O que é a Síndrome de Heyde?

ynnie Arouca (@lynniearouca) | Vitor Emer Rosa (@vitor_emer_rosa)

A associação entre estenose aórtica (EAo) importante e sangramento gastrointestinal por lesões angiodisplásicas é denominada Síndrome de Heyde, sendo descrita pela primeira vez em 1958, por Edward Heyde.

Em relação à sua fisiopatologia, permaneceu pouco elucidada por muitos anos, desde a sua primeira descrição, na década de 50. Apesar de ainda haver controvérsias quanto à patogênese da Síndrome de Heyde, alguns estudos propuseram possíveis mecanismos envolvidos na predisposição a sangramentos nesse grupo de pacientes, os quais serão destacados abaixo:

1 – Deficiência adquirida de fator de von Willebrand (vWF):  A molécula de vWF é um multímero de alto peso molecular que contribui na formação do trombo plaquetário. Em situações de alto estresse de cisalhamento (como na EAo importante), ocorre uma alteração na estrutura do vWF, o qual se torna suscetível a proteólise por ação da enzima ADAMTS13 (A Disintegrin And Metalloproteinase with Thrombospondin type 1 moitf, member 13). Dessa forma, passa a existir uma deficiência adquirida do vWF, dificultando o processo de adesão plaquetária nesses pacientes.

2 – Angiodisplasia Gastrointestinal: Em pacientes com EAo importante, pode haver uma redução da perfusão gastrointestinal, devido ao achatamento do padrão da onda de pulso arterial. Assim, a longo prazo, a hipoxemia esplâncnica poderia estimular a neoangiogênese e, consequentemente, a formação de telangiectasias.

Vale destacar que essas hipóteses fisiopatológicas são passíveis de questionamento. No contexto de senilidade, é maior a prevalência de angiodisplasia gastrointestinal e há diversos outros possíveis fatores causadores de Síndrome de von Willebrand adquirida nessa população senil – como DM, IRC e Hipotireoidismo. Dessa forma, não sabemos se há nexo causal ou seria apenas uma coincidência a presença desses fatores no paciente com EAo degenerativa.

Geralmente, após tratamento do quadro valvar, há uma resolução do quadro de deficiência adquirida de vWF e isso reduziria significativamente a taxa de novos sangramentos (2). Alguns autores argumentam a intervenção valvar em pacientes com EAo e Síndrome de Heyde, independente de sintomas ou complicadores (2, 3). O que corrobora com essa hipótese é o fato de o sangramento agudo nesse perfil de paciente estar associado a alta mortalidade, considerando o contexto de baixa capacidade em aumentar o débito cardíaco, devido à obstrução fixa da via de saída. Assim, corrigindo-se a questão valvar, mesmo diante de possíveis novos episódios de sangramento, o indivíduo teria maior capacidade adaptativa e menor índice de mortalidade. Entretanto, ainda são necessários estudos prospectivos para confirmar essa hipótese.

Referências:

  • 1. Dacre MD. The pathophysiology of acquired von Willebrand’s Disease type 2A (vWD-2A) from aortic stenosis (Heyde’s Syndrome). Creative Commons. 2005
    2. Thompson JL, Schaff HV, Dearani JA, Park SJ, Sundt TM, Suri RM, et al. Risk of recurrent gastrointestinal bleeding after aortic valve replacement in patients with heyde syndrome. J Thorac Cardiovasc Surg. 2012;144(1):112-6.
    3. Natorska J, Mazur P, Undas A. Increased bleeding risk in patients with aortic valvular stenosis: From new mechanisms to new therapies. Thromb Res. 2016;139:85-9
    4. Rosa VEE, Ribeiro HB, Fernandes JRC, Santis A, Spina GS, Paixão MR, Pires LJT, et al. Síndrome de Heyde: Estratégias Terapêuticas e Seguimento de Longo Prazo. Arq. Bras. Cardiol. 2021;117(3):512-7.
    5. Figuinha FCR, Spina GS, Tarasoutchi F. Arq Bras Cardiol 2011;96(3):e42-e45.