Qual o melhor tratamento para trombose de prótese valvar: trombólise ou cirurgia?
Lynnie Arouca (@lynniearouca) | Vitor Emer (@vito_emer_rosa) |
A trombose é uma das possíveis complicações em portadores de prótese valvar, sendo mais frequente em pacientes com próteses mecânicas e em posição mitral em decorrência da alta trombogenicidade do material protético e pelo fluxo transvalvar reduzido, respectivamente. Este evento pode se manifestar de maneira variada, desde apresentação assintomática até quadros com instabilidade hemodinâmica. Esse grande espectro de apresentações clínicas não é apenas determinado pelo tamanho do trombo, mas também pelo grau de obstrução valvar, já que trombos pequenos na articulação do disco da prótese mecânica também podem restringir a movimentação do mesmo e gerar graves obstruções.
Em relação ao manejo, o primeiro fator a ser considerado é a sintomatologia:
- Dispneia Classe Funcional I e II: Nas situações em que o paciente tem pouca repercussão clínica é recomendado, primeiramente, determinar o tamanho do trombo.
- Trombo < 8 mm: Indicada anticoagulação oral e monitorização ambulatorial com exames de imagem. Em pacientes em uso de varfarina e com RNI em faixa terapêutica, podemos aumentar a faixa do RNI e/ou adicionar aspirina. Em pacientes em uso de DOAC, é sugerido mudar para varfarina.
- Trombo ³ 8 mm: Quanto maior o trombo, mais elevado o risco de embolização e/ou obstrução valvar. Portanto, nesses casos, considera-se internação para anticoagulação venosa. Deve ser realizado acompanhamento com exames de imagem a cada 5 ou 7 dias e, caso não houver resolução do trombo após esse período, pode-se considerar fibrinólise e/ou cirurgia.
- Dispneia Classe Funcional III e IV: Nesses casos, a tendência é a intervenção – seja com fibrinólise ou cirurgia, a depender da disponibilidade do centro. Nesse cenário é importante individualizar cada caso e determinar a melhor terapia por meio de discussão de Heart Team. Para isso é necessário levar em consideração alguns fatores:
Favorecem à fibrinólise | Favorecem à cirurgia |
Alto risco cirúrgico | Baixo risco cirúrgico |
Baixo risco de sangramento | Alto risco de sangramento |
Acometimento de valvas direitas | Acometimento de valvas esquerdas |
Primeiro episódio trombose valvar | Suspeita de pannus associado |
Trombo < 0,8 cm² | Trombo móvel ou grande (³ 0,8 cm²) |
Instabilidade hemodinâmica | |
Contraindicação à fibrinólise | |
Necessidade de procedimentos cirúrgicos concomitantes |
Vale ressaltar também que, apesar de risco de trombose ser menor em portadores de prótese biológica, o raciocínio clínico e o manejo se aplicam da mesma forma.
Apesar de a cirurgia ser a preferência na maioria dos cenários, um estudo recente demonstrou vantagens na trombólise com baixas doses e infusão lenta do trombolítico (1). Enquanto a dose habitual do t-PA (alteplase) é de 10 mg em bolus seguido por 90 mg em 2 horas, os autores testaram uma infusão de 25 mg em 25 horas de t-PA sem bolus, repetida a cada 8 horas se necessário, com dose máxima de 200 mg. Esse esquema reduziu mortalidade em 3 meses comparado à cirurgia, com uma mediana de dose de 59 mg, além de menos complicações e altas taxas de sucesso. Os pacientes analisados eram jovens (média de idade 49 anos), maioria oligossintomáticos (62% em CF I e II) e com alto risco cirúrgico (média de EuroSCORE II 8,79). A indicação principal era por sintomas relacionados à obstrução valvar (73%), entretanto também havia pacientes assintomáticos ou com sintomas relacionados à embolia. Portanto é importante notar que essas conclusões se aplicaram a esse perfil específico de pacientes.
Em resumo, o tratamento para trombose de prótese não é sempre igual. É necessário individualizar a condução conforme o estado clínico do paciente e o tamanho do trombo. Recentemente, um estudo trouxe informações importantes sobre o benefício da trombólise lenta e em baixas doses, porém se aplica a um perfil restrito de pacientes. Assim, ainda são necessários mais estudos randomizados sobre o tema para sua maior compreensão.
Referências:
- Özkan M, Gündüz S, Güner A, et al. Thrombolysis or Surgery in Patients With Obstructive Mechanical Valve Thrombosis. J Am Coll Cardiol. 2022 Mar, 79 (10)977989. https://doi.org/10.1016/j.jacc.2021.12.027
Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, Santis A, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq. Bras. Cardiol. 2020;115(4):720-75.