Quando abordar aneurisma de aorta em pacientes com valva aórtica bicúspide?
Dr. Marcelo Kirschbaum
A valva aórtica bicúspide (VAB) é a cardiopatia congênita mais prevalente na população geral, acometendo cerca de 0,5-2% das pessoas. Ela está associada a uma crescente morbidade, devido à degeneração valvar precoce e à sua relação com aortopatias que, muitas vezes, requerem intervenção. A prevalência de aortopatias em pacientes com VAB é variável, ocorrendo em 20% a 80% dos casos, sendo a dilatação da aorta uma das manifestações mais comuns.
A VAB tem relação com alterações embriológicas da valva aórtica, além de fatores genéticos específicos, como mutações no gene GATA5, que estão correlacionadas com o desenvolvimento de aortopatia nesses pacientes.
A dilatação da aorta em portadores de VAB ocorre por dois principais mecanismos: um hemodinâmico e outro molecular.
- Devido à anatomia valvar alterada, na qual existe uma fusão de uma rafe entre duas cúspides, pode haver um jato excêntrico direcionado para a parede da aorta, mesmo sem disfunção valvar significativa. Esse jato causa uma tensão aumentada na parede da aorta, que, ao longo do tempo, leva à dilatação da região atingida, havendo inclusive estudos que associam maiores dilatações a diferentes ângulos de saída do jato.
- Além do fator hemodinâmico, pacientes com VAB apresentam alterações moleculares, como disfunções nas metaloproteinases e nas proteínas da matriz extracelular, o que gera maior fragilidade na parede aórtica, predispondo a maior incidência de aortopatias.
A dilatação da aorta em pacientes com VAB pode ou não estar relacionada à presença de estenose ou insuficiência aórtica, sendo um indicativo de pior prognóstico e aumento das taxas de síndrome aórtica aguda. Por isso, esses casos demandam atenção especial em relação à indicação cirúrgica.
As diretrizes de doenças da aorta do American College of Cardiology (ACC) e a Diretriz Brasileira de Valvopatias de 2020 dedicam uma seção à abordagem da aorta em pacientes com VAB. Em pacientes sem VAB ou alterações genéticas de maior risco para aortopatias, não há um diâmetro mínimo estabelecido para a intervenção, sendo a decisão individualizada. Contudo, em consensos amplamente aceitos, indica-se a intervenção em pacientes com diâmetro aórtico maior que 5,5 cm, caso não haja outra indicação para cirurgia valvar concomitante. Já em pacientes com VAB e, especialmente, com fatores de risco para dissecção — como história familiar de dissecção, crescimento rápido da aorta (>0,3 cm/ano), coarctação de aorta ou acometimento da raiz aórtica — a cirurgia é indicada com diâmetro mínimo de 5,0 cm.
Além disso, se houver indicação para intervenção na valva aórtica ou em outras valvas por disfunção (estenose ou insuficiência) e o diâmetro da aorta for maior que 4,5 cm, considera-se a abordagem simultânea da aorta. Em casos específicos de insuficiência aórtica significativa secundária à dilatação do anel aórtico, pode-se considerar a cirurgia da aorta mesmo com diâmetros menores, sempre após discussão com o Heart Team.
A abordagem do aneurisma de aorta em pacientes com valva aórtica bicúspide é uma questão complexa que envolve a consideração de múltiplos fatores anatômicos, hemodinâmicos e genéticos. A decisão sobre a intervenção cirúrgica deve ser cuidadosamente individualizada, levando em conta não apenas o diâmetro da aorta, mas também a presença de fatores de risco, como história familiar de dissecção, crescimento acelerado da aorta e das disfunções valvares associadas. Além disso, a experiência da equipe cirúrgica e da equipe de cuidados pós-operatórios no qual o paciente será submetido ao procedimento é fundamental para garantir desfechos favoráveis. Diretrizes internacionais e nacionais, como as do American College of Cardiology (ACC) e a Diretriz Brasileira de Valvopatias de 2020, fornecem orientações claras sobre os critérios para intervenção, permitindo uma abordagem mais segura e eficaz no manejo dessa condição. Com a evolução contínua do conhecimento sobre a valva aórtica bicúspide, tanto do ponto de vista patofisiológico quanto terapêutico, o envolvimento de equipes multidisciplinares será cada vez mais crucial para garantir os melhores resultados para os pacientes.
Referências bibliográficas:
- American College of Cardiology. 2010 ACC/AHA Guidelines for the Diagnosis and Management of Patients With Thoracic Aortic Disease.
- Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2020.
3. Michelena, H. I., et al. “Bicuspid Aortic Valve Disease: From Pathophysiology to Treatment.” Circulation, 2014.