Calcificação do Anel Mitral

Tiago Bignoto

A calcificação do anel mitral (MAC) é um processo crônico e degenerativo, que em estágio avançado, pode levar a disfunção valvar como estenose e/ou insuficiência. Anatomicamente, a porção posterior do anel fibroso mitral é a mais acometida.

Atualmente a prevalência de MAC com gradiente transvalvar significativo (> 5mmHg) é baixa, em torno de 0,2%, mas com o envelhecimento da população espera-se que vejamos mais pacientes assim no dia a dia (acima de 90 anos a prevalência chega a 2,5%). Essa nova manifestação está relacionada a comorbidades como idade avançada, hipertensão arterial, doença renal crônica e doença cardíaca secundária a radiação (quer saber mais sobre radiação e doença valvar? Clique aqui), podendo se apresentar em associação com outras doenças valvares, principalmente a estenose aórtica.

A extensa calcificação do anel mitral e o restante de seu aparato, também interferem na dinâmica contrátil da sístole ventricular, podendo levar a degeneração progressiva da fração de ejeção, muitas vezes já alterada pela presença de uma hipertrofia associada.

Foi proposta uma classificação da intensidade da calcificação em discreta (até 1/3 da circunferência), moderada (até 2/3 da circunferência) ou importante (maior do que 2/3 da circunferência).

A adequada avaliação muitas vezes se torna um desafio, pois as manifestações clínicas são variáveis e resultam da interação de diversas alterações como redução da mobilidade dos folhetos, associação com regurgitação mitral e alterações da fração de ejeção devido a extensa calcificação.

As opções terapêuticas são escassas e em casos de estenose, a utilização da valvoplastia mitral percutânea não tem bons resultados, pois o acometimento não ocorre no plano comissural. Já a cirurgia de troca valvar costuma apresentar elevada morbimortalidade, chegando até mesmo a evoluir para disjunção átrio-ventricular na mesa de cirurgia. Devido ao anel ser extremamente doente, Leaks paraprotéticos são comuns e elevam a morbidade durante o acompanhamento a longo prazo (quer saber mais sobre Leak? Clique aqui). Diante disso, no atual cenário, o tratamento é clínico com uso de medicações como diuréticos e betabloqueadores, já que não dispomos de terapêutica específica.

O diagnóstico basicamente é realizado pela ecocardiografia, em que são obtidas imagens claras da extensão da calcificação, associado a avaliação hemodinâmica para graduar a intensidade da lesão e suas repercussões. Em casos duvidosos, podemos lançar mão da complementação transesófagica ou de outras modalidades diagnósticas como a tomografia e até mesmo do cateterismo cardíaco para avaliar gradientes cavitários. Em pacientes com MAC, a ressonância não se mostrou método adequado para essa avaliação.

Alguns quadros mais avançados evoluem com degeneração caseosa em que se formam, dentro da área calcificada, regiões de necrose que se assemelham a cistos. Esse achado entra no diagnóstico diferencial com tumores cardíacos diversos.

Recentemente alguns centros têm realizado a troca valvar mitral transcateter, em que se posiciona uma prótese valvar ancorada no anel mitral calcificado, o chamado “Valve-in-MAC”. Trata-se de procedimento ainda em fase inicial com uma série de comorbidades. A complicação mais temida é a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) e para se evitar esse desfecho, utiliza-se a reconstrução pela tomografia e faz-se uma simulação da prótese implantada, avaliando a área final da VSVE. Em alguns casos, pode ser necessária a alcoolização septal para reduzir o risco dessa obstrução, mas nesse grupo de pacientes, essa prática pode apresentar complicações graves como BAVT e CIV.

Referências:

  • Tsutsui RS, Banerjee K, Kapadia S, et al. Natural History of Mitral Stenosis in Patients With Mitral Annular Calcification. JACC Cardiovasc Imaging. 2019 Feb 11. pii: S1936-878X(19)30046-4.

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