Fundamentos em Doenças Valvares – Tomografia computadorizada

Dr. Bruno Maeda Fuzissima

Tudo o que você precisa saber sobre Valvopatia Mitral

Tomografia Computadorizada Cardíaca

A Tomografia Computadorizada Cardíaca é um método diagnóstico não invasivo, baseado em Raio X e acoplado ao ciclo cardíaco pelo eletrocardiograma. Permite a avaliação das estruturas cardíacas em fases de aquisição sem e/ou com contraste, em sístole e/ou diástole, dependendo da indicação clínica do exame. Tem como limitações a necessidade de tomógrafo com pelo menos 64 canais de detectores, uso de contraste iodado, radiação ionizante, necessidade de decúbito e manutenção de apneia (10-15s), além da necessidade de tolerância ao ambiente parcialmente fechado da tomografia.

Pela complexidade anatômica da valva mitral, a tomografia cardíaca, por sua alta resolução espacial, é voltada predominantemente para o planejamento do implante de próteses e/ou reparo valvar via transcateter, avaliando medidas que auxiliam no entendimento da viabilidade anatômica do procedimento, na escolha da endoprótese e na avaliação do risco de complicações perioperatórias. Por outro lado, a ressonância magnética cardíaca, devido à sua menor resolução espacial, ainda tem aplicação limitada na avaliação do aparato valvar mitral.

Resumidamente, destacam-se as indicações da tomografia cardíaca na valvopatia mitral em:

  • Avaliação pré-procedimento transcateter de valva nativa

○ Estenose mitral calcífica (Valve in MAC)

○ Insuficiência mitral (MitraClip e TMVR)

  • Disfunção de prótese valvar mitral

○ Valve in Valve Mitral

○ Valve in Ring

  • Avaliação de complicações valvares

○ Trombo, Pannus, endocardite infecciosa, embolização de prótese, entre outros.

Valve in Valve Mitral

A tomografia computadorizada auxilia na avaliação da viabilidade do procedimento ao analisar marcadores de risco para complicações, sendo as mais temidas a embolização de prótese, a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e a compressão do seio venoso e da artéria circunflexa. Realiza-se um protocolo de aquisição do campo cardíaco, com cortes finos, envolvendo todo o ciclo cardíaco e posteriores reconstruções de 10 em 10%, afim de encontrar a fase sistólica e diastólica com o menor número possível de artefatos. Exige o uso de contraste iodado puro e diluído (~100-150 mL, 350 mg/mL), e não é mandatório o controle da frequência cardíaca. No entanto, para melhor qualidade de imagem, é interessante uma frequência cardíaca inferior a 70 bpm e, se possível, o uso de vasodilatação oral para avaliação da artéria circunflexa. O protocolo inicialmente analisa a morfologia da prótese mitral previamente implantada, avaliando espessamentos, calcificações, trombos e folhetos. São feitas medidas para a escolha da endoprótese, incluindo diâmetros, área e perímetro. Tais medidas podem ser menores que os dados de fábrica em casos de degeneração interna do anel por pannus, trombo ou em modelos com folhetos com sutura interna. 

Em seguida, projeta-se uma prótese virtual na posição mitral, durante a fase sistólica, com uma relação de 20% do seu comprimento em posição atrial e 80% ventricular. São extraídas medidas da relação da prótese virtual com as estruturas adjacentes e medidas da morfologia da VSVE prevista. Alguns preditores de obstrução da VSVE são a área da neo VSVE inferior a 170-200 mm² e a distância do ânulo mitral ao septo basal inferior a 17,8 mm.

Depois, são realizadas medidas da VSVE durante a diástole ventricular. Marcadores complementares de risco de obstrução incluem um ângulo paralelo aos planos da valva mitral e aórtica inferior a 115°, espessura do septo basal acima de 14 mm, diâmetro diastólico final do VE inferior a 48 mm e comprimento do folheto anterior da valva mitral, que será rebatido para a via de saída do ventrículo esquerdo, maior que 30 mm. Quando presentes, esses marcadores não contraindicam o procedimento, mas podem sugerir a necessidade de procedimentos adicionais, como a realização de alcoolização septal para redução septal ou o uso de técnicas para lacerar o folheto anterior que seria rebatido para a neo VSVE.

