Síndrome de Ortner

Vitor Emer Egypto Rosa

Dentre as patologias cardiovasculares, as doenças valvares são aquelas com maior riqueza e variedade de sintomatologia e propedêutica. Em alguns casos, o quadro clínico pode ser deveras inusitado.  Nesse sentido, o médico austríaco Norbert Ortner descreveu em 1897 o diagnóstico sindrômico que até hoje leva seu nome, a Síndrome de Ortner, também conhecida como Síndrome Cardiovocal.  Em seu trabalho original, o autor descreveu 3 casos de pacientes com estenose mitral importante associada a rouquidão em decorrência de paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo, ou seja, apenas a prega vocal esquerda estava paralisada, gerando disfonia.

A explicação fisiopatológica do quadro decorre de uma compressão do nervo pelo átrio esquerdo. Pacientes com estenose mitral importante, definida por uma área valvar mitral menor que 1,5 cm² ou gradiente transmitral médio maior ou igual a 10 mmHg, apresentam uma dificuldade no esvaziamento atrial esquerdo. Assim, ocorre um aumento das pressões intracavitárias atriais e tal câmara apresenta uma dilatação a fim de acomodar o volume sanguíneo represado. Em alguns indivíduos, tal fenômeno de dilatação atrial gera arritmias, como a fibrilação atrial. Entretanto, em um número reduzido de pacientes, a dilatação atrial leva a uma compressão e posterior paralisia do nervo laríngeo recorrente esquerdo. Assim, a correção da patologia valvar seria o tratamento indicado para a correção da rouquidão, pela redução e remodelamento atrial esquerdo.

A partir de então, outras alterações foram descritas como etiologia cardiovascular da rouquidão, tais como a Síndrome de Eisenmenger, insuficiência ventricular esquerda, defeito no septo atrial, persistência do canal arterial, hipertensão pulmonar primária, embolismo recidivante da artéria pulmonar, insuficiência mitral, mixoma atrial, aneurisma ventricular esquerdo, cor pulmonale e vários tipos de aneurismas da aorta. Após tais descrições, vários autores questionaram a fisiopatologia da Síndrome de Ortner, sugerindo que a compressão do nervo laríngeo recorrente esquerdo possa decorrer da dilatação da artéria pulmonar pressionando o nervo contra a aorta, e não pelo aumento atrial.

Independente da causa, devido à raridade do quadro, a síndrome de Ortner não tem uma indicação de intervenção clara, ou seja, se o paciente não apresentar sintomas ou complicadores relacionados à valvopatia, não há evidência clara na literatura sobre a indicação de intervenção valvar apenas para a correção da rouquidão. Contudo, a experiência clínica sugere que tais pacientes usualmente acabam sendo submetidos à intervenção, pois já apresentam altas pressões pulmonares e/ou atriais, além do fato de que trabalhos mais contundentes são difíceis de serem realizados devido a raridade do quadro.

Referência

Ortner N. Recurrent nerve palsy in patient with mitral stenosis (in German). Wien Klin Wochenschr. 1897;10:753-5.

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