Estenose aórtica importante com disfunção ventricular, há espaço para vasodilatadores?

Rafael Ribeiro

A estenose aórtica importante é uma patologia frequente na prática clínica. Do ponto de vista fisiopatológico, tal valvopatia gera uma pós-carga excessivamente aumentada ao ventrículo esquerdo que, para manter o débito cardíaco adequado, adapta-se através da hipertrofia concêntrica. Em outras palavras, ocorre um aumento da massa ventricular e redução da cavidade cardíaca. Entretanto, em um determinado momento, tal processo de adaptação chega a seu limite, ocorrendo o fenômeno de afterload mismatch. Nesse caso, o paciente passa a apresentar sintomas e/ou disfunção ventricular em uma tentativa de manter o débito cardíaco, agora se utilizando do mecanismo de Frank-Starling, no qual ocorre a dilatação e estiramento da fibra miocárdica para aumentar a força contrátil.

A disfunção ventricular, nesse cenário, tem duas implicações:

1. A disfunção ventricular per se aumenta o risco do procedimento cirúrgico, que pode chegar a 50% se o paciente for operado em condições de descompensação clínica. A valvoplastia aórtica por cateter-balão é uma alternativa, porém tal procedimento apresenta altas taxas de complicações e baixa durabilidade a curto prazo.

2. Usualmente, o paciente apresentará sinais e sintomas da síndrome de insuficiência cardíaca. Apesar disso, o tratamento medicamentoso habitual com bloqueadores neuro-humorais (iECA/BRA, betabloqueadores, espironolactona, dentre outros) não modifica a história natural e muitas vezes é deletério. Betabloqueadores reduzem o inotropismo e pioram o débito cardíaco. Vasodilatadores podem reduzir a pressão arterial na raiz da aorta, reduzindo a pressão de enchimento coronária e, na maioria das vezes, não reduziriam a pós-carga fixa pela estenose aórtica. Até mesmo a dobutamina, que melhoraria a força de contração ventricular, só poderia ser utilizada em baixas doses, pois a taquicardia reflexa atrapalha o esvaziamento ventricular. Apesar de todos os malefícios que tais medicações podem gerar, os estudos relacionados a esse tema são escassos.

Deste modo, em 2003 foi publicado no NEJM um estudo clássico sobre o uso de nitroprussiato em 25 pacientes com estenose aórtica importante e disfunção ventricular (Left Ventricular Dysfunction and Obstructive Aortic Valve Disease [UNLOAD] Study). Tal estudo avaliou se, com o uso de nitroprussiato, haveria mudanças no índice cardíaco.  Tais pacientes utilizaram, inicialmente, nitroprussiato pelo período de 24 horas. De maneira surpreendente, a medicação foi bem tolerada e não só melhorou significativamente o índice cardíaco, como também a pressão de oclusão de artéria pulmonar, resistência vascular sistêmica e o volume ejetado do ventrículo esquerdo. Esse achado foi consistente inclusive nos pacientes que apresentavam doença arterial coronária concomitante à estenose aórtica.

Assim, os autores concluíram que, em pacientes críticos com estenose aórtica importante e disfunção sistólica ventricular esquerda grave, o nitroprussiato leva a rápida, marcada e consistente melhora do débito cardíaco. Os pacientes eram extremamente graves, porém, após 24 horas de nitroprussiato, o índice cardíaco normalizou.

Entretanto, apesar de surpreendentes, tais achados não recomendam o uso rotineiro de vasodilatadores está indicado para paciente com estenose aórtica importante. Todos pacientes estavam monitorizados de maneira invasiva para titulação adequada da dose do nitroprussiato. Além disso, os resultados não se aplicam a pacientes com fração de ejeção preservada, já que todos apresentavam disfunção ventricular.

Referências:

Umesh N KhotGian M NovaroZoran B PopovićRoger M MillsJames D ThomasE Murat TuzcuDonald HammerSteven E NissenGary S Francis. Nitroprusside in critically ill patients with left ventricular dysfunction and aortic stenosis. N Engl J Med. 2003 May 1;348(18):1756-63.