Por fim, avalia-se também o septo interatrial, tendo em vista que frequentemente a via de acesso para o procedimento é transeptal. Descrevem-se, quando presentes, fatores associados a maior dificuldade técnica, como espessamento, calcificação, infiltração lipomatosa, patches cirúrgicos, trombos, aneurismas e defeitos do septo interatrial. Algumas contraindicações ao procedimento que podem ser visualizadas pela tomografia são a presença de endocardite infecciosa, deiscência de prótese, trombose extensa de prótese, trombo no septo interatrial e interrupção de veia cava inferior. Contraindicações relativas são leak paravalvar, trombo no apêndice atrial e abordagem prévia do septo ou via transeptal.

Valve in MAC

Pacientes com calcificação importante da valva mitral apresentam elevada dificuldade técnica para a troca valvar cirúrgica convencional e geralmente são idosos, de alto risco cirúrgico e com valvopatias associadas. Além disso, a calcificação exuberante dificulta a análise morfológica pelo ecocardiograma. Nestes casos, a tomografia computadorizada e o implante transcateter são alternativas viáveis, utilizando a calcificação do anel mitral como ponto de apoio para a endoprótese, procedimento denominado valve-in-MAC (mitral annulus calcification). Este procedimento é frequentemente realizado por via transeptal ou transapical, mas apresenta altos índices de complicações, incluindo leak paravalvar, obstrução da via de saída do VE e embolização da prótese. Mesmo nos casos bem-sucedidos, a taxa de mortalidade é significativa, variando de 6% a 25% em 30 dias e podendo alcançar 54% em 12 meses.

O protocolo de aquisição e o pós-processamento são similares aos do Valve in Valve Mitral, incluindo a projeção de uma prótese virtual e a avaliação da neo VSVE conforme já mencionado. Adicionalmente, na fase diastólica, é avaliado o escore de gravidade do MAC, pontuado de 0 a 10 com base na espessura da calcificação, sua extensão circunferencial, envolvimento dos trígonos medial e lateral, e acometimento dos folhetos anterior e posterior. Escores igual ou acima de 7 indicam calcificação acentuada, permitem fixação da endoprótese e estão associados a menor incidência de deslocamento e/ou embolização da prótese. Já escores menores ou iguais a 6 cursam em até 60% dos casos com essa complicação. Por outro lado, área do ânulo valvar mitral acima de 680mm² está associada a uma maior incidência de regurgitação paravalvar pós-procedimento. Para a escolha da endoprótese, cada modelo baseia-se em parâmetros específicos do ânulo valvar. São medidas a área, perímetro, diâmetros mínimo, máximo e médio, distância trígono-trígono, distância intercomissural e anteroposterior do ânulo valvar mitral em sua forma de D-shape. Os passos para a projeção virtual da endoprótese e avaliação da neo VSVE são semelhantes aos do Valve in Valve Mitral, com a consideração adicional de que a redução percentual da área da neo VSVE em relação ao prévio em mais de 50% é um fator de risco para obstrução.

Mitral Transcatheter Edge-to-Edge Repair (MitraClip) e Transcatheter Mitral Valve Replacement (TMVR)

O procedimento de reparo transcateter da valva mitral nativa com MitraClip para os casos de insuficiência mitral primária e secundária utiliza o ecocardiograma transesofágico 3D como método padrão-ouro para o planejamento pré-operatório e o posicionamento intraoperatório. Estudos recentes sugerem boa correlação entre os parâmetros anatômicos observados na tomografia cardíaca e no ecocardiograma transesofágico, incluindo a área anular mitral, distância intercomissural, distância anteroposterior e área do orifício valvar mitral. Além disso, a tomografia é superior ao ecocardiograma e à ressonância cardíaca na avaliação de calcificação, que, quando moderada ou acentuada, está relacionada a piores resultados. Essas medidas permitem a estratificação dos pacientes em maior ou menor risco de complicações pós-procedimento, como insuficiência residual e/ou gradiente transprotético.

Pacientes com área do orifício valvar mitral menor que 4cm² apresentam teoricamente menor propensão ao sucesso do procedimento, devido ao risco aumentado de estenose residual, sendo isso ainda mais evidente em casos inferiores a 2,4cm² e associados à área do ânulo mitral menor que 900mm². A tomografia cardíaca oferece a vantagem de ser mais acessível, menos invasiva e não exigir sedação em comparação ao ecocardiograma transesofágico 3D. 

