à CABG. Além disso, é preciso balizar fatores clínicos de risco do próprio paciente que possam interferir no resultado final, em termos de risco- benefício. Essa visão global garante decisões individualizadas e alinhadas às evidências científicas.
Importância da Terapia Clínica Otimizada:
Independentemente da estratégia escolhida, é crucial reforçar o controle de fatores de risco (hipertensão, diabetes, tabagismo, obesidade) e adesão a medicamentos como antiagregantes plaquetários e estatinas, buscando metas mais rígidas para reduzir eventos cardiovasculares futuros.
Monitoramento Contínuo:
Pacientes submetidos a qualquer intervenção merecem um seguimento mais de perto e otimização clínica. Contudo, diante dos resultados do FAME 3 presume-se que um paciente multiarterial complexo submetido à PCI, possa exigir um acompanhamento mais rigoroso devido ao risco aumentado de revascularização repetida e IAM tardio.
Conclusão
O FAME 3 reforça que a PCI guiada por FFR é uma alternativa viável à CABG em pacientes selecionados com DAC triarterial (excluindo lesão de TCE), especialmente naqueles com anatomia favorável e alto risco cirúrgico. No entanto, a CABG mantém vantagens em casos de maior complexidade anatômica ou quando a durabilidade da revascularização é prioritária, sobretudo em pacientes mais jovens.
Referência:
Fearon WF, Zimmermann FM, Ding VY, et al. Outcomes after fractional flow reserve-guided percutaneous coronary intervention versus coronary artery bypass grafting (FAME 3): 5-year follow-up of a multicentre, open-label, randomised trial. Lancet. 2025 Apr 26;405(10488):1481-1490.