A ampulheta contra a angina refratária

Prof. Dr. Luís Henrique Wolff Gowdak

A descrição original de angina pectoris feita por William Heberden foi apresentada pela primeira vez ao Royal College of Physicians em 1768 e publicada alguns anos mais tarde no Medical Transactions of the College1. Apesar de receber elogios por sua descrição detalhada dos sintomas que acompanham a história natural de pacientes com angina de esforço angina, Heberden humildemente reconheceu que “com respeito ao tratamento desta condição, tenho pouco ou nada para acrescentar.” Exatamente 250 anos depois, assistimos impressionados aos grandes avanços que testemunhamos no tratamento de pacientes com angina estável, desde medicamentos para controle ótimo de sintomas e prevenção secundária, chegando aos procedimentos de (percutânea ou cirúrgica). Mas apesar de todos esses avanços, ocasionalmente deparamo-nos com pacientes com sintomas incapacitantes relacionados à isquemia miocárdica e não responsivos à terapia médica. Levado à discussão quanto às possibilidades de revascularização para melhora de sintomas, não infrequentemente devido à complexidade anatômica da doença, incluindo padrão obstrutivo difuso em vasos de fino calibre, ou porque o paciente é considerado de alto risco de complicações, o Heart Team entende pela impossibilidade de intervenção e o paciente recebe o diagnóstico de angina refratária.

Anualmente, entre 75.000 e 150.000 pacientes preenchem os critérios para angina refratária no Estados Unidos2 e entre 30.000 a 50.000 novos casos são diagnosticados na Europa3. O tratamento de pacientes com angina refratária além da terapia habitual pode parecer, a princípio, uma tarefa impossível, mas não o é. Há, de fato, uma grande oportunidade que se abre para a pesquisa médica e de dispositivos para a introdução de novos medicamentos e novas terapias não farmacológicas para esses pacientes. Exemplos dessas tecnologias incluem a contrapulsação externa aprimorada (EECP), a revascularização extracorpórea por ondas de choque e a estimulação do cordão espinhal4.

O mais recente avanço no tratamento de pacientes com angina refratária é baseado em técnica minimamente invasiva realizada pelo Cardiologista Intervencionista. O redutor do seio coronariano (Figura 1) é um novo dispositivo percutâneo em formato de ampulheta projetado para obter um estreitamento controlado do seio coronário que pode aliviar a isquemia miocárdica, possivelmente pela redistribuição do sangue do subepicárdio (menos isquêmico) para o subendocárdio (mais isquêmico), ou ainda por neoangiogênese.

Figura 1. Redutor do seio coronariano. Em A, o dispositivo expandido (note o formato em apulheta). Em B, o dispositivo montado sobre o cateter-balão.

Em 2015, um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e multicêntrico testou o benefício do implante do redutor do seio coronariano na melhora dos sintomas em 104 pacientes com angina refratária, quando comparado ao placebo. Houve melhora de pelo menos duas classes funcionais de angina em 35% dos pacientes do grupo de tratamento em comparação com 15% do grupo de controle. O dispositivo também foi associado à melhora de pelo menos uma classe de angina CCS em 71% dos pacientes no grupo de tratamento (37 de 52 pacientes), em comparação com 42% daqueles no grupo de controle. Desde então, diversos países acumularam experiência bem sucedida com o implante do dispositivo para o tratamento de pacientes com angina refratária como Polônia5, Portugal6, Espanha7, e Estados Unidos8. No Brasil, aguarda-se ansiosamente pela liberação do registro pela ANVISA.

Finalmente, ainda que técnica recém-desenvolvida, metanálise realizada incluindo 9 estudos com 846 pacientes procurou avaliar os efeitos do estreitamento do seio coronário em pacientes com angina refratária9. Uma melhora de ≥ 1 classe funcional de angina ocorreu em 76% dos pacientes e de ≥ 2 classes funcionais em 40% dos pacientes. O sucesso do procedimento foi de 98% sem complicações periprocedimento maiores e apenas de 3% complicações menores, confirmando assim o excelente perfil de segurança da estratégia.

Pacientes com angina refratária têm um enorme prejuízo da qualidade de vida e anseiam por estratégias que possam promover algum alívio sintomático e melhora na tolerância ao esforço10. A possibilidade de uso de estratégia minimamente invasiva para o implante do redutor do seio coronariano oferece aos pacientes com angina refratária uma nova opção terapêutica, segura e eficaz.

A ampulheta ou relógio de areia é, como o quadrante solar e a clepsidra, um dos objetos mais antigos de medir o tempo. Inspiração para o formato do redutor do seio coronário, oxalá possamos tê-lo brevemente em nosso país – muitos pacientes aguardam com ansiedade.

Se eu pudesse responder a William Heberden sobre o tratamento de pacientes com angina estável, diria a ele: “Com respeito ao tratamento desta condição, hoje eu tenho muito a acrescentar.”

Referências:

  • Heberden W. Some account of a disorder of the breast. Medical Transactions. The Royal College of Physicians of London. 1772;2:59–67.
  • Mukherjee D, Bhatt DL, Roe MT, Patel V, Ellis SG. Direct myocardial revascularization and angiogenesis–how many patients might be eligible? Am J Cardiol 1999;84(5):598-600, A8.
  • Mannheimer C, Camici P, Chester MR, et al. The problem of chronic refractory angina; report from the ESC Joint Study Group on the Treatment of Refractory Angina. Eur Heart J 2002;23(5):355-70.
  • Lantz R, Quesada O, Mattingly G, Henry TD. Contemporary Management of Refractory Angina. Interv Cardiol Clin. 2022;11(3):279-292.
  • Włodarczak S, Rola P, Jastrzębski A, et al. Coronary Sinus Reducer implantation in refractory angina. Short-term outcome of Lower Silesia Sinus Reducer Registry (LSSRR). Kardiol Pol. 2023 Mar 5. [Epub ahead of print]
  • Ferreira Reis J, Brízido C, Madeira S, Ramos R, Almeida M, Cacela D. Coronary sinus Reducer device for the treatment of refractory angina: A multicenter initial experience. Rev Port Cardiol. 2023 Feb 22:S0870-2551(23)00109-9.
  • Rodríguez-Leor O, Jiménez Valero S, Gómez-Lara J, Escaned J, Avanzas P, Fernández S; en representación de los investigadores del registro Re2-Cor. Initial experience with the coronary sinus reducer for the treatment of refractory angina in Spain. Rev Esp Cardiol (Engl Ed). 2022 Dec 17:S1885-5857(22)00320-6.
  • Gindi R, Gorgis S, Raad M, O’Neill W, Koenig G. The Use of Coronary Sinus Reducer for Refractory Angina in the U.S.: A Case Series. Cardiovasc Revasc Med. 2022 Jul;40S:267-271.
  • Hochstadt A, Itach T, Merdler I, et al. Effectiveness of Coronary Sinus Reducer for Treatment of Refractory Angina: A Meta-analysis. Can J Cardiol. 2022;38(3):376-383.
  • Geovanini GR, Gowdak LHW, Pereira AC, et al. OSA and depression are common and independently associated with refractory angina in patients with coronary artery disease. Chest. 2014 Jul;146(1):73-80.

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