Cada modelo de endoprótese de TMVR baseia-se em parâmetros distintos do ânulo valvar para determinar o material necessário e a viabilidade do procedimento. Tais próteses específicas para a mitral ainda não estão amplamente disponíveis na prática clínica.

Complicações Pós-Operatórias

As principais complicações incluem obstrução da neo VSVE, embolização de prótese, e compressão da artéria circunflexa e do seio coronariano. A tomografia também é útil na disfunção de próteses com suspeita de trombose e na restrição de mobilidade dos folhetos valvares. Nestes casos, o espessamento dos folhetos e a presença de imagens hipodensas podem indicar pannus, trombo ou vegetação, dependendo das características radiológicas e do contexto clínico. Esses achados auxiliam o cardiologista no diagnóstico de disfunção da prótese, possibilitando considerar o controle evolutivo/comparativo após a anticoagulação, se necessário.

Endocardite Infecciosa

Na suspeita de endocardite infecciosa, a tomografia cardíaca atua como método complementar para o diagnóstico de vegetações e, principalmente, para a avaliação de complicações que possam indicar intervenção cirúrgica. Protocolos específicos de aquisição são necessários, envolvendo fases sistólicas e diastólicas, câmaras cardíacas direitas e/ou esquerdas, e o uso de contraste. Não requer preparo como sedação ou controle rigoroso da frequência cardíaca. Atualmente, seu uso complementa o fluxo de investigação habitual da endocardite infecciosa, sendo especialmente útil na avaliação de complicações paravalvares, como abscessos e pseudoaneurismas, e na identificação de vegetações volumosas. 

 

Bibliografia

  1. RANGANATH, Praveen et al. CT for pre-and postprocedural evaluation of transcatheter mitral valve replacement. Radiographics, v. 40, n. 6, p. 1528-1553, 2020.
  2. Yoon SH, Bleiziffer S, Latib A, Eschenbach L, Ancona M, Vincent F, et al. Predictors of Left Ventricular Outflow Tract Obstruction After Transcatheter Mitral Valve Replacement. JACC Cardiovasc Interv. 2019;12(2):182-193.
  3. Vilela et al. My Approach to Transseptal Mitral Valve-In-Valve. Arq Bras Cardiol: Imagem cardiovasc. 2022;35(2):ecom24.
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  5. Harloff MT, Chowdhury M, Hirji SA, Percy ED, Yazdchi F, Shim H, et al. A step-by-step guide to transseptal valve-in-valve transcatheter mitral valve replacement. Ann Cardiothorac Surg. 2021;10(1):113-121.
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  8. Praz F, Khalique OK, Lee R, et al. Imaging in patients with severe mitral annular calcification: insights from a multicentre experience using transatrial balloon-expand- able valve replacement. Eur Heart J Cardiovasc Imaging 2019;20(12):1395–1406.
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  11. D. Kaewkes, V. Patel, T. Ochiai et al. Usefulness of Computed Tomography to Predict Mitral Stenosis After Transcatheter Mitral Valve Edge-to-Edge Repair. Am J Cardiol 2021;153:109−118.
  12. Chang, S., Suh, Y. J., Han, K., Kim, J. Y., Kim, Y. J., Chang, B.-C., & Choi, B. W. (2017). The clinical significance of perivalvular pannus in prosthetic mitral valves: Can cardiac CT be helpful? International Journal of Cardiology, 25463, 1-5.
  13. Bin Saeedan et al. Role of Cardiac CT in Infective Endocarditis: Current Evidence, Opportunities, and Challenges. Radiology: Cardiothoracic Imaging 2021; 3(1):e200378.


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Nesta aula do nosso curso “Fundamentos em Doenças Valvares – tudo o que você precisa saber sobre insuficiência mitral”, o Dr. Bruno Maeda aborda o uso da tomografia computadorizada cardíaca no diagnóstico, detecção de complicações e programação do tratamento de pacientes com insuficiência mitral, com destaque para a avaliação pré-procedimentos transcateter da valva mitral.

