Devemos tratar o paciente com IC FER de etiologia valvar da mesma forma que o não valvar?

Fernanda Tessari | Vitor Rosa

Sabemos que o tratamento da doença valvar envolve, na maioria dos casos, a correção anatômica da válvula disfuncionante por meio de intervenção, seja cirúrgica ou transcateter, e que, embora úteis para controle de sintomas, não há evidência de benefício do uso de medicações a fim de evitar a progressão da valvopatia ou reduzir morbimortalidade.

Entretanto, dado o caráter progressivo da doença valvar, é frequente a evolução com disfunção miocárdica e queda da fração de ejeção, especialmente nas valvopatias aórticas e insuficiência mitral. A dúvida é: nestes casos, devemos conduzir o paciente conforme as recomendações tradicionais para o tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (IC FER)?

Mais uma vez, a literatura carece de evidências que suportem essa recomendação, já que os grandes estudos para IC não incluem ou possuem uma baixa representatividade de pacientes com IC de etiologia valvar. Além disso, devemos ter em mente que, a depender da valvopatia em questão, algumas drogas podem trazer prejuízo ao paciente.

● Na estenose aórtica, o uso de IECA ou BRA parece seguro, porém, assim como outros vasodilatadores, como nitratos e hidralazina, apresentam risco de hipotensão e, portanto, devem ser utilizados com cautela; os betabloqueadores, por sua vez, são evitados, uma vez que podem interferir nos mecanismos compensatórios do coração, reduzindo o inotropismo e piorando o débito cardíaco;
● Na insuficiência aórtica e mitral, o uso de vasodilatadores pode ter benefício na redução do volume regurgitante e controle de sintomas, mas não há evidências de impacto na redução de desfechos cardiovasculares. Por outro lado, o uso de betabloqueadores, ao reduzir a frequência cardíaca, pode aumentar o volume regurgitante e, portanto, deve ser feito com cautela;
● Diuréticos devem ser utilizados para controle de sintomas congestivos, podendo ser associados diuréticos de alça, tiazídicos e antagonistas mineralocorticoides, de maneira similar à IC, como ponte até a intervenção.

Exceção deve ser feita aos casos de insuficiência mitral secundária, em que o tratamento volta-se primordialmente à causa de base, devendo, nestes casos, ser instituído o tratamento convencional.

Em resumo, o tratamento do paciente com insuficiência cardíaca valvar deve ser
fundamentalmente baseado na intervenção sobre a valvopatia, estando a terapia medicamentosa associada principalmente a controle de sintomas, mas com evidência insuficiente quanto ao impacto sobre desfechos cardiovasculares.

Referências:

  • Borer JS, Sharma A. Drug Therapy for Heart Valve Diseases. Circulation. 2015;132(11):1038-1045.
    doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.115.016006
    2021 ESC/EACTS Guidelines for the management of valvular heart disease. European Heart Journal (2022) 43, 561–632 https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehab395

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