No American College of Cardiology ACC-2023 foi publicado um importante estudo sobre a “válvula não tão mais esquecida – tricúspide”. Sabemos que a regurgitação tricúspide importante é uma condição debilitante que está associada a elevada morbidade e baixa qualidade de vida. Atualmente apenas medicações sintomáticas que não representam redução de desfechos como diurético estão disponíveis.

No entanto, o tratamento cirúrgico convencional habitualmente está associado a elevada comorbidade pela condição clínica do paciente, com concomitante disfunção ventricular direita e síndrome hepato-renal. As diretrizes atuais indicam a intervenção na tricúspide como classe 1 apenas quando há necessidade de intervenção no lado esquerdo do coração. Assim, a terapia transcateter da valva tricúspide pode ser uma alternativa segura e eficaz para tratamento de pacientes com insuficiência tricúspide importante.

Paul Sorajja e colaboradores levantaram a hipótese que se reduzir a regurgitação tricúspide através de reparo transcateter pode reduzir os sintomas e melhorar desfechos clínicos em pacientes com essa condição e o estudo “Transcatheter Repair for Patients with Tricuspid Regurgitation. Triluminate Pivotal” foi apresentando no ACC com publicação no New England Journal of Medicine, com patrocínio da indústria.

Foi realizada uma análise randomizada prospectiva de intervenção percutânea transcateter borda-a-borda em regurgitação tricúspide importante, em 65 centros dos Estados Unidos, Canadá e Europa. Pacientes com regurgitação tricúspide sintomáticos (NYHA II-IV) com pressão de artéria pulmonar menor que 70mmHg e sem outra condição cardiovascular com necessidade de intervenção foram randomizados 1:1 para receber tratamento percutâneo ou terapia medicamentosa otimizada (TMO). O desfecho primário foi uma composto hierárquico que incluem mortalidade por todas as causas ou necessidade de cirurgia em valva tricúspide; hospitalização por insuficiência cardíaca; e melhora na qualidade de vida pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ), com redução de pelo menos 15 pontos. Também foi avaliado a segurança e gravidade de regurgitação tricúspide.

Um total de 350 pacientes foram randomizados (175 para cada grupo), sendo 93.9% com regurgitação tricúspide importante e 70.7% apresentava regurgitação massiva ou torrencial. A média de idade foi de 78 anos e 54.9% eram do sexo feminino. Os resultados para desfechos primários favoreceram o grupo de intervenção (win ratio, 1.48; 95% CI: 1.06 to 2.13; P=0.02). A incidência de mortalidade ou necessidade de cirurgia de valva tricúspide e as taxas de hospitalização por insuficiência cardíaca não tiveram diferença entre os grupos. O questionário de qualidade de vida KCCQ alterou 12.3±1.8 pontos no grupo com intervenção e 0.6±1.8 no grupo controle (P<0.001) ao final de 1 ano. Em 30 dias, 87% dos pacientes do grupo da intervenção e 4.8% dos pacientes do grupo controle apresentaram regurgitação menor que moderada (P<0.001). 98,3% dos pacientes do grupo intervenção não tiveram evento adverso maior em 30 dias. Não houve diferença entre os grupos no teste de caminhada de 6 minutos (-8.1±10.5 vs -25.2±10.3; 95%IC 17.1[-12.0-46.1], p=0.25).

Assim, os autores concluíram que reparo transcateter borda-a-borda de tricúspide foi seguro em pacientes com regurgitação tricúspide importante, reduziu o grau de regurgitação e esteve associado a melhora da qualidade de vida pelo questionário KCCQ, mas sem diferença no teste de caminhada ao final de 1 ano do procedimento.