 

 

Insuficiência Mitral: Quais os sintomas e por que surgem?

Fernanda Castiglioni Tessari | Lynnie Arouca

Na insuficiência mitral primária crônica, ocorre uma sobrecarga de volume nas câmaras esquerdas e, com a progressão da doença, o excesso de volume descrito levará ao aumento da pressão de enchimento no átrio esquerdo. Considerando que não existe uma válvula que isole o átrio esquerdo da circulação pulmonar, a sobrecarga se refletirá na elevação da pressão venocapilar pulmonar, gerando, com isso, o surgimento de edema alvéolo-intersticial que prejudicará as trocas gasosas, ocasionando o sintoma de dispneia e fadiga. Em fases mais iniciais, os sintomas podem surgir apenas em situações que aumentam a pressão venocapilar pulmonar, como no esforço físico ou durante a gestação, por exemplo. Com a evolução, o paciente passa a apresentar dispnéia aos mínimos esforços ou até em repouso, ortopneia e dispneia paroxística noturna.

Se a insuficiência mitral primária crônica não for tratada, a persistência desses mecanismos leva à progressão da hipertrofia excêntrica, podendo levar ao remodelamento ventricular excessivo, com fibrose intersticial e redução da capacidade contrátil do VE, gerando disfunção ventricular esquerda e intensificação dos sintomas de insuficiência cardíaca.

Em fases mais avançadas da doença também pode haver remodelamento da circulação pulmonar com hipertensão pulmonar mista e repercussão em câmaras direitas, com insuficiência tricúspide e disfunção ventricular direita. Nesse momento, o paciente pode cursar com piora do edema periférico, ascite, fadiga, hemoptise, dentre outros sintomas de insuficiência cardíaca direita. 

Paralelamente, remodelamento atrial mencionado pode levar à instabilidade elétrica e surgimento de arritmias atriais, em especial a fibrilação atrial. Assim, dentre os possíveis sintomas associados a essa valvopatia, a presença de palpitações e a ocorrência de fenômenos embólicos (como AVC/AIT, obstrução arterial periférica aguda e abdome agudo vascular) podem acontecer.

Do mesmo modo, no caso da insuficiência mitral secundária, a regurgitação mitral pode contribuir para a intensificação ou dificultar o controle dos sintomas de insuficiência cardíaca provocados pela doença de base, com piora da dispneia, intolerância aos esforços e sinais de baixo débito cardíaco.  

Devemos também estar atentos aos pacientes portadores de prolapso de válvula mitral. Em alguns casos, ele pode se apresentar no formato de uma entidade denominada prolapso arritmogênico. Nesses pacientes, a presença de fibrose miocárdica, notadamente nos músculos papilares, causada pelo tracionamento das cordoalhas tendíneas, leva a eventos arrítmicos ventriculares. Esses eventos variam desde extrassístoles ventriculares frequentes ( 5%) – que podem se manifestar clinicamente com palpitações – até arritmias ventriculares complexas (TVNS, TV e FV) – podendo desencadear episódios de síncope ou mesmo morte súbita. Desse modo, sempre que houver sintomas de palpitações e/ou síncope no contexto de prolapso de válvula mitral, é importante se atentar ao rastreio do prolapso arritmogênico, mesmo na ausência de refluxo mitral importante.

Assim, entendendo a origem dos principais sintomas na insuficiência mitral, fica simples compreender quais são eles. Resumidamente, então, podem acontecer: palpitações (por fibrilação atrial e/ou prolapso arritmogênico), dispneia e fadiga (por congestão venocapilar pulmonar e redução do débito cardíaco), síncope (no contexto do prolapso arritmogênico) e fenômenos embólicos (secundários à fibrilação atrial). 

