Escore de cálcio na estenose aórtica: quais as evidências?

Fernanda Castiglioni Tessari | Vitor Emer Egypto Rosa

Em 2013, Marie-Annick Clavel avaliou pacientes com estenose aórtica e fração de ejeção preservada, com área valvar aórtica reduzida (AVA ≤ 1 cm2 ou AVAi ≤ 0.6 cm2/m2), porém com gradiente médio discordante (< 40 mmHg), ou seja, estenose aórtica “paradoxal”. Neste estudo, demonstrou que o escore de cálcio valvar apresentou forte correlação com a gravidade da estenose aórtica degenerativa, sendo que valores ≥ 1275 AU em mulheres e 2065 AU em homens indicariam valvopatia anatomicamente importante. Em 2018, Tania Pawade avaliou, em um estudo multicêntrico, a aplicabilidade do escore de cálcio valvar em pacientes com estenose aórtica baixo-fluxo e baixo-gradiente, incluindo tanto pacientes com fração de ejeção preservada (EAo BFBG paradoxal), quanto com fração de ejeção reduzida (EAo BFBG clássica). Novamente, o escore de cálcio associou-se com a gravidade da valvopatia, sendo encontrados valores muito semelhantes ao estudo anterior: 1337 AU para mulheres e 2062 AU para homens. A partir destes dois estudos, a tomografia computadorizada passou a ser utilizada como importante ferramenta diagnóstica. Atualmente, é um método essencial na avaliação do paciente portador de estenose aórtica baixo-fluxo e baixo-gradiente (AVA ≤ 1 cm2 ou AVAi ≤ 0.6 cm2/m2, Gradiente médio < 40 mmHg ou Velocidade máxima < 4 m/s), especialmente em duas situações: (1) na EAo BFBG com fração de ejeção reduzida (< 50%) e ausência de reserva contrátil ao Ecocardiograma de Estresse com Dobutamina; e (2) na EAo BFBF com fração de ejeção preservada (≥ 50%) ou paradoxal. Nestas situações, um escore de cálcio > 2000 AU em homens e > 1300 AU em mulheres corrobora a presença de Estenose Aórtica verdadeiramente importante.

Além de auxiliar no diagnóstico, estes estudos também demonstraram que o escore de cálcio valvar elevado também apresenta importante valor prognóstico na estenose aórtica, com impacto em relação à mortalidade, independente do tratamento ou não da valvopatia.

Entretanto, o escore de cálcio valvar pode apresentar falhas e não deve ser utilizado como um dado absoluto no manejo do paciente com estenose aórtica. Fatores como a calcificação de estruturas adjacentes (via de saída do ventrículo esquerdo, aorta, ânulo mitral e artérias coronárias) ou mesmo a forma de distribuição do cálcio no aparato valvar podem interferir nos valores absolutos desse escore. Uma metanálise recente avaliou uma sensibilidade de 82% e especificidade de 78% para o diagnóstico de estenose aórtica importante.  Assim, nos casos em que persiste a dúvida em relação à gravidade da valvopatia, devemos lançar mão de outras ferramentas a fim de promover o melhor tratamento ao nosso paciente.

Neste contexto, temos um novo parâmetro que demonstrou melhor correlação tanto com a gravidade anatômica quanto com o prognóstico da estenose aórtica quando comparado ao escore de cálcio valvar isoladamente: trata-se da densidade de cálcio valvar. Como boa maneira de ilustração, mais recentemente, em 2021, um estudo tentou validar o escore de cálcio valvar aórtico para a população asiática, uma vez que todos até então incluíram apenas pacientes caucasianos. Demonstrou-se, que os valores de escore de cálcio admitidos como cut off para determinar estenose aórtica importante são comparáveis entre caucasianos e asiáticos, porém, em mulheres asiáticas, a acurácia foi menor e, mais ainda, subótima. Por outro lado, quando avaliada a densidade de cálcio valvar, esta acurácia aumentou significativamente, também em homens asiáticos, mas especialmente em mulheres, devendo ser o método preferencial para avaliação desta população.

Referências

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Pawade T, Clavel MA, Tribouilloy C, et al. Computed Tomography Aortic Valve Calcium Scoring in Patients With Aortic Stenosis. Circ Cardiovasc Imaging. 2018;11(3):e007146. doi:10.1161/CIRCIMAGING.117.007146

Pawade T, Sheth T, Guzzetti E, Dweck MR, Clavel MA. Why and How to Measure Aortic Valve Calcification in Patients With Aortic Stenosis. JACC Cardiovasc Imaging. 2019;12(9):1835-1848. doi:10.1016/j.jcmg.2019.01.045

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