Mitraclip no tratamento de choque cardiogênico

Pâmela Cavalcante

Estudos recentes colocaram em discussão a clipagem mitral percutânea (MitraClip) no tratamento de insuficiência mitral importante, sobretudo de etiologia secundária, em pacientes estáveis hemodinamicamente. Mas, no cenário de choque cardiogênico, seria esta uma opção de tratamento viável?

Sabemos que o choque cardiogênico pode ocorrer de forma concomitante a valvopatias ou ser ocasionado por elas. Em relação à insuficiência mitral, temos as seguintes apresentações:

–  Na insuficiência cardíaca descompensada, devido a miocardiopatias não isquêmicas, em que a insuficiência mitral ocorre de forma secundária à doença ventricular;

– Na insuficiência cardíaca que surge como consequência da descompensação hemodinâmica devido à sobrecarga de volume ocasionada por uma insuficiência mitral primária importante;

– Nas síndromes coronárias agudas, que podem evoluir com isquemia dos músculos papilares e/ou rotura, provocando insuficiência mitral importante aguda e falência ventricular.

Todas essas situações são consideradas urgências e até emergências cardiológicas, com necessidade de drogas vasoativas, suporte circulatório mecânico e, em alguns casos, intervenção valvar imediata para o adequado manejo e compensação do quadro.

Contudo, a instabilidade hemodinâmica eleva sobremaneira o risco cirúrgico desses pacientes, chegando a ser frequentemente proibitivo. Existem poucas evidências de intervenção em pacientes com insuficiência mitral importante e choque cardiogênico, já que, na maioria das vezes, este grupo era excluído dos estudos. No clássico estudo SHOCK (Should we emergently revascularize Occluded Coronaries in cardiogenic shock?) trial, nos pacientes que apresentavam choque cardiogênico e insuficiência mitral importante concomitante, a taxa de mortalidade intra-hospitalar era em torno de 60%. Portanto, seria plausível que uma terapia minimamente invasiva, capaz de reduzir o refluxo mitral, pudesse trazer benefício neste cenário de elevada mortalidade e risco cirúrgico proibitivo.

De fato, já haviam sido publicadas algumas séries de casos e estudos observacionais mostrando que o tratamento com MitraClip, neste contexto, poderia reduzir mortalidade e aumentar a sobrevida livre de eventos em curto prazo (intra-hospitalar e 1 ano após o procedimento), podendo ser uma alternativa viável para esses pacientes. Entretanto, os resultados ainda são muito variáveis, e tendem a ser ainda mais desfavoráveis no cenário de choque cardiogênico relacionados à síndrome coronariana aguda, em que a insuficiência mitral surge como uma complicação mecânica, elevando a mortalidade dos pacientes. É interessante ressaltar que um recente trabalho derivado de um registro multicêntrico (IREMMI – International Registry MitraClip in Acute Myocardial Infarction) apresentado no TCT (2020) mostrou que o MitraClip poderia ser uma opção segura e factível em casos de insuficiência mitral isquêmica relacionada a síndrome coronária aguda. Foram incluídos 50 pacientes com e sem choque cardiogênico, que foram submetidos à terapia transcateter, com mortalidade em torno de 10% após 30 dias da intervenção, sem  diferenças entre esses dois grupos. Porém, um dos vieses deste trabalho foi seu tamanho amostral pequeno, o que limita bastante o poder de análise.

Apesar de alguns resultados promissores, o uso do MitraClip no tratamento do choque cardiogênico com insuficiência mitral importante ainda é um cenário de incertezas e carece de evidências mais contundentes e de estudos mais robustos para ser adotado na prática clínica. Para casos clínicos mais complexos e desafiadores, pode ser uma alternativa após avaliação criteriosa de uma equipe de Heart Team experiente.

Referências

  1. Jung, Richard G et al. “Transcatheter Mitral Valve Repair in Cardiogenic Shock and Mitral Regurgitation: A Patient-Level, Multicenter Analysis.”  Cardiovascular interventionsvol. 14,1 (2021): 1-11.
  2. Tang, Gilbert H L et al. “Survival Following Edge-to-Edge Transcatheter Mitral Valve Repair in Patients With Cardiogenic Shock: A Nationwide Analysis.” Journal of the American Heart Association 10,8 (2021)
  3. Estévez-Loureiro, Rodrigo et al. “Use of MitraClip for mitral valve repair in patients with acute mitral regurgitation following acute myocardial infarction: Effect of cardiogenic shock on outcomes (IREMMI Registry).” Catheterization and cardiovascular interventions : official journal of the Society for Cardiac Angiography & Interventions 97,6 (2021)

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