 

Referências bibliográficas

El Sabbagh, A., Reddy, Y. N. V., & Nishimura, R. A. (2018). Mitral Valve Regurgitation in the Contemporary Era: Insights Into Diagnosis, Management, and Future Directions. JACC. Cardiovascular imaging, 11(4), 628–643. https://doi.org/10.1016/j.jcmg.2018.01.009

 

Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIO, et al. Update of the Brazilian Guidelines for Valvular Heart Disease – 2020. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias – 2020. Arq Bras Cardiol. 2020;115(4):720-775. doi:10.36660/abc.20201047

 

Sabbag, A., Essayagh, B., Barrera, J. D. R., Basso, C., Berni, A., Cosyns, B., Deharo, J. C., Deneke, T., Di Biase, L., Enriquez-Sarano, M., Donal, E., Imai, K., Lim, H. S., Marsan, N. A., Turagam, M. K., Peichl, P., Po, S. S., Haugaa, K. H., Shah, D., de Riva Silva, M., … Lancellotti, P. (2022). EHRA expert consensus statement on arrhythmic mitral valve prolapse and mitral annular disjunction complex in collaboration with the ESC Council on valvular heart disease and the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed cby the Heart Rhythm Society, by the Asia Pacific Heart Rhythm Society, and by the Latin American Heart Rhythm Society. Europace: European pacing, arrhythmias, and cardiac electrophysiology : journal of the working groups on cardiac pacing, arrhythmias, and cardiac cellular electrophysiology of the European Society of Cardiology, 24(12), 1981–2003. https://doi.org/10.1093/europace/euac125

 

Emergências em Valvopatias: Como manejar um paciente com Insuficiência Mitral no Departamento de Emergência?

Renato Nemoto

Seguindo com a série de tratamento de valvopatias no Departamento de Emergência, chegamos agora na Insuficiência Mitral, valvopatia que gera uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, causando congestão a partir dessa câmara.

Seguindo com a série de tratamento de valvopatias no Departamento de Emergência, chegamos agora na Insuficiência Mitral, valvopatia que gera uma sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, causando congestão a partir dessa câmara.

Quando crônica, ocorre remodelamento excêntrico do ventrículo esquerdo, átrio esquerdo, e congestão pulmonar. Quanto maior o tempo de evolução, maior a chance de hipertensão pulmonar. A dilatação do átrio esquerdo favorece o surgimento de arritmias atriais, podendo apresentar no Departamento de Emergência fibrilação atrial de alta resposta, taquicardia atrial, dentre outras. Caso estável, a preferência em geral é por controle de frequência cardíaca devido remodelamento cardíaco, e se a arritmia gera instabilidade hemodinâmica, deve-se proceder à cardioversão elétrica.

Quando a apresentação é com insuficiência cardíaca, a abordagem se dá com diureticoterapia e vasodilatação, para redução das pressões de enchimento, redução da fração regurgitante e alívio da congestão. A redução da frequência cardíaca objetivando FC em torno de 50-60bpm é deletéria, pois gera o aumento da fração regurgitante, piorando a congestão. Em caso de choque cardiogênico, a associação de inotrópicos, suporte ventricular esquerdo, como o balão intra-aórtico, são efetivas como suporte até resolução da valvopatia.

Já quando a Insuficiência mitral é aguda, as consequências são diferentes. As principais causas de IMi aguda são endocardite infecciosa, isquêmica, ruptura espontânea de cordoalha, trauma, ruptura de prótese, pós procedimentos percutâneos. A sobrecarga nas câmaras esquerdas ocorre de forma abrupta, não tendo o VE e o AE tempo para se adaptar. Dessa maneira, com a pouca complacência quando comparado com a IMi crônica, o resultado é congestão pulmonar, na maioria das vezes edema agudo de pulmão e instabilidade hemodinâmica. A abordagem também envolve diureticoterapia, vasodilatação se possível, inotrópicos e suporte ventricular esquerdo.

O tratamento definitivo é cirúrgico, ficando o tratamento percutâneo (MitraCLip) para os casos de alto ou proibitivo risco cirúrgico, tendo inclusive alguma evidência em casos de choque cardiogênico (https://triplei.com.br/mitraclip-no-tratamento-de-choque-cardiogenico/).

 

Referências:

Accorsi, TAD et al. Emergências Relacionadas à Doença Valvar Cardíaca: Uma Revisão Abrangente da Abordagem Inicial no Departamento de Emergência. Arq. bras. cardiol ; 120(5): e20220707, 2023.

Ressincronização Cardíaca e Insuficiência Mitral

O eco é suficiente para a medida da Hipertensão Pulmonar?

Na avaliação pré-operatória, quando solicitar cateterismo cardíaco? E o cateterismo de câmaras direitas?

Calcificação do Anel Mitral