O que é estenose aórtica paradoxal?

Pamela Cavalcante | Vitor Emer Egypto Rosa

Pacientes portadores de estenose aórtica importante classicamente se apresentam com gradiente médio transaórtico maior do que 40mmHg, o que reflete o aumento do fluxo transvalvar devido ao maior trabalho do ventrículo esquerdo em vencer a obstrução gerada pela valvopatia. A história natural da doença mostra que, na ausência da correção da estenose aórtica, por intervenção cirúrgica ou transcateter, a pós-carga excessiva provoca dilatação e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, com consequente redução do fluxo sistólico transaórtico e do seu gradiente médio, fenômeno conhecido como afterload mismatch.

Hachicha et al,  em um trabalho pioneiro publicado em 2007, descreveram um grupo de pacientes que eram portadores de estenose aórtica anatomicamente importante, com área valvar menor do que 1cm2  e que, paradoxalmente, apresentavam gradiente médio transaórtico menor do que 40mmHg, com baixo volume sistólico indexado (≤ 35ml/m2), a despeito de ter função ventricular preservada. Este novo padrão foi chamado de estenose aórtica paradoxal. Foi observado que dentre outras características, estes pacientes tinham estágios mais avançados da valvopatia e pior prognóstico quando comparado à evolução clássica da doença. Estudos mais recentes, entretanto, mostraram que pacientes assintomáticos com este subtipo de estenose aórtica tinham evolução semelhante à dos portadores de estenose moderada e concluíram que este grupo deveria ser acompanhando da mesma forma que a estenose aórtica clássica.

A ocorrência de estenose aórtica paradoxal é de até 35% em alguns registros e estudos observacionais. Predomina no sexo feminino e está associada a uma maior proporção de hipertensão arterial, diabetes, fibrilação atrial e doença arterial coronária. A fisiopatologia é semelhante à da insuficiência cardíaca diastólica, com hipertrofia e redução da complacência ventricular esquerda. A avaliação do strain ventricular destes pacientes mostrou que este se encontra reduzido, porém tende a normalização após a correção da valvopatia, o que sugere que eles apresentam disfunção ventricular incipiente a despeito da fração de ejeção preservada.

O reconhecimento e o correto diagnóstico deste subtipo de estenose aórtica podem determinar a indicação de intervenção.  Erros de medidas ecocardiográficas não são incomuns, devendo ser constantemente reavaliados na suspeita desta patologia. A aferição da velocidade e dos gradientes transvalvares podem ser subestimados se o alinhamento da onda contínua do Doppler não estiver correto. Outra orientação é utilizar a planimetria, quando possível, para complementar a medida da área valvar. A equação de continuidade, por sua vez, depende do cálculo da área da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE), sendo mais passível de erros devido a variabilidade de conformação geométrica de tal estrutura, além de dificuldades na aquisição da imagem, se houver calcificação acentuada. O ecocardiograma tridimensional tem demonstrado maior acurácia, com análises mais precisas tanto da VSVE, quanto da área valvar, tendo seu uso sido cada vez mais frequente. Outro ponto importante é a indexação da área valvar pela superfície corpórea dos pacientes. Aqueles com superfície corpórea pequena, que não forem obesos, podem ter área valvar reduzida e corresponder à estenose aórtica moderada. Nos casos em que a área valvar indexada é ≤ 0,6 cm²/m², sugere-se que a estenose seja anatomicamente importante. É necessário avaliar também se o paciente se encontra hipertenso com pressão arterial sistólica > 140mmHg no momento do exame. Pressões mais elevadas contribuem para subestimar o gradiente médio e geram um incremento na impedância válvulo-arterial (Zva), medida que estima a pós-carga ventricular somada a sobrecarga arterial gerada pela resistência vascular e valvar ao ventrículo. Estudos demonstraram que a Zva aumentada tem valor prognóstico e é associada a mortalidade. Portanto, é importante que o cardiologista se certifique de que a pressão arterial sistólica esteja abaixo de 140mmHg no momento da avaliação ecocardiográfica dos gradientes e da área valvar.

Por fim, assim como nos outros casos de estenose aórtica com baixo-fluxo e baixo-gradiente, devemos recorrer à tomografia computadorizada cardíaca para quantificação do escore de cálcio aórtico, como mais um parâmetro para confirmar a gravidade da estenose aórtica paradoxal. O escore de cálcio maior do que 1300 unidades Agatston (u.A) em mulheres e maior do que 2000 u.A em homens sugere estenose aórtica anatomicamente importante nestes casos.

Referência

1- Tarasoutchi F, Montera M, Grinberg M, Barbosa M, Piñeiro D, Sánchez C et al. Diretriz Brasileira de Valvopatias – SBC 2011/ I Diretriz Interamericana de Valvopatias – SIAC 2011. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 2011;97(5):01-67.

2- Hachicha Z, Dumesnil JG, Bogaty P, Pibarot P. Paradoxical low flow, low gradient severe aortic stenosis despite preserved ejection fraction is associated with higher afterload and reduced survival. Circulation. 2007;115(22):2856-64;

3- Rosa V, Fernandes J, Lopes A, Sampaio R, Tarasoutchi F. Paradoxical Aortic Stenosis: Simplifying the Diagnostic Process. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 2018.

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